Entrevista

Playteando Eder Santos

Leia abaixo trechos da entrevista concedida por Eder Santos a Walter Navarro

Eder José é ótimo né? Eder Jr. é sensacional! Eder José dos Santos Júnior é surrealista. Eder Santos, simplesmente, é um cara legal, proibido para menores burros e maiores pequenos. Eder imoderadamente, s'il vous plaît, thank you. Na seqüência, ousamos apresentar a vocês, quase em ordem cronológica, a eterna criança de Belo Horizonte e suas "texturas mineiras", o desenhista precoce, o homem que viu Branca de Neve e ficou amigo dos Sete Anões vestidos de noiva num circo repleto de mulheres barbadas e outros elefantes que incomodam muita gente. Depois nasceu o estudante de matemática, o inseparável amigo do não menos genial Marcus Vinicius Nascimento, o artista plástico sem diploma, o completo designer-gráfico, o cineasta e finalmente o vídeo-artista, o premiadíssimo vídeo-artista. É fácil falar com Eder, principalmente se você tiver um celular no coldre. Entrevistar o cara é outra coisa. Mesmo sentado, mesmo em Belo Horizonte, na sua Inês Capável Pampulha, o homem está sempre viajando. Viajando para seus mundos interiores, sem passaporte. Aliás é o que ele mais gosta de fazer, viajar e informar, fazer viajar e criar informação, parir imagens. 

WN: Eder, quando e onde você foi inaugurado?

ES: Nasci dia 23 de setembro de 1960 em BH.

WN: Bom, desde então, e pelo visto, você cresceu muito. Qual a primeira imagem (em vídeo, televisão, cinema, foto etc.) que você viu e da qual se lembra com impacto?

ES: O primeiro filme que eu vi no cinema, foi o desenho animado "Branca de Neve", sério. Aí eu fui pra casa e fiz o story board completo do filme. Eu tenho até hoje, eu devia ter uns seis anos, 1966, sei lá, não me lembro.

WN: Pelo jeito você aprendeu a desenhar antes mesmo de saber ler...

ES: É, uma tia minha tem desenhos meus feitos quando eu tinha um ano e três meses de idade, ela colecionava os desenhos. Tenho um álbum de desenhos desta época, até os doze anos.

WN: Na escola você era péssimo em matemática e bom em quê?

ES: Não, não era péssimo em matemática não... Eu era bom em matemática. Eu era ruim em química (risos). Sério, a única coisa que eu não conseguia aprender era química.

WN: Onde você estudou?

ES: Estudei no grupo escolar Bernardo Monteiro, depois no Centro Pedagógico da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), no Colégio Técnico da UFMG e depois na Belas Artes também da UFMG, tudo na Pampulha, nunca saí da Pampulha e hoje eu moro na Pampulha (risos).

WN: A Escola de Belas Artes foi em que ano?

ES: Entrei em 79, mas não me formei, larguei o curso faltando uma matéria, um semestre. Mas nesta época eu já estava fazendo a FUMA (Fundação Mineira de Arte Aleijadinho), Eu sou designer gráfico.

WN: Então você também sabe fazer revistas?

ES: É. Já trabalhei em gráfica, fui ilustrador de revista, jornal. Aprendi a mexer com off-set...

WN: E você ainda desenha?

ES: Desenho. Story board eu faço todos, todos não, muitos. O longa-metragem (Enredando as Pessoas), eu fiz inteiro, mais de 180 desenhos.

WN: E a história dos vídeos, como começou? Como é que você se define? Video-maker?

ES: Vídeo-artista. Bom, mas esta história começou toda com o Marcus (Marcus Vinicius Nascimento, sócio de Eder na produtora Emvídeo). Começamos a fazer com uma câmera super 8. Inclusive acharam um filme outro dia lá na Emvídeo, desta época.

WN: O que é que tem neste seu filme?

ES: Uma besteira (risos). "A Cidade de Concreto", uma coisa assim... um negócio assim, um absurdo (risos). Eu nem lembro mais mas é um absurdo, horrível...   Eder e Marcus Vinicius.

WN: Você e o Marcus se conhecem há muito tempo...

ES: Desde os 12 anos, lá no Centro Pedagógico. A gente começou a fazer trabalhos escritos, na escola. Aí apareceu esta câmera super 8 do Marcus...

WN: Bom, super 8 é cinema... como foi a passagem para o vídeo?

ES: O Marcus ganhou uma câmera de vídeo. E tinha um outro sócio nosso, o André, de São Paulo que gostava de fotografia e queria também entrar neste negócio de filme. O André queria fazer um longa, começamos a escrever o roteiro. Aí o Marcus comprou uma câmera 16mm BOLEX e a gente foi filmar e levamos a câmera de vídeo também. Da 16mm saiu nada, só um anão vestido de noiva num circo (risos) e na de vídeo saiu tudo. Aí abandonamos a BOLEX de 16mm. Ela tá lá até hoje, de decoração (risos).

WN: Além deste desastre, o que mais incentivou a trabalhar com vídeo e não com cinema, é mais barato?

ES: Isso é, sempre foi, né? O povo do cinema é que se preocupa com este negócio de ser mais barato.

WN: E este negócio, a tecnologia digital, a qualidade é a mesma?

ES: Jamais. Lógico que não. O vídeo digital é um bom vídeo, é só um vídeo melhor, ele é bom pro vídeo. O povo do cinema é que tá achando que é bom pra eles (risos). Este negócio de cinema digital é mentira. Cinema digital não é cinema, é só um vídeo mais legal do que o que tinha antes, o que não quer dizer que seja cinema.

WN: Você não tem vontade de fazer cinema?

ES: Já fiz, né? Vou fazer mais depois, quero fazer.

WN: Quais filmes você já fez?

ES: "Enredando as pessoas". Você ainda não viu, não?

WN: Não. Ganhou prêmio também?

ES: Ganhou, lá em Cuba.

WN: Pra que serve o vídeo, arte em vídeo, já que muita gente boa, como Woody Allen, costuma dizer que "infelizmente a arte não serve para nada"...

ES: O vídeo é um interlocutor de todas as artes. Você pode fazer televisão, artes plásticas, cinema, já que o povo tá achando que é cinema. O vídeo une todas as coisas, Internet, tudo você pode usar. O vídeo tem ligações, pode ter ligações com todas as áreas artísticas, performances, shows, dança. Isso é que eu acho legal no vídeo.

WN: A gente pode dizer, desde o teu trabalho, que estamos na terceira geração de vídeo-artistas...

ES: É. Quanto tempo dura uma geração?

WN: Nos dias de hoje uns 15, 20 anos...

ES: É, então a gente pode falar em terceira geração porque tem o meu trabalho, o da turma que veio depois e mais recentemente, o desta garotada que faz tudo no computador.

WN: Qual a maior diferença entre a tua e a mais nova geração que está começando agora. Como se deu esta evolução?

ES: A maior diferença pra mim, nesta última leva, esta última geração é que ela não pegou nos equipamentos de vídeo analógico, é só computador. Por exemplo, eu estou com esta fita aqui, minúscula,(mostra a fita, pouco maior do que uma de secretária eletrônica) de uma cara muito bom e que ainda vai dar o que falar, o Conrado, um garoto muito talentoso. Aqui por exemplo, nesta fita tem 3500 frames por exemplo, isso significa 3500 fotos trabalhadas uma a uma no computador. Ele faz o movimento com a câmera e só pega os frames, ele trabalha só com photoshop, não usa equipamento, programa de edição de vídeo, nada. É igual a uma revista, o vídeo dele é assim. É uma geração que não pegou uma fita, nem trabalhou com ilha de edição. A geração intermediária ficou misturada, eles são mais confusos (risos), um pé lá atrás, outro no presente em constante mudança - cena do vídeo Enredando as pessoas.

WN: Você também sente na pele o problema maior do cinema, divulgação, exibição, distribuição?

ES: A distribuição é mais difícil. Aqui não tem um lugar onde você pode ter acesso aos vídeos. No Brasil não tem.

WN: Falta um tipo de banco de imagens em vídeo?

ES: É, não tem, falta uma distribuidora como o cinema tem. No Brasil não tem. Já tentaram mas ninguém tem saco pra isso, ninguém arriscou. Espaço até tem para mostrar. Aqui em Belo Horizonte a gente pode mostrar na Humberto Mauro, no Usina, no CRAV etc. O problema é acervo. Às vezes as pessoas querem ver um vídeo, ligam lá na EM Vídeo perguntando e a gente fala, "vem ver aqui" (risos). Por exemplo, a gente tem vídeo em Paris, no Centro Georges Pompidou. Eles pagam US$ 900 por título, para ter a fita lá no arquivo deles. Você só pode ver lá dentro, eles não fazem nada com isso, mas está lá na videoteca deles pra quem quiser consultar. Temos dois vídeos lá, é outra história.

WN: E o Eder Santos, onde fica nesta tecnologia toda, já experimentou e gostou do computador?

ES: Já. Todos estes novos trabalhos foram feitos em computador. Mas continuo atraído por todas as linguagens do vídeo. O computador é apenas uma técnica nova, é completamente diferente, o raciocínio é completamente outro.

WN: O computador, a tecnologia interfere na criação, no processo criativo?

ES: A nossa geração passou por tudo. LP, 45, 78, 33 rotações, disco que tinha lado A e lado B, agora não tem mais lado B (risos). É o lado AB. Não tem mais lado B, aquele que você não ouve (risos). A gente passou por tudo, cassete, DAT, MD. Nós passamos por todas estas loucuras...

WN: Mas voltando à vaca fria, você acha que as novas tecnologias acabam ditando um novo tipo de raciocínio, alteram o processo criativo? Eu, por exemplo, comecei a escrever em máquina de escrever, nem imagino o que é escrever sem computador, tratamento de texto etc.

ES: Mas você não escreve mais à mão, não?

WN: Não. Mas calma aí, Eder. O entrevistado aqui é você.

ES: Eu escrevo. Eu gosto, olha aqui (abrindo a pasta e mostrando o interior), tenho caneta e caderno, caneta tinteiro, eu gosto de caneta tinteiro.

WN: Escreveu errado tá errado, borrado, rasurado... Isso acontece em vídeo também?

ES: É, vídeo analógico é assim, se você errar tem que fazer tudo de novo, perto do que se faz em computador o analógico é artesanal (risos). No computador, errou, você tira e conserta.

WN: E até que ponto isso influencia a criação, eu insisto na pergunta e você não responde...

ES: Basicamente influencia na velocidade. Também acaba criando um estilo para quem não trabalhou com o analógico, a outra coisa.... A edição no computador é surda ou muda... eu não sei te falar se ela é surda ou muda. Não sei explicar direito mas ela tem um negócio assim... Aquele silêncio do computador. Edição de clipe eu prefiro fazer no analógico, você tem o som, o ritmo, você faz com a mão (imitando o gesto da ilha de edição rodando um equipamento imaginário), com o dedo. Neste ponto é igual cinema que ainda tem essa lado.

WN: E os teus temas? Quais são os mais recorrentes? A cidade de concreto? São urbanos?

ES: Não sei se são urbanos... Sempre foi de cidade mas não sei se posso chamar isso de urbano, tem uma coisa de viagem, de informação. Por exemplo, o Projeto Apollo. O projeto Apollo é basicamento, isso: o homem foi à Lua ou foi uma invenção da televisão? Eu fiz várias entrevistas aqui mesmo na Savassi, em Belo Horizonte, o povo inventou cada loucura... mineiro é louco mesmo... falaram que é coisa de ET... que o homem foi mesmo é em 66, em 69 era coisa de ET, tudo falso... (risos). Falaram também que era invenção da Guerra Fria, uma loucura. E a gente reconstituiu toda a ida do homem à Lua em vídeo. Fiz tudo de novo e todo mundo tá achando que a gente pegou imagens da NASA (risos). A gente fez mesmo a Lua... você vai achar que a Lua é de verdade... Usamos maquete, módulos da Revell, fotografia...

WN: Quais são os novos projetos?

ES: É um vídeo que vai se chamar, "Três Maneiras de Playtear a Eternidade", mas pleitear com y mesmo, playtear. A primeira maneira já foi feita, é a cadeira de tortura que ganhou o prêmio do Salão de Belo Horizonte. A segunda é um armário, uma cristaleira com memória e o terceiro é uma bolha, depois eu explico mais (risos).    

NAVARRO, Walter. "Playteando Eder Santos". Disponível no site oficial do artista: http://www2.uol.com.br/edersantos/entrevista.htm.

Entrevista 26/09/1992

10 questões para 100 brasileiros que influenciam outros 100 milhões

Enviamos dez perguntas para 100 brasileiros ilustres enquanto organizávamos uma Mesa Redonda sobre as mesmas questões, que aconteceria durante o 9º Festival Internacional Videobrasil, dia 26 de setembro às 10 horas da manhã no SESC FÁBRICA POMPÉIA. Solicitamos aos artistas que respondessem da forma mais simples e direta possível. Não existia limite de espaço nem obrigatoriedade de responder a todas as perguntas.

O que existe de melhor e de pior na TV brasileira hoje?

Eder: O que existe de pior é que todo brasileiro é obrigado a ver o Brasil por dois ângulos, por duas visões a meu ver bem limitadas: olhar carioca e olhar paulista. É triste vermos que o cidadão amazonense tem (ou procura ter) um jeito carioca de ser.

De que maneira os níveis de audiência, como são aferidos hoje, interferem na programação?

Eder: Por exemplo, quando no dia seguinte ao último debate durante a campanha eleitoral do Collor - Lula a imprensa escrita e televisiva deram como vencedor o nosso atual presidente, a grande maioria dos brasileiros acreditaram nessa hipótese e com o pensamento esportivo aguçado (voltado para o sempre vencer) apostaram no que estava na frente. Assim fazem com tudo. Existe uma grande influência das pesquisas de opinião no destino da real escolha da audiência. Então se existe algum tipo de manipulação nas pesquisas, esta atingem normalmente o objetivo de manipulação ao qual se propunham.

O que você pensa sobre a maneira que são concedidos os canais de TV no Brasil?

Eder: São ilegais, imorais e engordam. (vide Newton Cardoso)

Que tipo de responsabilidade a concessão de um bem público como esse acarreta?

Eder: A responsabilidade de definir o futuro de nosso país.

Por que não existe maior participação de produtores independentes de cinema e vídeo na TV brasileira?

Eder: Por ausência de leis que assegurem ao produtor independente um espaço para a produção televisiva. Mas não é só: Acredito que mesmo que houvesse esta lei os poderosos donos de rede montariam suas próprias produtoras independentes para se auto suprirem. E mais: toda a produção continua centralizada em dois estados deste imenso Brasil.

Como pode-se respeitar e valorizar as diferenças regionais na televisão?

Eder: Com leis de reserva para produção regional.

Como a TV brasileira pode ajudar a melhorar o nível cultural da sua população?

Eder: Evitando a produção de programas tipo o de Xuxa, destinados às crianças.

Em que a programação infantil veiculada hoje colabora no processo de educação das crianças?

Eder: A programação das grande redes está deseducando o Brasil.

Que programa ou emissora estão voltados à experimentação e busca de novos caminhos para a televisão?

Eder: Desconheço.

O que falta na TV brasileira?

Eder: A REGIONALIZAÇÃO.

Associação Cultural Videobrasil

Depoimento Eder Santos, s.d.

Uma descrição de seu trabalho e preocupações atuais:

Mesmo quando eu estava me preocupando com as técnicas de manipulação de imagem, jamais perdi de vista o fato de que eu estava usando uma tecnologia relativamente estranha para a minha cidade e país; ou seja, que havia uma defasagem entre o social e o tecnológico. Consequentemente, eu sempre tentei usar nossos próprios elementos culturais. Isso é facilmente percebido num dos meus primeiros trabalhos, UATKI, em que o Bolero de Ravel é assimilado em termos de sensibilidade brasileira. A mesma intenção norteou minha instalação de vídeo Rite and Expression. Nesse trabalho, a cultura barroca e o sincretismo religioso foram recuperados e usados na criação de uma igreja eletrônica. Em outros vídeos, como Europe in Five Minutes e I cannot go to Africa because I am on duty, discuto o uso da tecnologia na ausência de uma formação e cultura adequadas. Na realidade, Europa em Cinco Minutos é uma edição de uma filmagem em Super-8 feita por um típico turista brasileiro de classe média alta. Embora sendo um cardiologista de certo renome, esse câmera amador demonstra um total desconhecimento e falta de compreensão da linguagem cinematográfica e de seu tema que, nesse caso em particular, são as várias culturas documentadas por ele em suas viagens. O resultado final obtido pelo turista se aproxima mais de um documentário de TV que não é muito bem digerido pelo grande público. No outro vídeo já mencionado, I cannot go to Africa because I am on duty, a tecnologia é explorada em termos de velocidade da informação, característica essa que torna ainda mais difícil a absorção e compreensão. Metaforicamente este processo é semelhante ao da obtenção da informação através da condensação de meras legendas. Embora isso possa ocorrer em países desenvolvidos, é um processo que libera sua força máxima numa cultura como a brasileira. I cannot go to Africa because I am on duty , toca, indiretamente, em alguns valores: em vez de se preocupar com o processo de informação-absorção e com a possibilidade de controle do processo produção de imagens, estamos desenfreadamente apostando uma corrida cujo único propósito é empregar a última inovação tecnológica em termos de produção de imagem.

Um conceito preliminar para um trabalho para o Capp Street Project:

Embora as preocupações ecológicas pareçam agora se concentrar sobre a destruição da floresta tropical úmida (o pulmão do mundo), eu, de minha parte, tenho me sentido atraído, já há algum tempo, pelo chamado do deserto. Essa atração tem suas raízes no rico simbolismo que recobre questões vitais e sentimentos ligados a origem das coisas, existência e signicado, religiosidade e misticismo. De certa forma, a riqueza de um simbolismo associada ao deserto é explicada pelas duras condições de seu meio-ambiente natural. Fui bastante influenciado pelo Zabriskie Point, de Michelangelo Antonioni, onde o deserto é apresentado como pano de fundo para o amor e o drama, bem como para a consecução das escolhas políticas de uma pessoa. Também acredito que a experiência do deserto cabe perfeitamente bem dentro das preocupações ecológicas, ainda mais que permite à nossa cultura urbana conviver com a natureza no que esta tem de mais duro e dramático. Mesmo porque o deserto já foi uma floresta um dia, quem sabe a quanto tempo atrás – tendo herdado toda sua plenitude e riqueza, totalmente explorada e desaparecida hoje em dia. Eu também chego àquele deserto que vive dentro de cada ser humano, o deserto das miragens e das imagens que todos nós guardamos em nossos sonhos. Essa é sua experiência interna, que nos torna possível refletir e pensar sobre todas as florestas, quer tropicais úmidas ou não. O projeto Capp aqui apresentado, entitulado The desert in my mind foi editado de forma a ser parte de uma instalação de vídeo que recriará as condições climáticas extremas do deserto (calor abrasador durante o dia, frio intenso à noite). O cenário desta instalação só mostra areia e pedras. Serve de pano de fundo para a projeção de imagens de vídeo. Os efeitos sonoros devem ser usados para melhor reproduzir o ambiente do deserto. A duração total deverá compreender todo um ciclo – indo do máximo de calor durante o dia até o frio mais noturno mais profundo. Indiretamente, a floresta simboliza o infinito, a vida como uma fina camada, fatalismo e emoções internas. Esses são os componentes essenciais para a compreensão espiritual da própria vida. Acredito que tal espiritualidade, ao ser encorajada pela instalação de vídeo, complemente criticamente as preocupações ecológicas de nossos dias – complementando a conscientização crítica com experiência sensível.

Associação Cultural Videobrasil

Texto crítico Arlindo Machado

Eder Santos talvez seja o mais conhecido e difundido dos atuais realizadores brasileiros de vídeo. Paradoxalmente, sua obra não é fácil. Pelo contrário, pode-se caracterizar os vídeos de Santos como as experiências mais radicais e mais isentas de concessões de toda a produção videográfica brasileira: eles são constituídos em geral de ruídos, interferências, "defeitos", distúrbios do aparato técnico e, às vezes, roçam mesmo os limites da visualização. Em muitas de suas vídeo-instalações, Santos faz projetar imagens de vídeo sobre paredes texturadas e rugosas, ou ainda sobre dunas de areia ou chão irregular, de modo a perturbar a inteligibilidade das imagens ou corromper a sua coerência figurativa. Compreende-se bem essa fúria desconstrutiva com relação ao áudio-visual: Santos ataca em seus vídeos justamente a perda de vitalidade das imagens, sua redução a clichês gastos pelo abuso da repetição. A trivialidade da vida cotidiana, o comportamento estereotipado das pessoas, o turismo de massa e a futilidade dos cartões postais são materiais de que o realizador lança mão para construir contra eles, mas a partir deles, uma reflexão implacável sobre a civilização contemporânea. Nas duas obras em que essa postura existencial está melhor colocada - Não Vou à África porque Tenho Plantão (1990) e Essa Coisa Nervosa (1991) - uma interferência deliberada sobre o dispositivo técnico (perda do sincronismo vertical dos frames) faz com que as imagens oscilem o tempo todo diante do olhar do espectador, tornando difícil - às vezes impossível - a visualização. Na direção contrária, uma obra como Janaúba (1993) mostra o ideal que ele busca incansavelmente: recuperar a energia primordial das artes visuais, restabelecer o sentido e a força das imagens, que se teriam perdido no atual oceano de imagens industriais. Inspirado remotamente num filme antigo e mitológico do cinema mudo brasileiro (Limite, de Mário Peixoto), Janaúba é quase um retorno às origens do áudio-visual, na tentativa de retomar valores que a civilização olvidou.

MACHADO, Arlindo. Eder Santos. Disponível em: http://www.mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/web/port/comunica/video/gnovis/eders/apresent.htm