Entrevista 2003

Entrevista do artista cedida aos organizadores do 14º Videobrasil

Durante o festival estaremos discutindo as questões do deslocamento e dos processos nômades como imagens e ações emblemáticas da situação política e cultural contemporânea. Como você reflete isso no painel da arte eletrônica? Este é um tema de interesse em sua obra?

O vídeo só se tornou acessível aos artistas experimentais de uma maneira geral depois que as pequenas câmeras “handcams” entraram no mercado. Afinal, o que são estas câmeras a não ser um meio perfeito para nossos registro de viagens? Foi nesse contexto que as câmeras portáteis surgiram, para que pudéssemos registrar nossas viagens, nossos deslocamentos, nosso ir e vir pelo mundo, “imortalizando” locais, paisagens, o filho que cresce, amigos. No entanto, o conceito de nômade, pressupõe um sujeito que, seja por razões culturais ou políticas, se desloca fisicamente no espaço geográfico do mundo. O que observamos hoje no universo das tecnologias de informação e da arte eletrônica é um outro tipo de nomadismo. Um nomadismo onde o domínio sobre o espaço cedeu lugar ao domínio sobre o tempo. O ritmo em detrimento do deslocamento, a velocidade como valor em si mesmo e não como consequência de um deslocar-se no mundo. Ou seja, a nossa necessidade por velocidade, hoje, não é mais aquela pregada pelos movimentos futuristas do início do século XX, onde o automóvel representava uma janela móvel num espaço estático. Naquele caso, o deslocamento relacionava-se, essencialmente, com o espaço. No universo futurista da modernidade, onde ser veloz era deslocar-se rapidamente num terreno a ser explorado, teríamos sim um movimento real, um certo nomadismo até. Hoje, com as teletecnologias, nossa ânsia pelo movimento é saciada no tempo e não no espaço. Não mais um espaço a ser explorado pelos nossos corpos, mas um espaço móvel que se desloca velozmente nas telas imóveis que habitam nossa vida. O nômade contemporâneo não sai do lugar. Ao contrário, funda uma espécie de nomadismo sedentário, trazendo consigo uma nova concepção de espaço: ao invés de perspectivo e concreto, este torrna-se chapado e fluido. A nossa atual conquista espacial é uma conquista que se dá a partir do veículo audiovisual e não de veículos automotivos. Talvez tenhamos saído do mundo da dinâmica para entrarmos no da inércia onde o as tecnologias audiovisuais simulam não só os lugares aos quais queremo chegar, mas a sensação de se chegar sem sair do lugar. O nômade contemporâneo pode, finalmente, chegar sem ao menos ter partido.

As tecnologias da imagem e da informação participam de estratégias de controle e vigilância, sutis (ou não) e generalizadas. Diante desta realidade, qual seria, a seu ver, o papel da arte em contextos midiáticos?

Penso que as tecnologias de controle e vigilância já estão há algum tempo incorporadas ao cotidiano das pessoas e no contexto urbano poucos se espantam com as câmeras de vigilância e outros instrumentos de controle espalhados pela cidade. No entanto, o que hoje é banal e familiar nem sempre teve este estatuto. Foi a partir da poética das artes eletrônicas que este novo contexto sociológico e urbano foi trabalhado de maneira artística e, posteriormente, incorporado de maneira familiar na cultura contemporânea. O papel da arte eletrônica diante desta realidade tem sido o de subverter a premissa da vigilância e do controle. Ora nos colocando na pele do ser vigilante e alimetando nossos desejos voyerísticos, ora nos lembrando do absurdo de tal controle. Um controle que de fato não vigia nada, mas que criou uma geração de vigiados.

Associação Cultural Videobrasil. 14º Videobrasil, 2003.