Entrevista Carlo Sansolo, 2003

1- Durante o festival estaremos discutindo as questões do deslocamento e dos processos nômades como imagens e ações emblemáticas da situação política e cultural contemporânea. Como você reflete isso no painel da arte eletrônica? Este é um tema de interesse em sua obra? CS - A discussão do vídeo que se classificou para o videobrasil não é esta, o nomadismo estético é uma ação que reflete o nomadismo econômico, ou melhor, uma contra-ação. Eu organizo a minha contra-ação em um contexto onde, muitos outros atuantes estão, conscientes ou não, realizando o que se espera deles, refletir sobre os processos políticos, sobre a alienação que a civilização e seus múltiplos poderes proporcionam, desde a vigilância eletrônica, códigos morais ultrapassados, poderes religiosos, falocentrismo e outros. Este meu trabalho se dá lentamente através da utilização de blogs e fotologs, onde tento discutir, e inserir questões onde não há questão, apenas ego, é também uma batalha para a ocupação temporária do maior numero de hd's remotos na net, aumentando a representação percentual do pensamento crítico contemporâneo, notem que este é um trabalho coletivo, que não faz sentido algum a figura do herói para mim, trabalhamos com a idéia de colaboração. Uma importante parte do meu trabalho é organizar uma mostra de vídeo, juntamente com Érika Fraenkel, a laisle.com, e que as vezes tem outro nome, onde incentivo outros artistas a mostrarem seus vídeos, e onde mostro vídeos de arte internacionais, trabalhos que normalmente não seriam vistos, e divulgo entre um publico que normalmente não teria acesso a esta linguagem, com o intuito de incentivar o pensamento novamente, assim como envio nossos vídeos para locais fora do Brasil, fazendo com que esta voz da diferença produzida por nós seja ocasionalmente ouvida. Esta facilidade que o suporte vídeo permite tem realmente a ver com a questão do nomadismo contemporâneo, e com a idéia de sincronicidade, de presença de uma realidade que está distante espacialmente mas possivelmente próxima em termos de ideologia e possivelmente de afetividade, este trabalho de network que realizamos através do nosso site www.laisle.com tem a ver com isso, é uma ilhota, porque como um artista disse jocosamente (vocês estão ilhados), nós realmente abraçamos o nossos estigma e somos uma ilha de resistência ideológica. Outra questão que facilita isto, é obviamente a existência do software, a existência de gente que faz software baratos, e o descontrole que existe hoje sobre o software, assim muita gente pode usar este poder, que de outra forma seria inacessível, este saber, o saber digital, operado com softwares, permite a um artista, um pensador, um ativista a realizar operações que antes eram muito mais difíceis de serem realizadas, a questão hoje, é que existe uma abundancia tamanha de informação e contra informação que muita gente não consegue distinguir o que é relevante do que não é. Obviamente esta decisão também é claramente ideológica, assim como até que ponto algo que está na internet é nômade, é nômade a partir do momento em que não pode ser censurado por ninguém, ou se censurado em um ponto x pode aparecer imediatamente em um ponto y. Este nomadismo estético é basicamente a única forma que conheço de ser efetivo, a partir do momento em que um poder competente institucionalizar o trabalho, este passa a existir fora da sua área nômade e existe entre a série institucional, ainda produzindo poderes e ideologias, mas já com um amortecimento inerente a sua existência dentro da instituição. 2 - A relação entre arte e política é ao mesmo tempo rica e conflituosa. Como você percebe esta relação no caso específico do seu trabalho? CS - Um trabalho de arte pode ser transgressor na sua forma, no seu gênero, na sua série. Também pode ser transgressor no assunto abordado, sigo ainda Walter Benjamin nestes pontos, e para existir arte revolucionária a forma do trabalho, o mídium usado, tem que ser contemporâneo e estar envolvido em um processo histórico, ou seja, o processo histórico não é aleatório. Constantemente tento deixar óbvio quem é o emissor do texto, da onde pertence esta voz, de que classe social, de que seguimento étnico, pois todo trabalho é ideológico sob muitos aspectos, e tanto pior quando tenta existir para fora da história, quando tenta esconder da onde vem sua afinidade. Esta política, é sempre oblíqua, localizada, e micro-física, não da para ser completamente totalizada e abarcando todas as questões, só da pra responder inicialmente aquelas em que você esbarra, e daí se pode reconstruir até a uma certa origem difusa do poder, que vem hoje do capital nômade, não mais de Estados, e sim multinacionais. Seguindo estas linhas tento equilibrar a pesquisa estética com questões políticas que me tocam mais, relações de exclusão / inclusão, maioria / minoria, riqueza / pobreza, consumismo e alienação, isto aparece recorrentemente no meu trabalho. Sobre arte e violência ver artigo: http://www.laisle.com/txt_carlo7.html Sobre arte e ideologia dominante ver artigo: http://www.laisle.com/txt_carlo8.html 3 - As tecnologias da imagem e da informação participam de estratégias de controle e vigilância, sutis (ou não) e generalizadas. Diante desta realidade, qual seria , a seu ver, o papel da arte em contextos midiáticos? CS - Fiz três videos com este tema: Vigiar e Punir, Divert e Panoptica, todos filmados do meu prédio, situações em que o privado e o banal são observados, e no caso do vigiar e punir, até a punição é vislumbrada. A câmera emula um sistema de observação. A questão da observação é a da liberdade privada, ou a de sua ilusão, ou de sua simulação na sociedade democrática, obviamente enquanto houver propriedade privada haverá vigilância, a questão é: estamos prontos para viver em uma sociedade coletiva? Qual o melhor caminho para alcançar este fim? 4 - No contexto sócio-político e cultural contemporâneo, as identidades locais se reconfiguram em tensão com os fluxos globais. Inserida neste processo, a arte eletrônica participa como um campo aberto à experimentação e expressão de novas formas de subjetividade. Como essas questões se manifestam em seu trabalho? CS - Acho que uma forma que isto acontece no meu trabalho é a de me fingir de gay, que é um tabu sócio-politico da relação maioria / minoria, é uma imagem-situação emblemática. Isto acontece nos meus blogs que são uma falsa memória, uma falsa, simulada subjetividade. Pelo acumulo de interesses inconciliáveis na minha personalidade: Judaísmo, Comunismo e Pornografia. Só o contemporâneo consegue abarcar estas coisas tão distintas e que não conseguem se conciliar direito. Para estes trabalhos ligados a interferências em meios de informação digital, e com o nomadismo veja os blogs: www.simulatination.blig.ig.com.br/inicial.html e www.dissimulatination.blig.ig.com.br/inicial.html 5 - Atualmente, verifica-se nas culturas locais o desafio de reinventar as memórias pessoais e coletivas, sem deixar que elas se esvaziem frente aos fluxos de comunicação global. A seu ver, como este desafio se traduz nas experiências da artemídia? CS - A pergunta 4 e 5 poderiam ser repondidas juntas. Fala-se muito em resistência cultural hoje em dia no meio de arte. Todas as pessoas que conheço que se dizem parte de qualquer resistência cultural trabalham usando meios povera, odeiam tecnologia, acham que tecnologia uma forma hegemônica de dominação que o primeiro mundo tem sobre o terceiro. Acredito que este ponto de vista é muito simplista, por outro lado a maioria dos artistas que conheço que trabalham com tecnologia são pessoas que não estão interessadas muito em questões conceituais, estão mais ligadas em design, em imagens de impacto, em uma gestalt do que realmente pensando em questões políticas ou antropológicas. Em Israel e mesmo por aqui existe Talmud - Torah via cd-rom, não é uma experiência de arte-mídia? Dizem que a revolução do Iran aconteceu graças a uma grande divulgação e troca de tapes cassete com discursos do aitolah, não é isso uma revolução via mídia? O fluxo da globalização é um movimento que expande o capitalismo mas que possivelmente traz com ele as sementes da sua própria extinção. Sobre reinventar memórias individuais, sim tenho trabalhos, vários inclusive, que falam veladamente sobre Kabalah, ou sobre a inquisição e este tipo de experiência de releitura histórica. Mas não tenho afinidade qualquer que seja com nacionalismos e regionalismos. 6 - No contexto de abordagem dos meios eletrônicos-digitais , interessa-lhe as questões do corpo? Como o corpo aparece em sua obra? CS - O corpo não aparece na minha obra. Sempre que aparece, ele está sob o filtro de alguma espécie distorção, o corpo é por demais fetichizado e tratado de forma por demais hedonista e sexista. O iconoclastismo é uma das questões do meu trabalho, o universo já é visto demais como uma questão antropocêntrica, o homem como centro de tudo, está centralização na questão do humano não me interessa. Em meu trabalho com cartazes e posters, uso a meu rosto, mas está colocado em contexto de propaganda e design, o que dês-glamoriza completamente a questão do meu corpo. Apesar de não freqüentar academia, digo que gosto do meu corpo, me alimento de maneira natural, sou quase vegetariano, gosto de andar nu, e sou muito ligado em sexo, inclusive poso nu para fotos de arte da minha mulher. Ela já usou meu corpo para vídeos de arte com sexo explícito. Entendo que existem contradições nesta resposta para serem resolvidas.

Associação Cultural Videobrasil