Entrevista Marcio Harum, 2011

Você esteve em Jacarta em 2001, quando produziu o vídeo 15.000.000 Parachutes. Exatamente dez anos depois, revisitou a Indonésia em uma viagem de campo. Poderia me explicar, sob a ótica do tempo de uma década, as mudanças mais importantes dos fazeres técnicos e conceituais de sua produção artística?   

Acho que com o tempo acabamos polindo e reacomodando as ideias, jogando com outros formatos, aprendendo com a profissão, através da prática de montagem, e com as relações. Mas, definitivamente, os fundamentos de minha obra continuam sendo os mesmos, e muitas vezes retomo as formas ou estruturas com as quais trabalhei há algum tempo. Se muitas vezes a embalagem muda de forma, interessa-me que o conteúdo se mantenha igual. Ser consequente nisso, acredito, é fundamental. 

Viajar à Indonésia dez anos depois daquela primeira experiência foi um revival especial. 15.000.000 Parachutes é um média-metragem e foi feito em praticamente um mês. Quis ver se em quinze dias surgia a mesma magia. Surgiu: esquematizou-se um roteiro, filmou-se uma parte e, por falta de tempo, o quebra-cabeça não foi terminado. Acho que essa viagem me mostrou que meu impulso e, mais importante, minha vitalidade continuam sendo os mesmos dez anos depois. Há ocasiões em que os elementos fluem na mesma direção; outras em que um elo se perde, e a construção cresce para outro lado. Mas, definitivamente, algo foi construído. 

O que você apresentou na 25ª Bienal de São Paulo, em 2002? 

Trabalhei com a fotógrafa sul-africana JoRatcliffe em um vídeo chamado One Year Later. Decidimos trabalhar de forma precária e básica por razões de tempo, necessidades e interesses mútuos naquele momento. Contávamos com uma câmera Diana de formato grande e Jo tirou dela a moldura interna que enquadra as margens do filme. O que se consegue com isso é uma imagem na qual uma foto se sobrepõe à outra como se fosse uma colagem. Dessa forma é possível sincronizar tempo e espaço. Ficamos seis dias filmando em Johannesburgo, na cidade, nas minas em volta, nas estradas para os subúrbios. Depois, selecionamos o material, cortando e colando como se estivéssemos trabalhando em uma moviola de cinema; mas eram fotos, e não imagens em movimento. Com o rolo já editado, grudamos nele duas latas de tomate e passamos o filme na frente de uma caixa de luz. Uma câmera registrava as imagens passando e o ruído das latas se enroscando e desenroscando do material. Quisemos fazer uma história de dentro da cidade. Mas, normalmente, para ser o narrador, você precisa estar fora, de algum jeito; ou a história já existe, ou, como a pessoa que determina e controla a narrativa, você está fora dela. Nesse vídeo, somos tanto quem conta como os personagens, uma posição que não é muito diferente da forma como habitamos e experimentamos a cidade. E também a cidade não é um lugar que possa ser apreendido de uma forma concreta; é um lugar que escorrega, que se afasta da sua compreensão toda vez que você acha que a compreendeu. 

Conte-me algo sobre a Just Like A That Productions. 

Just Like A That é o nome da produtora com a qual realizei vários filmes no começo dos anos 2000. Geralmente eram filmes de média metragem. Eu trabalhava curtos períodos de tempo neles, e com um equipamento relativamente básico. Naquela época, quando eu perguntava a meu amigo, o artista plástico Fahrettin Orenli, como ele tinha conseguido o efeito X ou Y em suas pinturas, ele costumava me responder: ‘just like ’a that’. Essa resposta me parecia muito oportuna. O que parecia complexo se resolvia naturalmente. 

Os filmes que eu fazia naquela época se opunham aos formalismos do cinema e da videoarte. As narrativas estavam sempre abertas à improvisação e às circunstâncias. Se tinha vontade e sentia a necessidade de fazer algo, achava que o fato de não contar com os meios convencionais para realizar um filme não deveria ser um impedimento. Meu lema se assemelhava muito àquele do Cinema Novo: uma câmera na mão e uma ideia na cabeça. Continuo acreditando nele, mas minhas obras recentes se encaixam menos nessa concepção. Têm outro procedimento, são talvez menos impulsivas, menos just like that. 

Qual era/é a maior exigência da obra Oracle, em que você usa obrigatoriamente duas telas para projeções idênticas? 

Há já algum tempo eu vinha dando voltas em torno da ideia de fazer algo com meus registros de vários anos. Esse material é uma espécie de memória, tanto pessoal como do meu entorno, dos anos 1990 até agora. Sempre quis fazer um filme com isso. Usar imagens ilhadas umas das outras no tempo e no espaço, condensando-as em um mesmo ponto. Trabalhar com a ideia de que todos esses tempos e espaços sincronizam-se em um mesmo momento e lugar. Queria falar tanto do presente como do futuro, e Oracle simplificou minha vida. O vídeo faz uma síntese das imagens que acredito serem as mais simples e simbólicas entre as muitas que registrei, com câmeras diversas, em diferentes países da América do Sul, América Central, Europa, Ásia e África do Sul. São imagens que retratam um momento, um presente convulsivo e imprescindível. 

A obra funciona como uma instalação, com duas telas em ângulo. Em frente a elas, um banco. As imagens se repetem nas telas; às vezes adquirem formas, às vezes estendem uma paisagem ou um movimento. A simplicidade das imagens se potencializa não apenas por seu conteúdo simbólico, mas também pela dualidade. 

A obra é flexível. Funciona, também, como monocanal. Muitas vezes me interessa trabalhar com ideias de forma maleável. Que, mesmo terminadas, ainda conservem essa elasticidade. Assim, também meu longa-metragem El camino entre dos puntos se converte em uma instalação de duas telas com o mesmo título. E, de Oracle, provém uma série de desenhos em caixas de luz (Light Boxes from Oracle) e um objeto que trabalha a mesma ideia (Oracle [prototypes]). 

Além de qualquer narrativa investigativa possível, a paisagem natural ou urbana como protagonista surge com força em alguns dos seus trabalhos. As imagens produzidas em algumas de suas obras são mais reconhecidamente originárias de locações na América e na Ásia. Você acharia propício se interessar por contextos culturais sociogeográficos diferentes da Europa, região onde mora há muito tempo? Estou equivocado ou essa observação faz sentido?

Você tem razão, e acontece naturalmente. Acho que meu trabalho, em geral, reflete necessidades do lugar onde é produzido. Encontro fendas pelas quais posso criar pontes, pela ficção, pelo simbolismo ou pela mera representação. Os choques, as contradições e as relações são mais fortes em locais onde as sociedades e também a natureza continuam sua busca. Não me interessa a imagem de uma paisagem de bosque prístino, do ecossistema em equilíbrio. Interessa-me a imagem do deserto, do choque das forças da natureza. O mesmo com as sociedades ou paisagens urbanas. A corda arrebenta do lado mais fraco; é desse lado que gosto de estar. Isso cria sempre mais emoção, mais narrativa, mais sentido, mais absurdo. Esse lugar me interessa. Tendo a reduzir os binômios a sua forma mais simples, mas sempre conservando os elementos essenciais que os formam. 

As fendas são menos radicais na Europa, mais formais e, ainda que presentes, menos visíveis. Essa neutralidade faz com que a realidade pareça menos real. Lamentavelmente a neutralidade na forma e nos rituais diários se transformou em denominador comum para a maioria dos países europeus. Há uma pobreza nessa realidade da qual o meu trabalho não pode se alimentar.

Em quais projetos você anda envolvido?   

Interessa-me talvez mais do que tudo, hoje, voltar à linha de trabalho de pesquisa in situ. Explorar e reconstruir ideias e paisagens. Um tipo de intervenção que me permita deambular livremente e encontrar elementos para poder construir alternativas, novas narrativas. Encontrar equipes de trabalho me parece também fundamental. Reunir forças para ir à deriva pela mesma corrente.  

Agora trabalho em projetos de sets mais armados, baseados no conceito de representação da realidade. Eles tomam como ponto de partida a própria realidade; ela se torna a representação, a ficção. O ator principal é um espelho. Ele reflete o método de representação humano. O espelho se estilhaça em pedaços, e eu continuo procurando respostas em seus infinitos reflexos.