Biografia comentada Teté Martinho, 08/2006

Egresso das artes plásticas e do desenho, Roberto Bellini (Juiz de Fora, 1979) faz da sensação de estranhamento produzida pela câmera - tanto no próximo quanto nele mesmo - um elemento provocador de sua obra em vídeo. Graduado em desenho pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (2002), ele amplia sua formação artística com workshops como Roteiro visual para quadrinhos e cinema (Bryan Talbot, UFMG, 1998), Escrita e imagem (grupo A4, UFMG, 1999), Questão de espaço II (Ana Maria Tavares e Martin Grossman, UFMG, 1999), Realidades inventadas (Eustáquio Neves, Festival de Inverno UFMG, 2000) e Videodança (Laura Taler, Instituto Itaú Cultural, São Paulo, 2003).

A formação ampla se reflete no trânsito entre mídias que é cada vez mais presente na obra de Bellini, a partir de um começo em que imperam os desenhos, “grandes, com muito preto”. A primeira exposição, idealizada com o artista Rodrigo Borges, chama-se Ponto, Linha e Plano (2000). Apenas um ano depois, a mostra Resposta já mistura áudio e fotografia em uma leitura visual e sonora da casa dos pais do artista em Juiz de Fora, construída em colaboração com in-cubus, músico eletroacústico da cidade. A obra funda uma linha de trabalho importante para o artista, envolvendo som e memória.

Precedido por uma série de sete ou oito experimentos com imagem digital em movimento, o primeiro vídeo, How Things Work (2002), mostra uma bem armada mistura de texturas entre o metal, a carne e a borracha, numa espécie de cirurgia que lembra, talvez mais pelos ruídos, o clássico Ballet Mechanic (1934), de Fernand Léger. A apreensão começa quando, pelo intenso uso do plano de detalhe, não é possível identificar o que é cortado, o que está injetado e como esse processo se dá. Estranhamento e ironia se misturam na obra, selecionada para a mostra competitiva do 14º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil, em 2003, e premiada com um segundo lugar na II Bienal Interamericana de Video Arte, no ano seguinte.

No mesmo ano, 2004, o artista parte para um mestrado em Transmedia na Universidade do Texas, em Austin, que o coloca na perspectiva de uma produção constante no campo do vídeo e da instalação. A animação Eu desisto (2004), que retoma o desenho, marca essa passagem. Os tons de preto e branco e a mistura de sonho, realidade e ficção fazem do vídeo um comovente e bem-humorado retrato do artista e de suas inquietações. A obra foi incluída na mostra Liquid Days: Navigating the Mutable Tides of Memory, realizada no Dougherty Arts Center de Austin em julho último. 

O período de 2005 é especialmente intenso. Explorando os arredores da universidade, em Austin, Bellini vive uma situação que transpõe, quase que sem interferências, para o vídeo Landscape Theory. Ao tentar captar imagens de pássaros no sanguíneo pôr-do-sol da cidade, é abordado por um segurança que o interpela sobre a razão de estar usando uma câmera em uma propriedade particular e tenta convencê-lo a parar de gravar. Pequeno tratado sobre o poder da câmera e o terror que ela inspira, a obra não é considerada performance pelo ator, mas documentário poético.

Landscape Theory faz uma rápida carreira: participa do recorte Investigações Contemporâneas da mostra competitiva Panoramas do Sul, no 15º Videobrasil (2005) e da mostra Focus on South America, com curadoria de Solange Farkas, na KunstFilmBiennale, na Alemanha. É exibido dentro de curadoria do pesquisador André Brasil durante as comemorações do ano do Brasil na França, vence a Mostra do Filme Livre, no Rio de Janeiro, e integra a mostra Ways of looking at: Places and landscapes, com curadoria de Juliana Mundim, no Centro Fundación Telefónica em Lima, no Peru. Um dos vídeos escolhidos para o programa Seleção Especial da Itinerância Videobrasil 2006-2007, viaja pelo Brasil e outros países a partir de agosto.

Ainda em 2005, o artista exibe, dentro do programa Transmedia, no Texas, a instalação Outlines, em que usa três projetores para compor, no chão, os contornos de um mapa que não pára de se transformar, e silhuetas de corpos que ora remetem ao procedimento policial de desenhar com um giz em torno de um cadáver na posição de morte, ora lembram apenas pessoas que dormem. No mesmo ano, o artista cria o diário fragmentado de viagem Tamandaré; o curioso Over There, colagem em que contrapõe trechos de antigos filmes de guerra, criando “uma batalha de ficção versus ficção”; e Interval, obra em que deixa entrever fragmentos de ruas, botequins, salas de amigos e outros cenários urbanos por trás de copos e xícaras de café tomados em diferentes lugares do Brasil. A obra integra a mostra Shade, que reúne 12 artistas no Creative Research Lab da universidade, em Austin. 

Opaque, estudo sobre a presença da câmera e do artista na paisagem, é sua obra seguinte. Em abril de 2006, ela participa do 2º Festival de Videoarte de Atenas e, mais recentemente, da mostra Digital Showcase 37, no Austin Museum of Digital Art. No mesmo ano, o artista participa, com os artistas Mario Ramiro e Skyler McGlothlin, do Austin's Soundtrack. Bellini manipulou imagens de vídeo ao vivo durante a apresentação de Ramiro e Skyler, que integra o evento Sin Título, 2006, organizado pelo Creative Research Laboratory e pelo Austin Museum of Digital Art em conjunto com o Blanton Museum of Art.