Biografia comentada Teté Martinho, 07/2006

A maneira peculiar de colocar-se em cena, as indagações sobre a memória e a facilidade para transitar entre o mundo da sensação e o mundo dos fatos marcam a obra em vídeo de Graciela Taquini (Buenos Aires, 1941). Das primeiras experiências, na década de 1980, ao surto de produtividade dos anos recentes, suas realizações artísticas são uma ramificação à parte na estreita relação profissional que mantém com a arte eletrônica, sobretudo argentina. Formada e especializada em história da arte em Buenos Aires, Barcelona, Roma e Washington, Taquini foi pioneira na promoção da produção eletrônica do país, seu objeto em livros como Buenos Aires Video X e Veinte Años de Video Arte en la Argentina, e em um trajeto prestigioso como curadora internacional. Fomentar a arte eletrônica e a renovação da linguagem da TV pela abertura ao experimento são obsessões que regem também sua atuação, há 20 anos, em órgãos culturais do governo argentino.

Taquini revela sua força particular como criadora desde o primeiro trabalho, Roles (1988), no qual usa registros de passagens ou momentos da própria vida - ora adolescente sonhadora, ora intelectual laureada - para falar de como os papéis atribuídos socialmente sobrepõem-se à complexidade do indivíduo. Ao fundo, vozes diferentes recitam títulos e xingamentos na mesma entonação monocórdica, e uma velha canção, Only You, faz com que a idéia de ser único soe antiquadamente romântica.

Um longo intervalo separa a primeira obra da segunda, Psycho x Borges (1997). Construído sobre uma fala em que Jorge Luis Borges ironiza a mãe dominadora e o filho submisso do filme de Hitchcock, o trabalho evoca o espírito underground e experimentalista da videoarte argentina. 

Nos anos seguintes, ligada à direção geral de museus de Buenos Aires, a artista leva seu princípio experimentalista à frente institucional, trabalhando como produtora e roteirista de vídeos como Nueve Museos, Juguetes e Primer retrato de Buenos Aires, Emeric Essex Vidal, sobre acervos, peças e museus da cidade. 

Em 2000, com Carlos Trilnik, cria, para o Canal 7 de Buenos Aires, os 21 especiais do ciclo Play Rec, que compõem um mapeamento extensivo da arte contemporânea argentina, agrupando obras e falas de realizadores em recortes dedicados às mulheres, ao papel da paisagem nas obras e a outros temas. No mesmo período, como curadora, Taquini participa da Bienal Interferências, em Belfort, França, realiza as mostras de videoarte argentina Trampas (en torno al simulacro) e a itinerante Trampas 2 e cria seleções de vídeo exibidas na Alemanha e na Espanha. 

Lo Sublime/Banal (2003), plano-seqüência com o qual conquistaria o Prêmio Estado da Arte no 15º Videobrasil (2005), é sua obra seguinte. No vídeo, a autora e sua amiga Felicitas rememoram, na intimidade de uma cozinha portenha e enquanto preparam uma sobremesa delirante, o dia longínquo em que conhecem, por acaso, o escritor argentino Julio Cortázar em uma pizzaria obscura em Paris. A obra foi realizada a convite do canal municipal portenho de TV Ciudad Abierta, para o qual Graciela trabalha como consultora a partir de 2003 - e cujos princípios incluem a abertura às produções independentes, ao novo cinema argentino, ao documentário de autor e ao experimentalismo. 

Em 2005, a artista cria a instalação Resonancia e o vídeo Granada, obras irmãs nascidas de um mesmo documento: o depoimento em vídeo no qual a artista e ex-militante da Juventude Peronista Andrea Fasani relata para o Arquivo Argentino de Testemunhas seu seqüestro, prisão e tortura pelo exército do país na década de 1970. Comissionada pelo Museo de Arte y Memoria de La Plata, Resonancia expõe trechos do depoimento, que é regravado pelas artistas, e imagens do interior de um corpo humano. Granada, cujo título alude à canção que Andrea ouve na bizarra festividade que se vê obrigada a testemunhar na prisão, tem como tema a própria regravação do testemunho, quando Graciela dirige Andrea, repetindo e fazendo com que repita trechos de seu depoimento original transcrito. O que é sugestão na primeira obra se explicita na segunda; em ambas, impera a dificuldade (e a necessidade inescapável) de trafegar pelos labirintos mais escuros da memória.

Ressonâncias magnéticas, que aludem a uma incômoda fisicalidade do corpo, ressurgem na série de quatro programas de TV El Cuerpo, que Graciela co-dirige no mesmo ano. Os trabalhos são talvez a demonstração mais acabada do gênero que denomina “documento de autor”. Para tratar de temas como o corpo erótico, o corpo virtual e os corpos excluídos, a autora monta um painel fluido de informações sobrepostas, no qual imagens, histórias e indagações que tira de sua história pessoal pesam tanto quanto referências à história da arte e estatísticas argentinas de natalidade. O programa é, segundo a artista, exemplar de sua contribuição ao canal. 

Obra mais recente de Graciela, o documentário Tras Eduardo Kac (2006) deriva da mostra do artista brasileiro que ela criou para o Espacio Fundación Telefónica, em Buenos Aires. Eduardo Kac, Obras vivas y en red reunia as instalações Génesis, Move 36 e Teleporting an Unknown State, além de fotografias, objetos e as publicações Rabbit Remix, sobre o coelho transgênico supostamente criado por Kac. Foi uma das curadorias mais celebradas de Taquini desde Vertigo, coleção de site specifics concebidos pelos artistas Augusto Zanela, Martín Bonadeo e Nushi Muntaabski para o Malba (Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires), e de Horizonte/Desierto, seleções de vídeo argentino exibidas pela Champ Libre Biennal, de Montreal, Canadá, ambas de 2004.

No mesmo período, Graciela participa, como artista, curadora e jurada, de mostras e festivais na América Latina, na França, nos Estados Unidos e no 15º Videobrasil, e é premiada seguidamente pela associação dos críticos argentinos e pelo governo do país por seu trabalho de difusão cultural. Curadora da área de arte eletrônica do Museo de Arte Moderno de Buenos Aires, recebe em 2005 o título de Professora Consultora Honorária da Escuela de Comunicación y Diseño Multimedial da Unviersidad Maimonides, instituição portenha que apóia sua produção e atividades acadêmicas e curatoriais no campo da arte eletrônica.