Entrevista Eduardo de Jesus, 2004

Seu trabalho transita por diversos meios (fotografia, pintura, performance, vídeo). Como ocorre o processo de criação em relação à escolha desses meios?

Interessa muito o que cada meio pode oferecer para expressar a idéia ou o conceito do que quero passar com o trabalho a ser realizado. Acredito que cada um deles tem uma característica própria para auxiliar na composição de uma linguagem. Conto com a liberdade de transitar pelos diversos meios para tentar alcançar o significado do que quero dizer, e o melhor meio a ser utilizado é aquele que permite chegar mais próximo do que quero apresentar, num determinado caso. Pode também ocorrer o contrário, quando o suporte me atrai para vivenciá-lo. Muitas vezes, manuseando uma câmera, consigo chegar a um resultado expressivo. Penso que o suporte possui um potencial para ser pesquisado e trabalhado pelo artista, gerando um processo de descobertas.

Em muitos de seus trabalhos o seu próprio corpo é colocado como suporte, como por exemplo em Desenho-corpo (2002), Coluna (2003) e Madrugada (2003). Existe um desejo de transportar a performance para outros meios e com isso expandir os limites dos suportes? Acho que acontece uma espécie de hibridismo nos meus trabalhos, a vontade maior é conseguir reunir os meios. Esse desejo nem sempre se torna possível, pois um dos meios tende a ser mais presente. Por exemplo, em Verdejar, verde no branco no verde procurei realizar uma pintura que saísse da tela para invadir o espaço da parede e, procurando avançar mais, passei a fazer com que a pintura ocupasse também o espaço arquitetônico mais amplo. Ou seja, ela se desdobrou muito, a ponto de a pintura ter se transformado numa instalação. Mesmo em Desenho-corpo o desenho saiu do limite do papel, buscou outro suporte e se estendeu para o corpo. Madrugada nasceu pensada como uma performance que, imediatamente, pediu a fotografia para acontecer.

Conheci seu trabalho na exposição Experiências do corpo, no Instituto Tomie Ohtake (2002). Faziam parte dessa exposição três vídeos e a seqüência de fotografias Castelo de areia. O que me chamou a atenção foi o uso da fotografia como uma espécie de desdobramento do vídeo no tempo. O uso da fotografia em suas obras tem esse sentido de desenvolver-se no tempo, de estender o tempo e de alguma forma tentar mostrá-lo parado ou decupado?

Suas observações sobre esse trabalho são pertinentes e bem colocadas. A seqüência fotográfica de Castelo de areia está relacionada com a montagem cinematográfica e com o processo de articulação do vídeo desdobrando-se no tempo. São momentos que tento eternizar na fotografia. Entre eles existem movimentos, ou acontecimentos, sutis, quase iguais, que podem ser imaginados pelo observador. Tentei passar a idéia de um tempo lento em que cada grão de areia colocado no castelo tem significado, onde os mínimos movimentos são importantes. Talvez se possa pensar nos primeiros filmes, aqueles mudos, silenciosos, valorizando as imagens. Dialogando com o vídeo e o cinema, procurei trabalhar a idéia do permanente fazer e desfazer. Fazer, destruir e fazer de novo. Acho que essa é uma idéia que também diz respeito à arte e ao trabalho do artista.

Na performance Rede (2003) havia o texto das Confissões de Santo Agostinho, justamente na parte que trata do tempo. Qual a relação que o tempo tem com os seus trabalhos? Existe algum suporte mais adequado para que você explicite as relações temporais que interessam a você?

O tempo aparece de uma maneira muito forte nos meus trabalhos, quase sempre como um tempo desacelerado, tentando se contrapor ao tempo cotidiano da pressa. Nossa cultura de massa exige dos indivíduos viver um tempo rápido e agir sem reflexão. Paradoxalmente, ela pede que não percamos tempo e não nos dá o tempo necessário para bem viver. Santo Agostinho fala da existência de vários tempos simultâneos e de caminhos para a procura de cada tempo. Penso que devemos discutir a possibilidade de criar o tempo próprio. Penso muito no tempo da natureza, aquele da chuva que chega ou o do vento que carrega as nuvens. Enfim, tento buscar um tempo estranho ao tempo cotidiano, muitas vezes realizando vídeos, áudios ou performances que reduzem ou prolongam o tempo por demais. Por isso me interessam aqueles meios que permitem investigar o tempo.

A cidade aparece em muitos de seus trabalhos. Coberta de concreto em Horizonte (2002) ou como pano de fundo para a inusitada aparição de um ser imaginário em Madrugada. Em que medida a cidade provoca você na construção de seus trabalhos? Qual a sua relação com a cidade?

Vivo permanentemente a tensão cultura versus natureza. A cidade me atrai pela sua paisagem construída, pelo dinamismo que faz avançar a história e como lugar da dominação do homem sobre a natureza. Tento, com a arte, estabelecer uma forma de melhor compreender e enfrentar as contradições da cidade. Horizonte é um trabalho em que uso o cimento para cobrir as construções urbanas, reforçando e anulando a paisagem urbana. Madrugada foi uma forma de invadir a cidade noturna, criando uma personagem estranha dentro de um cenário urbano, que eliminou a possibilidade do surpreendente. Não há como deixar de se sensibilizar pelo que acontece nas grandes metrópoles pós-industriais.

Recentemente você ganhou uma bolsa da FAAP e esteve morando em Paris entre agosto de 2003 e fevereiro de 2004. Como repercutiu em seu trabalho a sua relação com essa outra cidade?

Paris me mostrou que existe outra cidade com outro tempo e outra dimensão. É uma cidade que se entrega facilmente, permitindo ao artista movimentar-se com muito mais desenvoltura para buscar e produzir arte. A natureza está integrada ao cenário urbano, mas também percebe-se uma natureza mais controlada pelos homens. Esses aspectos me motivaram a realizar intervenções na cidade, como Um mundo, que exigiu várias saídas noturnas. E, pela manhã, alguns lugares estavam pontuados por coloridas esferas celestes. Também, tendo percebido essa natureza civilizada, realizei a instalação Vereda, tentando criar um diálogo ou contraponto entre as diferentes paisagens européia e brasileira.

Em Sorriso (2001) você se mostra no banho com um imenso sorriso publicitário colado no seu rosto. Imagem que também aparece repetidas vezes em Fachada brasileira (2002). Tendo em vista que são sorrisos recortados de imagens veiculadas pela mídia, trata-se de uma crítica ou de pura ironia?

Acredito que a ironia é uma forma de crítica. A utilização do humor pode facilitar a reflexão. Venho percebendo que esta é outra característica no meu trabalho: comunicar com humor e criticar com suavidade. Sorriso e Fachada brasileira são trabalhos que indicam a importância da aparência na sociedade brasileira. Os sorrisos são estereótipos de felicidade que a elite reproduz nas propagandas e nas revistas. Nesses trabalhos procurei passar a idéia da artificialidade do sorriso e criticar o mote da felicidade como objeto de consumo. Em Fachada brasileira criei uma coreografia das superficialidades. Um intrincado mapa das alianças e ligações entre empresários, socialites, estrelas globais e políticos.