Biografia comentada Denise Mota, 10/2007

As origens do trabalho de Juan-Pedro Fabra Guemberena vêm de cedo: exatamente há três décadas e meia, quando o artista tinha dois anos e foi privado da convivência com sua mãe, presa por motivos políticos, por quase seis meses. Tempos depois, aos oito anos, a família inteira partiu para a Suécia, em uma fuga dos horrores da ditadura uruguaia.

Os cinco anos de exílio em uma cultura completamente distinta forjaram a essência das inquietações que o autor transforma hoje em arte. A dissolução das diferenças, a criação de falsas realidades e a noção de pátria e identidade coletiva são pontos centrais de sua obra.

Com o retorno da democracia ao Uruguai, os Fabra Guemberena voltam ao país natal, mas Juan-Pedro já trazia da experiência no exterior dois motivos para regressar às paragens nórdicas: o interesse pela arte e a necessidade de viver na Suécia sob circunstâncias diferentes. Para um ajuste de contas pessoal: a substituição da “prisão mental”, na qual mergulhou compulsoriamente na infância, pela liberdade de iniciar, justamente aí, uma outra vida, de forma completamente decidida.

A porta de entrada para a nova fase sueca foi a concorrida Academia de Arte Real em Estocolmo, onde fez, entre 1997 e 2002, sua formação como pintor. Envolto pela avalanche de relatos bélicos que então começavam a rodar o mundo por conta da invasão norte-americana ao Afeganistão, decidiu tomar esses registros como ponto de partida para o trabalho que posteriormente o catapultaria à cena internacional.

Da pintura para a fotografia e o vídeo, o olhar de Fabra cristalizou em True Colours uma estética que se transformou em marca registrada. Apresentada na 50ª Bienal de Veneza, em 2003, sob o conceito Dreams and Conflicts – The Dictatorship of the Viewer (Sonhos e conflitos – a ditadura do observador), a obra reproduzia, em detalhes mínimos e por meio de ações repetitivas, integrantes do exército sueco em manobras militares, sem que em nenhum momento se possa enxergar indícios que justifiquem o afinco de suas atividades.

“Estávamos diante de um momento histórico a partir do qual seríamos inundados de notícias televisadas de guerra. Isso me levou a pensar que, como artista, não precisava ser subjugado por essas imagens, porque, da mesma maneira, também podia produzi-las”, afirma, na Entrevista deste FF>>Dossier. “Quando comecei a trabalhar em True Colours, o que mais me inspirava era o que via nos noticiários de TV. Essa foi a razão pela qual senti a necessidade de utilizar o vídeo para falar desse mundo.”

A opção pelo meio eletrônico não significou o abandono das raízes pictóricas. Em todos os trabalhos de Fabra, as seqüências estão cuidadosamente compostas, as cores são detalhadamente estudadas e os efeitos buscam levar o olhar do observador a um grau de absorção total do “vídeo-tela” que lhe é apresentado, sem que isso signifique, no entanto, garantias de que o que se vê é, de fato, o que está à mostra.

Dentro desses propósitos, a camuflagem é para o artista não somente uma ferramenta de defesa e ataque utilizada pelos personagens de suas obras, mas um elemento canalizador do ideal estético que lhe interessa. “Desde seu surgimento, de alguma maneira, a camuflagem caminha lado a lado com a história da pintura de cada país. Estudar a camuflagem em cada exército é estudar uma corrente pictórica desses lugares. A partir desse ponto de vista, e com meu olhar de pintor, me sinto atraído para inverter o processo estético que desperta a camuflagem. Começo olhando o soldado camuflado e, a partir daí, tento imaginar a paisagem, que elementos tenho de criar e agregar para finalmente ter o quadro.”

Nesse exercício, o disciplinamento do ser humano curiosamente se dá em meio à rebeldia da natureza, e será à beira de abismos, sobre altas montanhas e dentro de densas florestas que os soldados do uruguaio terminarão por se mesclar à paisagem, transformando-se em minerais, vegetais ou animais em estado puro e perfeitamente acoplados ao entorno.

Não só os exércitos fazem parte do cardápio de investigações de Fabra; também os escoteiros aparecem na obra do criador. Em Scout Project, através das costumeiras fotos noturnas, misteriosas e fantasticamente iluminadas, vêem-se crianças organizadas para um período de sobrevivência na mata. Realizado após True Colours, o projeto pretendia avançar na abordagem das estratégias de disciplina e domínio da natureza desde a mais tenra idade. “Na minha cabeça, entre manejar um machado de forma hábil e utilizar uma arma maior pode existir apenas um pequeno passo”, afirma o artista.

Casado com uma arquiteta e dedicado nos últimos três anos à tarefa de criar dois filhos pequenos, o autor diz que usa uma pausa de “produção artística mínima” para refletir sobre sua vida e obra. Vivendo em Estocolmo, onde trabalha em um curso sobre camuflagem, desenvolve três projetos no Uruguai, que visitou em abril. O primeiro é Graf Spee, obra que realiza em conjunto com os artistas Jan Håfström e Carl Mikael von Hausswolff e que está sendo filmada no país.

Em 2008, Fabra apresenta uma instalação no Museo Nacional de Artes Visuales de Montevidéu, além de sua primeira grande mostra na terra natal, onde serão incluídas obras recentes e antigas. Também trabalha em um amplo projeto fotográfico que usa como base uma publicação turística do Uruguai produzida pelo regime militar na década de 1980.

“No momento mais duro do país, o que se queria apresentar ao mundo era uma imagem atualizada do velho sonho da ‘Suíça da América Latina’. Da mesma maneira que esse livro cria outra realidade, na minha versão estou inventando um país que não necessariamente mostra ou representa o que é o Uruguai hoje.”