A videoinstalação, cada vez mais reconhecida pelas instituições artísticas, utiliza-se da tecnologia da imagem eletrônica como base para elaborar uma arte contemporânea. As relações entre espectador e monitor mudam em uma videoinstalação, pois a imagem em duas dimensões sai do seu plano e se expande até o espaço exterior para levar o tempo e o movimento ao cenário. As 11 videoinstalações apresentadas, bastante diversas entre si, mostram as amplas possibilidades do que pode ser feito e são uma rara oportunidade de se conhecer o trabalho de artistas internacionalmente consagrados.

Na videoinstalação Motorway, de George Snow, o espectador assiste em telas à sua volta no interior da réplica de um carro, fragmentos de imagens captadas em estradas, reeditadas e misturadas pelo autor com outras imagens.

Artistas

Obras

Ensaio Michael Mazière, 1994

On the road

A instalação Motorway de George Snow – apresentada  no World Wide Video Festival, em Den Haag (Holanda) – é um irônico, divertido e fiel tributo ao movimento, à viagem e ao automóvel. Enquanto tem havido uma infindável corrente de tributos americanos às estradas e todos sejam iconografia associada – de óculos escuros a motéis -, poucos europeus (particularmente em vídeo) se aventuraram na celebração das estradas e quando o fizeram, frequentemente usam estereótipos ou têm sido pouco sido pouco imaginativos. Em Motorway, Snow usou a extensão da estrada, que ele gravou durante um certo número de anos, documentos que são esboços visuais e notas, assim como muitos artistas que trabalham  de forma intuitiva e processual. Esse banco de dados de imagens foi editado, transformado e processado, e imagens geradas por computador (ícones, naves espaciais, figuras) foram mixadas para criar um mundo de fantasia, uma visão infantil.

Você entra na escuridão de um pequeno espaço cercado por telas e senta-se em um dos assentos (de uma antiga Mercedes), uma réplica temporária de um automóvel. A música começa e as telas que cercam você se iluminam, você está viajando. Do seu assento você pode ver a estrada através de todas as telas – frente, lado,  e trás – você está em o que pode ser descrito como um simples automóvel. A estrada roda pelo som do Art of Noise e o espectador aqui pode tanto se engajar no movimento ou olhar para as telas para obter diferentes pontos de vantagem. Conforme você passeia gradativamente ao longo das estradas da Itália, Espanha, a Ponte do Brooklyn e Death Valley, o que te derruba não é a similaridade com a experiência de dirigir, mas as diferenças. Não é aqui a questão de recriar um ambiente, mas sim de transportar o espectador numa visão subjetiva e imaginária de Snow. Você se desliga da realidade e se engaja na intrigante diversão e sedução do seu tapete voador visual – uma experiência de pura leveza. Não se trata de uma tentativa de reproduzir a experiência do carro, é puro voo – nenhum sinal sensorial do motor, mas o movimento profundamente acelerado e o colorido e manipulações de imagens extremamente psicodélicas. Conforme você progride, naves alienígenas surgem voando de baixo, o espaço e a cor se transformam e a estrada da Terra parece mais com Kubrick do que com Kerouac.

É, indubitavelmente, um exercício de prazer, numa viagem alucinógena segura através de um labirinto de cenários conectados, não apenas por suas cenas espetaculares mas também pelas gravações que os artistas fizeram delas. Esta instalação parece ser nascida mais do divertimento puro do que dos discursos atuais sobre a videoarte e é isso que tem dividido tanto a resposta a ela. O trabalho de George Snow é experimental, Motorway está tão no extremo que oferece ao espectador uma gratificação instantânea por nos colocar num ambiente semi-simulado para traduzir uma experiência. Mas é através da conivência do espectador com o artista que a peça é bem sucedida – ninguém tem dúvida alguma de que nós estamos numa sala escura cercada por telas – e a ironia está sempre presente, da extrema aceleração do movimento ao eventual obscurecimento e caleidoscópica transformação do espaço. O que Motorway faz não é criar uma realidade virtual ou uma jornada “disneyesca”, mas traduzir uma experiência pura numa possibilidade artística, uma visão subjetiva numa imaginação coletiva.

Transporta-nos leve e habilidosamente através das marcas e impressões de uma jornada pessoal, e disso até seu voo ao puro excesso perceptivo digno de Aldous Huxley.

O trabalho de Snow sempre foi popular. Vindo de um embasamento em desenho gráfico, com muitas incursões no mundo dos “clips” de música, ele tem uma acentuada visão singular, tanto da videoarte como da principal corrente mundial. Motorway se encaixa perfeitamente no desenvolvimento do autor e celebra o mito popular num caminho distinto e compelativo. Essa antítese traz muito do que é considerado como arte séria – ansiedades existenciais, confissões subjetivas, comentários políticos ou investigações formais e tecnológicas – e é tanto o ponto fraco como forte da peça. Enquanto a Yugoslávia está queimando, o planeta está decaindo e o fascismo tomando conta.

Quem quer assistir uma celebração festiva de carros? É hediondo ver meninos com a redenção dos brinquedos da alegria de dirigir? Não deveríamos estar escrutinando uma dificuldade, engajados de todas as formas com linguagem, política e o meio da imagem eletrônica? São essas questões que a peça desperta – por sua rudeza, honestidade e retidão, não arranca o ímpeto dos prazeres do século 20, estendendo-os aos seus limites virtuais. Muitos trabalhos de instalações estão relacionados com a integração do vídeo no alto mercado de arte, com referências culturais envoltas no modernismo, academicismo e linguagem da galeria. A peça de Snow literalmente coloca um fim nesses discursos, pela simplicidade de sua aproximação e pela qualificação tecnológica com que foi realizada.

ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL. "10º Videobrasil: Festival Internacional de Arte Eletrônica": de 20 a 25 de novembro de 1994, São Paulo-SP, 1994.