Problematizar o Sul

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postado em 18/11/2015
Encontro no Galpão VB discute o conceito de Sul global, o papel da arte neste contexto geopolítico, identidade, e produção de conhecimento a partir de realidades locais

O que seria o Sul? Espaço simbólico ou geográfico? Concebido em oposição ao Norte ou a partir de suas próprias referências? Tomando como eixo a publicação Panoramas do Sul | Leituras | Perspectivas para outras geografias do pensamento, lançada durante o 19º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil, uma mesa reunindo o antropólogo Pedro Cesarino, a pesquisadora Maria Iñigo Clavo e Sabrina Moura, organizadora da publicação e curadora do Seminário desta edição do Festival. O encontro levantou origens e acepções diversas do Sul global, debateu o papel da arte nesse contexto, as relações entre natureza e cultura, e a produção de conhecimento a partir de tradições e realidades locais. O papel da academia na abordagem das questões pós-coloniais foi um dos tópicos tratados.

O encontro, mediado por Ruy Luduvice, pesquisador do Núcleo de Acervo e Pesquisa da Associação Cultural Videobrasil, retomou a provocação do artista libanês Akram Zaatari durante o 18º Festival (2013). Em um painel dos Programas Públicos, ele afirmou não ver mais sentido em se falar sobre o Sul quando, em sua opinião, barreiras e fronteira vinham se dissolvendo. “A questão não é mais de passaporte”. A resposta a essa provocação veio na radicalização de toda a programação da 19ª edição do Festival em torno do Sul e na publicação desse livro, pela parceria entre a Associação Cultural Videobrasil e as Edições Sesc São Paulo. Seguindo a tradição do Videobrasil de proporcionar encontros, trocas e reflexões — mais do que chegar a consensos —, o livro compila ensaios e manifestos artísticos que apresentam, defendem ou questionam o conceito de Sul geopolítico, como uma forma de manter o debate e a discussão em relação a esse complexo e dinâmico tema.

Sabrina Moura trouxe ao público presente no Galpão VB um panorama do processo de formulação do livro e das mudanças do conceito de Sul geopolítico desde os anos 1970, quando da publicação de “Relações espaçotemporais no mundo subdesenvolvido, do geógrafo Milton Santos. “Nesse artigo, o Milton elaborava uma visão do espaço a partir do lugar onde estava”, afirma Sabrina. “Era o período da Guerra Fria, quando parte do mundo estava marcada por uma questão anti-imperialista muito forte.”.

Ela destaca que o anti-imperialismo de então, num momento em que o Brasil e uma série de países do “Terceiro Mundo”, termo vigente à época, estavam sob ditaduras, também teve importante repercussão no cenário artístico e de costumes nesses países. “Você tinha tanto o movimento das artes, do cinema, quanto das feministas e dos negros dos chamados países de Terceiro Mundo, produzindo e criticando os sistemas hegemônicos.”

A artista, curadora e pesquisadora Maria Iñigo Clavo defendeu a arte como área de produção de conhecimento que, no Sul geopolítico, ocupa espaços que a academia, por exemplo, deixa vazios. “Você não possui espaço para teoria pós-colonial na academia brasileira, assim como em outros países. São barreiras que existem não apenas no Brasil”, afirma. “Não quero fazer apologia da arte, mas defender um lugar de produção de conhecimento”, diz ela, que é também professora da Universidade de São Paulo.

Uma exceção citada por Maria é a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), que trabalha o pós-colonialismo de maneira interdisciplinar, cruzando diversas áreas de conhecimento, inclusive, entre as humanas e as exatas. “Mas mesmo conseguindo fazer isso, essa universidade está diante de outro desafio que é articular os saberes locais e a produção acadêmica”. Ela afirma: “o mais importante está em redefinir nossa epistemologia utilizando a sabedoria popular, superar a separação entre as ciências.”

A partir do artigo “Afropolitismo, de Achille Mbembe, presente na publicação, segundo o qual havia uma modernidade anterior à colonização europeia na África que foi desconsiderada pelo Ocidente, o antropólogo Pedro Cesarino diz ver na questão da identidade e epistemologia os eixos do Sul. “Quando Achille evoca a modernidade africana, ele evoca outra possibilidade de existência”, afirma o professor de Antropologia da USP, que define o “global” como “a proliferação de um mesmo modo de vida no mundo, de modo massacrante”.

Segundo ele, a maneira de se conceber uma identidade nos países do Sul seria transformar a identidade tradicional, aliando o aspecto não humano, como o dos “quase-sujeitos”, como os rios e matas. Nesse momento, o pesquisador cita a tragédia do rompimento das barragens em Mariana, MG. “Os índios Krenak sabem há muito mais tempo que um dos quase-sujeitos mais importantes de nosso país é o Rio Doce, uma das maiores bacias do nosso território. É preciso reformular categorias antológicas não por reconhecermos a autonomia do sujeito subalterno, como fazem vários dos textos propostos neste livro, mas para aprender com eles essas outras formas de conhecimento, já que a nossa fracassou. Encontrar maneiras de proliferar outros vínculos e alianças, tais como magia, simplicidade, sensibilidade e outras formas de entrelaçamento do real e de envolvimento entre natureza e cultura”, finaliza.


Agenda
No próximo dia 25/11 (sábado), no Sesc Pompeia, o lançamento do livro Panoramas do Sul | Obras Selecionadas e Projetos Comissionados contará com a performance Fancy em Pyetà_terceiro ato, do artista Rodolpho Parigi. O evento acontece às 21h30 e é gratuito.