Curadoria convidada |

Steve Seid, do Pacific Film Archive, apresenta uma mostra de vídeos que tratam das quastões étnicas ligadas à mídia As produções reunidas nessa mostra tiveram a curadoria de Steve Seid, do Pacific Film Archive de Berkeley, California, que também participa do Videobrasil como juri da Mostra Competitiva. São três obras em vídeo cujos temas giram em torno de questões hoje universais relativas à identidade étnica. O tema étnico compõe com muita adequação o quadro de propostas do Videobrasil, principalmente por se tratar de uma visão da realidade norte-america sob a complexa ótica da realidade de imigrantes e grupos étnicos extremamente enraizados na sociedade.

Artistas

Obras

Texto de curadoria Steve Seid, 1998

The Race is On: Media and Ethnicity

O que já foi tido como um direito inalienável, a propriedade única que cada um de nós possui denominada identidade, tem sido irrevogavelmente posto à prova pela teoria cultural contemporânea. Atualmente a identidade é tida como uma formulação que contempla tanto as forças sociais e culturais quanto suas diversas características intrínsecas. A etnia é um fator preponderante na somatória de fatores que compõem o indivíduo mas, apesar de seu papel relevante nesta equação, representa um matiz tingido por uma gama complexa de influências socioculturais, não sendo desprezível o universo de imagens identificadoras. Muitos videomakers contemporâneos se preocupam como a identidade individual, especialmente a identidade étnica, que é modulada pela presença múltipla de representações na mídia. Os três trabalhos apresentados neste programa examinam a mídia e sua íntima relação com a etnia, sob as mais inusitadas perspectivas, mas cada um com seu tom moderado e cauteloso.

Em sua exuberante e espirituosa obra Papapapa (1997), Alex Rivera segue a trilha percorrida por seu pai emigrando do Equador para os Estados Unidos, traçando um paralelo com a jornada semelhante à qual é submetida uma simples batata. Uma vez instalado nos Estados Unidos o pai se torna um espectador anônimo, como uma batata perdida, na medida em que se satura com imagens de afluência, mobilidade e nostalgia as saudades do lugar que deixou chamam por algumas imagens em sua memória. Enquanto o pai passa por sua transformação cultural, a batata continua sua jornada pela indústria de ‘fast-food’, se reconstituindo numa batata ‘chip’ sem nenhuma marca ou referência à sua origem. No final deste vídeo turbulento, ambos os imigrantes latino-americanos, pai e tubérculo, acabam rigorosamente absorvidos pela indústria de imagens, que se aproveita da origem étnica deles para seu próprio benefício.

Em Amidst the White Noise... My Fifth Amendment Privilege (1997), Christiane Robbins traça um paralelo entre Roots, o programa étnico de TV mais popular da década de 70, e o caso O. J. Simpson, uma novela étnica mais contemporânea. Manipulando uma vasta gama de imagens de arquivo dos noticiários de televisão, Robbins critica esses dois eventos televisivos, concluindo com uma virada irônica o excesso racial se torna sua própria negação, criando a partir de sua massa uma brancura ofuscante. Descrito como um "docudrama experimental", Amidst the White Noise... My Fifth Amendment Privilege evidencia em primeiro plano a habilidade assombrosa que dispõe a mídia de massa para obliterar referências étnicas de suas próprias produções.

Como parte de uma série ambiciosa sobre a percepção, a obra Ocularis: Eye Surrogates (1997), de Tran T. Kim-Trang, investiga a tecnologia da televisão enquanto instrumento de vigilância sobre a população. Enquanto antes a tecnologia reforçava o comportamento através da repetição de um estreito conjunto de imagens culturais, hoje a captura de imagens com intenções corretivas e disciplinadoras passa a ter maior peso na formação da identidade. A utilização de um amplo espectro de imagens confronta-se com a cobertura de vídeo clandestina. Qual é a implicação do confisco involuntário da privacidade? O que acontece com a autonomia na medida em que nossas imagens circulam sem nosso conhecimento? A cessão não intencional de privacidade e a intrusão da autoridade no espaço público, deixa um pequeno intervalo para o indivíduo. Tran nos faz sentir um pouco incapacitados, enquanto gangues étnicas brigam diante de um sistema de vigilância. Seu vídeo se transforma num testemunho do melodrama mórbido das gangues - grupos étnicos fazendo jus à sua imagem fatal.

ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL, "12º Videobrasil": de 22 de setembro de 1998 a 11 de outubro de 1998, p. 44 , São Paulo, SP, 1998.