Curadoria convidada |

Com curadoria de Solange Farkas e curadoria adjunta de Rosely Nakagawa, a inédita instalação Deposito Dell'Arte, do artista italiano Fabrizio Plessi, consistiu em doze obras reunidas em uma só. Foi a realização de seu projeto publicado em 1997 no livro Projetos do Mundo.

A instalação foi organizada em grandes containers, ou caixas, nos quais se encontraram cada uma das doze obras apresentadas. Cada caixa tinha um significado, um nome e uma expressão próprios, e o conjunto era disposto em uma seqüência específica.

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Texto de curadoria 1998

Um dos mais eloquentes e respeitados artistas do momento apresenta um conjunto inédito de sua obra, que sintetiza vinte anos de seu trabalho

A arte de Fabrizio Plessi resiste aos rótulos. Sua obra apresenta, ao mesmo tempo, a consistência de um artista clássico, tradicional, e a ousadia, o espírito aventureiro de um vanguardista. Esses dois caminhos se encontram num ponto único, aos mesmo tempo híbrido e fértil, capaz de transformar Plessi em uma personalidade única no universo artístico internacional.

Nascido em 1940, na pequena cidade de Reggio Emilia, no norte da Itália, Plessi mudou-se no começo dos anos 60 para Veneza, onde passou a frequentar a conhecida Accademia Delle Belle Arte. A cidade deixou-lhe marcas profundas, que o acompanham por toda a sua carreira. Por um lado, a tradição dos aventureiros venezianos, tais como Marco Polo e Cristóvão Colombo, inspirou-lhe um modo de vida, e de criação, muito particular e marcante. Por outro, a convivência com um elemento muito característico da cidade, a água, contaminou definitivamente seu trabalho, determinando um estilo e um conceito muito particulares. Seja como for, já em 1968, Plessi começa uma intensa produção de obras artísticas – instalações, filmes, vídeos e performances – germinadas e inspiradas por suas constantes viagens ao redor do mundo.

A década de 70 foi o ambiente certo para que o circuito internacional de arte assistisse à revelação de uma obra tão ousada quanto consistente. Foi a década em que instaurou-se a linguagem plessiana. Apresentando-se em cenários consagrados do circuito artístico, como o Pavilhão Experimental da Bienal de Veneza (1970 e 1972) e instituições públicas como o Palazzo dei Diamante, em Ferrara, Galeria Stadtliche, na Antuérpia (1975, 1978, 1980), e no Palácio de Belas Artes de Bruxelas (1975 e 1983), Plessi consagrou-se definitivamente como sendo uma das vozes mais revolucionárias da arte moderna europeia. Mas foi a partir de 1982, quando sua obra completa é apresentada no Centro Georges Pompidou, em Paris, que passou a trabalhar enfocando o meio ambiente e os elementos da natureza, explorando os recursos do vídeo em estruturas tridimensionais. As relações de ilusão e realidade e representação do elemento líquido,  água - elemento fundamental de sua arte -, são intensificadas e ampliadas graças aos recursos da tecnologia de ponta, da mecânica e da reprodução eletrônica.

Apesar disso, Plessi declara que sua verdadeira formação – aquela que julga realmente significativa  para seu trabalho – aconteceu concretamente no final da década de 60, quando foi lançado o conceito de Arte Povera (arte pobre). “Eu me encontrava numa situação que se caracteriza por um grande interesse pelos materiais simples e por essa corrente que, por razões que ignoro, excluía os meios eletrônicos”, conta ele. O que parece ser uma contradição – afinal, a tecnologia eletrônica está sempre associada à sofisticação técnica e a materiais caros – Para Plessi, no entanto, não é. “Sempre enxerguei a arte eletrônica, e mais especificamente a televisão, como nada mais que um material, tão simples e comum como o ferro, o carvão, a palha e o mármore”. Assim, a combinação da água e do vídeo, sinônimos da arte plessiana, dá-se de maneira surpreendentemente natural em seu trabalho. “Há uma profunda analogia entre esses dois elementos. A água é um elemento ancestral, original. O vídeo é um elementos dos dias de hoje, uma herança da tecnologia ligada à nossa vida agitada e telemática. Embora aparentemente tão distintos, ambos estabelecem entre si uma relação de osmose, têm uma vida secreta e cheia de cumplicidades. São móveis, fluidos e estáveis”, explica o artista. “No fundo, a tecnologia é fria, precisa ser aquecida com elementos da arte e da natureza.”

Há um outro elemento fundamental no seu trabalho: os desenhos. Não só constituem a base e o fundamento de suas obras mas, também, se bastam como revelação de sua arte. Todos os trabalhos de Plessi começam a se concretizar através de traços que ele perpetua no ato de criação – um ritual de importância fundamental para o artista. “O processo de criação começa com minhas viagens. Nelas, anoto e escrevo sobre emoções e sensações.  Depois, desenho. E é nesse momento que a obra começa a se concretizar”, conta ele.

O resultado final constitui uma linguagem muito própria, que escapa às definições convencionais. “Minhas obras tem base muito conceitual, contaminadas pela linguagem eletrônica e pela arte típica dos anos 60 e 70”, diz . “Uso a televisão como material de criação. Mas não sou um videoartista, assim como Michelangelo não pode ser chamado de marmorista só porque usava o mármore. Talvez eu seja, como dizem, um barroco eletrônico.”

Assim, Plessi não hesita em reconhecer que, afinal, acabou traçando um caminho artístico único, no qual transita solitariamente – uma diagonal entre a arte eletrônica e a tradicional. “Meu trabalho é como um grande flash que vai iluminando uma zona secreta do cérebro e, uma vez que a mente se abre para esta experiência, ela nunca será a mesma.”

O trabalho de Plessi apresentado no Videobrasil, Deposito Dell`Arte, tem importância histórica em sua carreira: trata-se da realização de seu projeto utópico, publicado em livro, no ano passado, sob o título Projetos do Mundo. São doze obras reunidas em uma só que representam, segundo ele, “doze viagens, doze locais, doze ideias, doze etnias e uma só arte – contaminada de tecnologia, mas também de expressão, cultura e materiais locais”. Muitas dessas obras já foram apresentadas em outros espaços internacionais, mas todas elas sofreram remontagens e recriações que tornam o conjunto absolutamente inédito em todo o mundo. Segundo Plessi, “o trabalho do Videobrasil mostra todas as possibilidades que um grande artista pode explorar na América do Sul”. E o palco dessa manifestação não poderia ser outro que não a cidade de São Paulo, cuja personalidade fascina o artista: “um local de trânsito com pessoas de diferentes culturas e experiências.”

O Deposito Dell`Arte será instalado num grande ambiente no interior da sede do SESC- Pompéia, organizado em grandes containers, ou caixas, nas quais serão encontradas cada uma das 12 obras apresentadas. Essa foi uma solução do artista para produzir um ambiente escuro, necessário, aos seus trabalhos, já que o ambiente do SESC, devido às suas dimensões, não poderia ser escurecido. Cada caixa tem um significado, um nome e uma expressão própria, além de estarem dispostas numa sequência específica, que deve ser observada pelo espectador.

ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL, "12º Videobrasil": de 22 de setembro de 1998 a 11 de outubro de 1998, p. 58 - p. 60, São Paulo, SP, 1998.