Linhas e pixels que compõem representações digitais do mundo são a base das formas de Angela Detanico e Rafael Lain. Nesta performance, a dupla faz música ao vivo e exibe imagens figurativas, próximas da experiência concreta do real, mas pixelizadas, em preto-e-branco, para que tenham seu teor de representação digital enfatizado. “O interesse, aqui, é entender como a representação constrói as imagens do mundo e, em última instância, como constrói o mundo”, explica Angela Detanico.

Artistas

Obras

Texto de curadoria 2005

Sound Waves for Selected Landscapes

As linhas e os pixels que compõem representações digitalizadas do mundo são a base das formas novas e imprevistas criadas por Angela Detanico (Caxias do Sul, 1974) e Rafael Lain (Caxias do Sul, 1973) em obras como “Flatland” – premiada com o prestigioso Nam June Paik Award em 2004. Uma visão do rio Mekong que se transforma numa sucessão de horizontalidades, o trabalho subtrai figurações da imagem para avivar os sentidos de quem olha. Na performance que apresentam no Festival, os artistas usam imagens de uma série correlata, “Sound Waves for Selected Landscapes”. Identificadas com o vídeo e a fotografia, sem deixar de aludir à pintura, elas transportam o espectador para outra paisagem: a interior. “Escolhemos imagens figurativas, próximas à experiência concreta do mundo, mas enfatizamos seu teor de representação digital ao apresenta-las em preto-e-branco, pixelizadas”, explica Angela Detanico. “Aqui, o interesse é entender como a representação constrói as imagens do mundo e, em última instância, como constrói o mundo”.

As imagens integram a mesma série de landscapes que serviu de base à dupla, em 2003, na criação da identidade visual do 14o Videobrasil. São parentes, também, de “(O Mundo) Justificado, Alinhado à Esquerda, Centralizado, Alinhado à Direita”, série de mapas-múndi que exibiram na Bienal de São Paulo, em 2004. Agora projetadas e sob o efeito de animações, elas sugerem a um tempo imobilidade e movimento: como em uma paisagem fixa que é manipulada, pontos emergem e linhas circulam, enquanto o som, executado em modulações distintas, sugere o mesmo. “O que nos interessa é o tempo sentido, que não é linear, que pode mesmo ser paradoxal, que aplana grandes extensões em curtas memórias ou que estende o impacto de instantes a momentos-chave da vida”, diz Angela. “Em ‘Sound Waves for Selected Landscapes’, o paradoxo entre o instante congelado e o movimento do looping cria uma espécie de instante eterno, tempo que se resolve em si mesmo, instante de suspensão.”

A realidade ditada pela orientação íntima – não importa bússola, relógio, mapa, ou calendário oficialmente em uso – é a que importa para os artistas. Vivendo entre Paris e São Paulo, ela, linguista e semióloga, ele, tipografo, os dois se interessam pela estrutura da imagem digital, pelos procedimentos de manipulação, pela natureza da representação, pelo espasmo do tempo. Em artigo para a revista canadense de arte contemporânea “Parachute”, a curadora Lisette Lagnado ressalta a complexidade e o hibridismo de procedimentos dos quais se utilizam – e que “podem se valer tanto de uma habilidade rudimentar quanto de uma tecnologia de ponta”. 

ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL, "15º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil": de 06 a 25 de setembro de 2005, p. 114 a 115, São Paulo, SP, 2005.

Texto de curadoria 2005

Performances

Centrada no corpo, efêmera, imprevisível, a performance é um gênero de arte que envolve confrontamento e risco. Política, subverte a relação entre obra e público, que é convidado não a suspender sua descrença para acreditar em uma ficção, mas a testemunhar um acontecimento. Tanto ao transitar entre disciplinas quanto ao esquivar-se delas, torna-se a expressão de uma arte em que as fronteiras entre gêneros deixam de fazer sentido. Talvez por isso seja apontada como manifestação artística contemporânea por excelência.

Foi a observação desse fenômeno, sobretudo na maneira evidente como ele reverbera na arte eletrônica – cada vez mais politizada e vinculada à presença do artista –, que motivou a reunião desse expressivo grupo de performers dentro do Festival. Brasileiros, norte-americanos, asiáticos, africanos, eles representam vertentes diversas de um gênero de hibridismos infinitos, que se presta ora a dissolver os limites entre as expressões artísticas, ora a apontar questões sociais para compartilhar cicatrizes universais.

Uma das mais marcadas entre essas vertentes, a performance que se constitui abertamente em gesto político é representada, entre outros, pela artista nova-iorquina de origem cubana Coco Fusco. Ela comanda uma intervenção urbana que encena um ritual de sujeição comum nas prisões militares norte-americanas, vista aqui como uma espécie de performance compulsória em que o corpo é violentamente usado contra o próprio homem. Também é da observação de situações refletidas na mídia e na sociedade que vêm os registros reunidos em “Futebol”, trabalho da Frente 3 de Fevereiro que repercute um episódio de racismo; e a angustiante sensação de tragédia iminente eleita como objeto pelo grupo feitoamãos/F.A.Q.

Não menos políticas na essência, as obras da queniana Ingrid Mwangi e da indonésia Melati Suryodarmo são fruto de uma concepção de performance para a qual o corpo é o campo onde se projetam inquietações nascidas no âmbito da experiência estritamente pessoal. Mwangi, que criou para o Festival “My Possession”, usa voz e movimento para falar de uma existência em deslocamento. Em sua “Exergie – Butter Dance”, Melati, que estudou performance com Marina Abramovic, vale-se da iminência do acidente – e, não raro, do acidente em si – para produzir um nível concentrado de intensidade sem usar qualquer estrutura narrativa.

De formas muito diversas, Marco Paulo Rolla e Detanico Lain representam a performance que nasce das artes plásticas. Ao invés de abandonar o cubo branco, paradigma do espaço expositivo contemporâneo, Marco Paulo se apropria de seu rigor formal em performances que falam do irromper desconcertante do acaso num mundo de placidez e equilíbrio. Angela Detanico e Rafael Lain ambientalizam suas paisagens pixelizadas e se incluem na cena para manipulá-las ao vivo, no intuito de acentuar seu teor de representação digital – e, em última instância, de entender como a representação constrói as imagens do mundo.

Plástica, música e vídeo são os elementos fundadores de um gênero de performance particularmente vigoroso no Brasil. Os trabalhos inéditos do grupo Chelpa Ferro e do artista Eder Santos que o Festival exibe são exemplares. No Chelpa Ferro, Barrão, Luiz Zerbini e Sergio Mekler ampliam seu espectro de ação ao produzir música e objetos ruidosos, que posicionam no palco como peças de uma instalação. “Engrenagem”, que reúne Eder Santos, os músicos Stephen Vitiello e Paulo Santos e a performer Ana Gastelois, é uma releitura que reafirma o talento do artista para multiplicar, com o vídeo, o efeito visual de atos performáticos de dança, música, drama e poesia.

Tanto Eder Santos quanto o Chelpa Ferro passaram antes pelo Festival, como atestam as obras incluídas na mostra Antologia Videobrasil de Perfomances. Eder criou para o Videobrasil uma série histórica de trabalhos performáticos; Zerbini, Barrão e Mekler usaram o nome Chelpa Ferro pela primeira vez no 12º Festival, em 1998. Não deixa de ser simbólico, portanto, que seus novos trabalhos fechem a programação do 15º Videobrasil. Em meio a este amplo panorama do mais contemporâneo dos gêneros, eles representam uma vertente de performance que foi pioneira no cenário brasileiro – e que o Festival se orgulha de ter acolhido desde o nascimento.

ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL. "15º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil - 'Performance.'": de 6 a 25 de setembro de 2005, p.96-97, São Paulo-SP, 2005.