Nas performances de Marco Paulo Rolla, o acaso programado emerge para espatifar um cotidiano de fausto e conforto – e, freqüentemente, para transfigurar a assepsia do cubo branco. “Urgência Social” aguarda os visitantes com a possibilidade do inesperado dentro da rotina. O artista também lança, no Festival, o livro “M.I.P. - Manifestação Internacional de Performance”, com o professor Marcos Hill, com quem divide a coordenação do Centro de Experimentação e Informação de Arte (CEIA), em Belo Horizonte.

Artistas

Obras

Texto de curadoria 2005

Urgência Social

Nas performances do artista plástico Marco Paulo Rolla (São Domingos do Prata, MG, 1967), o acaso programado emerge para espatifar um cotidiano faustoso e confortável. É assim em “Banquete” (2003), quando uma recepção de ar vitoriano se transforma em festim de corpos nus e galinhas. Ou em “Café da Manhã” (2001), sobre o irromper da turbulências na vida de um homem que desfrutava plácida e ordeiramente de seu desjejum. Da mesma maneira, “Urgência Social” aguarda os visitantes com a possibilidade do inesperado, do rompimento de expectativas, do inusitado dentro da rotina – não uma rotina idealizada, mas uma versão pictórica, algo absurda, dos trejeitos e aparatos de nossos dias.

O cotidiano é o lugar onde se projetam as indagações do artista sobre os desejos humanos, em especial aqueles “direcionados pela sociedade para a construção de um cotidiano seguro”. Ao conceito de segurança contrapõe-se a emergência do insólito, que escancara a onipresença da incerteza, à qual ninguém escapa. “Tento entender o desenho que o homem faz no mundo, as aberrações e as belezas dessa existência. Gosto de trabalhar no entremeio, na fissura, onde há a dúvida. Para mim o ser humano tem essa angústia como motor, por causa da morte”. A realidade aparentemente sob controle, a reinvenção do mundo pela tecnologia, a hipnose da mídia, a avidez por possuir, o poder da imagem na disseminação do produto são outros aspectos da existência que deixam o artista “alarmado “. Suas performances tentam “restaurar a realidade através do acidente.”

Em 20 anos de trajetória, Marco Paulo Rolla trabalhou com pintura, desenho, vídeo, cerâmica, registros digitais, instalação e música. A performance é uma síntese que resgata até suas incursões pela música. Parte de sua experiência recente está registrada em “Manifestação Internacional de Performance”, que lança com o professor Marcos Hill, da Escola de Belas-Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, no Festival. O livro documenta o trabalho realizado pelos dois no Centro de Experimentação e Informação de Arte (Ceia), em Belo Horizonte, em 2003.

ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL, "15º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil": de 06 a 25 de setembro de 2005, p. 144 a 145, São Paulo, SP, 2005.

Texto de curadoria 2005

Performances

Centrada no corpo, efêmera, imprevisível, a performance é um gênero de arte que envolve confrontamento e risco. Política, subverte a relação entre obra e público, que é convidado não a suspender sua descrença para acreditar em uma ficção, mas a testemunhar um acontecimento. Tanto ao transitar entre disciplinas quanto ao esquivar-se delas, torna-se a expressão de uma arte em que as fronteiras entre gêneros deixam de fazer sentido. Talvez por isso seja apontada como manifestação artística contemporânea por excelência.

Foi a observação desse fenômeno, sobretudo na maneira evidente como ele reverbera na arte eletrônica – cada vez mais politizada e vinculada à presença do artista –, que motivou a reunião desse expressivo grupo de performers dentro do Festival. Brasileiros, norte-americanos, asiáticos, africanos, eles representam vertentes diversas de um gênero de hibridismos infinitos, que se presta ora a dissolver os limites entre as expressões artísticas, ora a apontar questões sociais para compartilhar cicatrizes universais.

Uma das mais marcadas entre essas vertentes, a performance que se constitui abertamente em gesto político é representada, entre outros, pela artista nova-iorquina de origem cubana Coco Fusco. Ela comanda uma intervenção urbana que encena um ritual de sujeição comum nas prisões militares norte-americanas, vista aqui como uma espécie de performance compulsória em que o corpo é violentamente usado contra o próprio homem. Também é da observação de situações refletidas na mídia e na sociedade que vêm os registros reunidos em “Futebol”, trabalho da Frente 3 de Fevereiro que repercute um episódio de racismo; e a angustiante sensação de tragédia iminente eleita como objeto pelo grupo feitoamãos/F.A.Q.

Não menos políticas na essência, as obras da queniana Ingrid Mwangi e da indonésia Melati Suryodarmo são fruto de uma concepção de performance para a qual o corpo é o campo onde se projetam inquietações nascidas no âmbito da experiência estritamente pessoal. Mwangi, que criou para o Festival “My Possession”, usa voz e movimento para falar de uma existência em deslocamento. Em sua “Exergie – Butter Dance”, Melati, que estudou performance com Marina Abramovic, vale-se da iminência do acidente – e, não raro, do acidente em si – para produzir um nível concentrado de intensidade sem usar qualquer estrutura narrativa.

De formas muito diversas, Marco Paulo Rolla e Detanico Lain representam a performance que nasce das artes plásticas. Ao invés de abandonar o cubo branco, paradigma do espaço expositivo contemporâneo, Marco Paulo se apropria de seu rigor formal em performances que falam do irromper desconcertante do acaso num mundo de placidez e equilíbrio. Angela Detanico e Rafael Lain ambientalizam suas paisagens pixelizadas e se incluem na cena para manipulá-las ao vivo, no intuito de acentuar seu teor de representação digital – e, em última instância, de entender como a representação constrói as imagens do mundo.

Plástica, música e vídeo são os elementos fundadores de um gênero de performance particularmente vigoroso no Brasil. Os trabalhos inéditos do grupo Chelpa Ferro e do artista Eder Santos que o Festival exibe são exemplares. No Chelpa Ferro, Barrão, Luiz Zerbini e Sergio Mekler ampliam seu espectro de ação ao produzir música e objetos ruidosos, que posicionam no palco como peças de uma instalação. “Engrenagem”, que reúne Eder Santos, os músicos Stephen Vitiello e Paulo Santos e a performer Ana Gastelois, é uma releitura que reafirma o talento do artista para multiplicar, com o vídeo, o efeito visual de atos performáticos de dança, música, drama e poesia.

Tanto Eder Santos quanto o Chelpa Ferro passaram antes pelo Festival, como atestam as obras incluídas na mostra Antologia Videobrasil de Perfomances. Eder criou para o Videobrasil uma série histórica de trabalhos performáticos; Zerbini, Barrão e Mekler usaram o nome Chelpa Ferro pela primeira vez no 12º Festival, em 1998. Não deixa de ser simbólico, portanto, que seus novos trabalhos fechem a programação do 15º Videobrasil. Em meio a este amplo panorama do mais contemporâneo dos gêneros, eles representam uma vertente de performance que foi pioneira no cenário brasileiro – e que o Festival se orgulha de ter acolhido desde o nascimento.

ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL. "15º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil - 'Performance.'": de 6 a 25 de setembro de 2005, p.96-97, São Paulo-SP, 2005.