Luiz de Abreu

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postado em 20/08/2014
Performer debate a identidade negra e critica estereótipos em trabalho autobiográfico

Luiz de Abreu é bailarino e performer que tem o corpo negro como tema central de sua obra. Com formação em ballet clássico, ele iniciou contato com a dança em terreiros de umbanda, a partir de festas e rituais. O Samba do Crioulo Doido (título inspirado em música de Stanislaw Ponte Preta) é um projeto desenvolvido pelo artista há cerca de dez anos, conforme relata ao Canal VB. Trata-se de um trabalho autobiográfico: “O Samba... fala de mim, da minha história negra. É um diálogo com o meu país. Sou bailarino. Essa é minha linguagem, minha forma de comunicação”, conta à PLATAFORMA:VB. Em 2013, foi apresentado pelo Videobrasil durante a 18ª edição do Festival.


O cenário e o desenrolar de O Samba do Crioulo Doido têm estrutura clássica: o bailarino entra no palco, a cortina se abre, o público assiste de frente, a performance se encerra. No entanto, Luiz rompe com a apresentação canônica, criando novos passos e corrompendo os termos que os nomeiam: “No frappe do ballet clássico você bate o pé, n’O Samba eu tremo a bunda e chamo de frappe de fesse. A mesma coisa com o ronde bitte: eu rodo o pênis, que no clássico é o ronde jambe. Por que não?”.

O cenário repleto de bandeiras do Brasil lembra que este corpo negro, que fingimos ser plenamente aceito pela nossa história - e é fundamental à cultura brasileira “tipo exportação” - é o mesmo que sofre diariamente um racismo velado. “Não foi uma situação pontual que despertou o desejo de realizar o trabalho, ele faz parte de um processo de anos. Ser barrado na porta do banco, ser seguido por seguranças em farmácias. Sentia um desconforto no mundo. Queria entender: que corpo é esse que tanto incomoda?”, questiona o artista. O “afrodescendente”, tão fortemente associado à imagem nacional, encarna a opressão como herança de seus bisavós traficados, escravizados, destituídos de família, de rituais, de sua língua e de sua cultura. “O que sobrou foi esse corpo que resiste até hoje, onde está toda nossa memória”, declara Luiz.


O bailarino fala de sua peça como uma tentativa de demonstrar a condição do negro no Brasil

Em O Samba do Crioulo Doido, Luiz de Abreu se apresenta quase nu, usando apenas botas prateadas de salto alto – o calçado, que significava a liberdade dos escravos, adorna o corpo negro muitas vezes relegado ao exótico, ao sexual. A pele é seu figurino e é dela que a performance trata. O performer dança, sorri e acena para a plateia de modo a entretê-la, como curiosidade anatômica, como corpo exposto ao som de chorinho e da receita de feijoada passada em francês. A música A Carne, na voz de Elza Soares, pontua a apresentação.

O Samba do Crioulo Doido enfatiza a importância de apoderar-se da identidade negra e se utiliza de estereótipos e da objetificação na intenção de destruí-los.

Luiz de Abreu já apresentou seu trabalho em festivais como Brasil Move Berlim (Berlim, Alemanha, 2005 e 2007) e In-Presentable (Madri, 2008). Também recebeu o prêmio do Programa Rumos Dança (São Paulo, Brasil, 2003/2004).


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