A videoinstalação, cada vez mais reconhecida pelas instituições artísticas, utiliza-se da tecnologia da imagem eletrônica como base para elaborar uma arte contemporânea. As relações entre espectador e monitor mudam em uma videoinstalação, pois a imagem em duas dimensões sai do seu plano e se expande até o espaço exterior para levar o tempo e o movimento ao cenário. As 11 videoinstalações apresentadas, bastante diversas entre si, mostram as amplas possibilidades do que pode ser feito e são uma rara oportunidade de se conhecer o trabalho de artistas internacionalmente consagrados.

A videoinstalação Tempo Vento Morte, Luz Vento Luz, de Carlos Nader, composta por um corredor, vento e imagens em vídeo, explora conceitos como transitoriedade, morte e tempo.

Artistas

Obras

Ensaio Carlos Nader, 1994

Tempo Vento Morte, Luz Vento Luz

O tempo é um sopro na cena da origem. O tempo passa. “E a terra / era lodo / torvo e a treva / sobre o rosto do abismo /// e o sopro-Deus /// revoa / sobre o rosto da água.” (1)

O tempo, um sopro. Um vento. E os ventos carregam o nome da origem. Vento sul é o vento que vem do sul. Na direção sul-norte. Vento norte é o vento que vem do norte. Na direção norte-sul. O vento. E o tempo: o tempo é o vento morte.

“E Deus disse / seja luz /// E foi luz.” (1) O tempo é um vento que tem sua origem na origem das origens. A morte.  A origem. A morte, a luz. A Clara Luz Primordial. “O tempo presente e o tempo passado / estão talvez presentes no tempo futuro. . .” (2) O tempo sopra na direção morte-eu. O tempo é o vento morte. O tempo todo. A morte, o futuro.

O futuro de tudo. O fim dos tempos. Do tempo. “E o tempo futuro contido no passado.”(2) O tempo sopra na direção morte-eu. Ou não? Em contagem regressiva. Ou progressiva? Da hora da morte para a hora da luz. Da hora da luz para a hora da morte. O tempo sopra num ritmo. As horas do parto são as horas da luz. No momento em que é dado à luz, um recém nascido recebe na cara o tapa do tempo, a primeira lufada do vento morte. Da hora da luz para a hora da morte. Da hora da morte para a hora da luz. O tempo é um ritmo. O tempo é o vento morte. O vento contra o qual tudo caminha. O tempo todo. Viver é contra o vento. Voar é contra o vento. Navegar é contra o vento. Navegar é preciso, viver não é preciso. É preciso. Tudo navega para a origem do vento. Tudo vive contra o vento. A morte. O fim. “Morra já, morra já, neste amor morra. Quando tiveres morrido neste amor, receberás nova vida.” (3) A morte, o começo. A morte, o fim. O vento morte só cessa nas horas da morte. Nas horas da luz. “O encontro com a Clara Luz Primordial, no momento da morte, permite a ascensão para a Realidade.”(4) A ascensão. Voar é contra o vento. O Vento. A luz e o vento luz. O vento luz é um ritmo. O tempo. Um vento. Vento de informação ou matéria? Vento de átomos ou de bits? A vela. O fogo. O vento. Informação ou matéria? Fato ou ilusão? Realidade ou figuração? A vela. O tempo. A imagem na tela. TVela. Bombardeio de átomos – de cátodos – na tela. Bombardeio de bits na consciência. Vento luz. Tempo. “... o VERDADEIRO e o FALSO caíram em desuso, e o atual e o virtual os substituíram progressivamente (...) Assim, levar em consideração a energia cinemática contribuíram para modificar a definição do real e do figurado, já que a questão da REALIDADE se tornaria a do TRAJETO de intervalo luz, e não mais tanto aquela do OBJETO e os intervalos de espaço e tempo.” (5)

Objeto no vento é trajeto. Voar é preciso. Navegar é preciso. Navega no vento. Nada no vento. Nada no vento é atual. Tudo no vento é virtual. Navegar não é preciso. Viver não é preciso. É preciso. “Após a cessação do movimento respiratório, pode passar diretamente para a Clara Luz, sem que qualquer ilusão o perturbe... aquele que percebe que a verdade vive dentro das ilusões, aquele que percebe o lado ilusório da realidade, esse está apto a penetrar na Clara Luz Primordial”. (4) Cessa o vento.

“Qual a via / para a casa da luz /// E o escuro // onde é seu domicílio? (...) Qual a via / por onde a luz se difunde /// E o siroco se espalha sobre a terra?” (6) Vento luz. Que sopra na direção passado-presente. Ou não? E também na direção futuro-presente. Ou não? Samsara, “aquilo que caminha em círculo”. O vento. “O Diabo na rua, no meio do rodamoinho.” (7) Ilusão. Sonho. A Clara Luz Primordial dissolve o Samsara. O tempo e o vento. A luz.

Nonada. “Instantaneidade... Centro do tempo, átomo temporal situado em cada instante presente, ponto de percepção infinitesimal de onde a extensão e a duração se concebem diferentemente, esta diferença relativista constituindo uma nova geração de real onde a velocidade se sobrepõe ao tempo, ao espaço, como a luz se sobrepõe já à matéria... tudo que aparece na luz aparece na sua velocidade. . .” (5)

Aceitamos com relativa facilidade a ideia relativista de que a imagem-luz que nos chega das estrelas do céu viajou anos, e anos-luz, para chegar aos nossos olhos. Vinda do passado. Ou não? E aceitamos com relativa dificuldade a ideia relativista de que a imagem-luz deste próprio texto, destas próprias palavras, esteja ventando do passado para bater no presente dos olhos do leitor. Ou não? No presente dos meus olhos agora. Já. E no presente dos teus olhos agora. Já. E já era. “Crive as catástrofes, a começar pelo tempo.” (8)

(1) Bere’shith: A Cena da Origem. Gênese (Transcrição de Haroldo de Campos) (2) T. S. Eliot, Four Quartets – Burn Norton (3) Jalal al-Din Rumi, Mystical Poems (4) Bardo Todol (Livro Tibetano dos Mortos) (5) Paul Virillo, La Machine de Vision (6) Livro de Jó (Transcrição de Haroldo de Campos) (7) João Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas (8) Arthur Rimbaud, A Une Raison, Illuminiations

ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL. "10º Videobrasil: Festival Internacional de Arte Eletrônica": de 20 a 25 de novembro de 1994, São Paulo-SP, 1994.