Foi uma decisão totalmente consciente ter escolhido o vídeo como um meio artístico em meados da década de 1970. Entre o cinema e outros meios artísticos. Eu considerava o meio livre, imparcial, não exaurido e democrático. Marcel Odenbach

Desde os anos 1970, o artista alemão Marcel Odenbach vem usando a imagem eletrônica para construir uma obra consistentemente comprometida com a ideia de iluminar questões políticas e sociais prementes. Pioneiro da arte em vídeo, utiliza-se de excertos de filmes clássicos e de cinejornais – dos quais emergem imagens perturbadoras da realidade – para tratar da forma como as visões do passado moldam a percepção do presente. Seus vídeos e instalações já foram mostrados no MoMA de Nova York e nas Documentas 6 e 8 de Kassel.

O Videobrasil dedica ao artista a maior mostra de sua obra já realizada na América Latina, com 15 trabalhos, entre instalações e vídeos, que ocupam todo o 5º andar do Sesc Avenida Paulista. Um dos destaques é a instalação inédita Disturbed Places – Five Variations on India, que tem apoio do Festival.

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Obras

Entrevista Solange Farkas, 2007

Entrevista

Solange Farkas: Algumas de suas imagens parecem ser imagens do tempo, aceleradas e ligadas a outras velocidades. Como você articula a noção de tempo na construção das imagens e instalações, e como o tempo se relaciona com seu trabalho?

Marcel Odenbach: Quando se trabalha com um meio de movimento, o tempo e a relação com o tempo naturalmente desempenham um papel muito importante. Quando comecei a me interessar pelo vídeo como uma forma de expressão artística, por volta de 1974, não havia muitos exemplos desse jovem meio. A maior parte dos vídeos daquela época trabalhava com a linguagem do corpo e com performances, os artistas eram oriundos da escultura e da instalação. Eu me interessava desde o começo por estruturas narrativas, queria contar histórias, queria cortar diferentes materiais e conectá-los uns aos outros. Portanto, só com o filme eu poderia aprender como se constrói, como se monta, e como o som se comporta em relação à imagem. Era a época do maravilhoso cinema europeu, de diretores como Godard, Rivette, Pasolini, de Bergman e Antonioni, e, acima de tudo, era também a época dos filmes experimentais norte-americanos. O que todos esses exemplos tinham em comum era entrevista uma relação muito particular com o tempo. Em muitos dos filmes das décadas de 1960 e 70, o tempo desempenha um papel diferenciado e assume uma valoração diferente da maneira como acontece nos filmes hoje. Às vezes parece-me que toda a geração de então simplesmente tinha mais tempo, em comparação com a sociedade de hoje. Sim, as pessoas eram meio hippies, fumavam maconha, e descobriram outras culturas e sistemas de valores. Antes de mais nada, tudo o que existia era questionado, e isso envolve tempo também. Quando assistimos a esses filmes hoje, neles a relação com o tempo parece lenta. Por esse motivo, muitos diretores são desprezados como entediantes, e tenho alunos que mal suportam esses filmes. No entanto, o que aprendi com esses filmes é até que ponto a velocidade pode influenciar a estética, e através disso, também o conteúdo. Isso é, na verdade, uma descoberta da lentidão. Lembro-me da cena no filme Era uma vez no oeste, na qual a família irlandesa é morta a tiros. A câmera lenta imprime a essa cena brutal algo poético, quase belo. Por outro lado, a tragédia multiplica-se, e também o ódio pelo assassino. Também foi uma bela preparação para que me apaixonasse então por Claudia Cardinale. Assim, o tempo naturalmente desempenha um papel em toda a estrutura narrativa. Para mim, o ritmo de um trabalho sempre foi muito importante. Portanto, o som naturalmente tem muita importância. Também, nas minhas obras, sempre edito os planos, as estruturas encerradas [boxed structures], que são muito gráficas, quase matemáticas, sou definitivamente um grande fã de Bach. 

O que levou você a trabalhar com vídeo na década de 1970, e o que faz você optar por continuar a trabalhar com esse meio hoje? A sociedade mudou muito, como você sente o retorno do público hoje em comparação com quando você começou? 

A opção pelo vídeo como um meio me pareceu imediatamente lógica. Ali eu poderia conectar a imagem, o movimento, o texto e o som como um todo. Além disso, a escolha pelo vídeo também foi uma decisão cultural, política e social. As outras maneiras de recepção e distribuição eram importantes para mim. Muitas ideias obviamente mudaram com o tempo, através de fatos técnicos, sociais e culturais, outras eu mesmo rejeitei naturalmente. Talvez elas fossem um tanto preconceituosas, por demais idealistas, talvez muito adolescentes. No entanto, foi uma decisão totalmente consciente ter escolhido o vídeo como um meio artístico em meados da década de 1970. Entre o cinema e outros meios artísticos. Eu considerava o meio livre, imparcial, não exaurido e democrático. Meu próprio princípio de trabalho tem permanecido similar, agora eu somente me dou ao luxo de reproduzir com frequência, copiar coisas que gostaria de usar, e não simplesmente me apropriar delas. Naturalmente o público também mudou; artisticamente tudo é aceito, a arte se tornou pop, a arte contemporânea é consumida em todo o mundo. Na verdade, isso é, dentre outras coisas, o que eu gostaria de alcançar através de meu vídeo. Por outro lado, a grande aceitação me deixa inseguro. Traz muitos mal-entendidos. 

Como você lida com a noção de representação na sua obra? 

Isso é totalmente diferente, seguramente sempre muito pessoal e subjetivo. Às vezes pode ser um livro, uma expressão idiomática, às vezes apenas uma imagem, uma observação que me interessa e me inspira. Sempre começa com uma lembrança e uma referência a mim mesmo. Pode significar diferentes bases de movimento no começo, se comparado ao final de uma obra, se o elemento quase já encontrou sua função na fila. Raramente há material, seja som, documentação, imagem ou texto, que me pareça importante e que se perca com o tempo. Antes de editar uma obra, sempre tenho muito mais material do que possa precisar, a separação das coisas acontece meio emocionalmente, e é realmente assustador, pois isso me causa muita dor. São decisões puramente artísticas que eu mesmo não posso explicar, na maior parte das vezes. De novo, as coisas boas estão no vídeo, o material não desempenha qualquer papel, não gostaria de me acomodar de antemão. Às vezes guardo coisas em minha memória por anos a fio, elas estão sempre prontas a ser chamadas, é um arquivo grande. Em algum momento, a hora para cada material chega, ele amadureceu, por assim dizer. Quase como uma longa gravidez. Para citar um exemplo concreto: por mais de vinte anos, não consegui esquecer o filme Yol, de Yilmaz Güney. Todos os dias testemunho uma nova geração de turcos-alemães em meu bairro, e regularmente observo seus problemas sociais. Quando recebi o convite para realizar novo trabalho para a Bienal de Istambul em 2003, imediatamente conectei as duas coisas. Daí nasceu uma simbiose entre conteúdos paralelos, estruturas narrativas e, claro, decisões estéticas. De um lado, tenho uma citação do Yol: “Aqui o curdo é vítima de suas próprias convenções e vagueia pela tempestade de neve”; do outro lado, tenho o jovem turco na Alemanha, que tem seu rosto vulnerável barbeado com espuma branca. A neve se torna espuma, a espuma se torna neve e, naturalmente, o homem se torna um menino, o menino se torna um homem etc. Mas tudo isso vai muito além do simbolismo e da Turquia. Quando estava editando, montando essa sequência, eu pensava constantemente no filme Fargo, dos irmãos Coen, e, mais uma vez, me encontro num patamar de decisão totalmente diferente. Naturalmente, sempre me interessei por rituais e códigos específicos de cada gênero. E sempre que se lida com papéis e clichês, não apenas de um ponto de vista histórico, social e sexual, percebe-se rapidamente que, até agora, a História oficial, quero dizer a política, a igreja, o poder etc., sempre foi representada por homens. Por isso me interesso, reflito e uso mais homens no meu trabalho. E também eles estão mais presentes em materiais sobre guerra, violência e opressão. Obviamente, na produção final, eu posso de fato me identificar mais com eles. Cada homem em meu trabalho é talvez um pouco de um auto-retrato. 

Sua obra lida com muitas questões que, se editadas de maneira diferente, poderiam ser mostradas no noticiário da TV ou em documentários. Seu espectador termina ciente do fato de que qualquer imagem mostrada é previamente manipulada e que, portanto, ele pode questionar o que é recebido como “informação”. Você acredita que a arte em vídeo desempenha esse papel de alertar o público? 

Não vejo qualquer diferença entre a arte em vídeo e outros meios artísticos. Naturalmente, a arte pode sensibilizar as pessoas, mas a arte não deve ser didática, porque esse tipo de arte tem vida curta, na maioria das vezes é arte de má qualidade. Nunca uso material que possa ser interpretável em termos específicos de tempo. Podem ser assim, mas deveria ir muito além. Talvez isso seja mais fácil para mim, como alemão, pois nossa história é fácil de ler. Está disponível para todos, e tem sido interpretada de maneira pensada e cuidadosa, apenas. Se mostro Hitler como uma pessoa, então isso pode naturalmente ser um aviso, mas mesmo apenas o rosto traz toda uma avalanche, preciso ser mais claro sobre isso... Em meu trabalho sobre o genocídio em Ruanda, por exemplo, não mostrei qualquer assassino ou vítima direta. Poderia me envergonhar disso, e isso eu não quero, isso teria sido fácil demais para mim. Talvez seja também apenas autoproteção. Todo mundo esperava que eu fizesse entrevistas no lugar. Aliás, nunca fiz uma entrevista eu mesmo, não consigo, o que eu teria perguntado e o que teria feito com as respostas? Como alemão de minha geração, conheço muito bem o resultado dessas entrevistas. Opostamente à televisão, sou conscientemente subjetivo e, portanto, também talvez mais honesto. Não gostaria de explicar nada, não deixo ninguém chegar diretamente às palavras. Posso deixar as imagens falarem por si.

ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL. "16º Festival Internacional de Arte Eletrônica SESC_Videobrasil": de 30 de setembro a 25 de outubro de 2007, p.16-17, Edições SESC SP, São Paulo-SP, 2007, p. 86 a p. 89.