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Texto de curadoria Zhao Shulin , 2003

Vídeo das Pessoas

Quando o líder chinês Deng Xiaoping desenhou um círculo em volta de Shenzhen, uma aldeia de pescadores que não ficava longe da atual Guangzhou, a China vivia a pós-revolução cultural. O chinês estava acostumado aos slogans políticos e à vida econômica comunista. Ao andar na rua, o que se via eram todas as pessoas usando roupas azuis idênticas. Havia 100 milhões de bicicletas nas ruas na hora do rush. Assim era a China em 1978.

Os chineses não poderiam imaginar, nem em sonho, que o círculo desenhado por Deng Xiaoping teria dado lugar, 25 anos depois, a uma metrópole internacional. O país mudou completamente. Agora, na rua, nos deparamos com filas de automóveis que lembram um enorme dragão, pessoas com roupas coloridas, antigos quintais dando lugar a edifícios altos, símbolos de que atingimos grande realização na área econômica. Há lojas de departamentos, megastores, jornaleiros, McDonald's, butiques, outdoors coloridos. A China se tornou um grande país de consumidores.

Sustentando todas essas grandes mudanças, há um sistema com estrutura de pirâmide. Na camada de baixo está o camponês. Há dois tipos deles: o camponês que trabalha duro na terra e o camponês que trabalha na cidade. Os primeiros são, em geral, muito humildes. Produzem alimentos e produtos agrícolas para a população urbana e para seu próprio consumo. A renda anual de um camponês chinês é de 100 (US$ 12) ou 200 (US$ 24) iuanes, enquanto as pessoas ricas das cidades gastam até mais de 10 mil iuanes (US$ 1,209) por ano.

A maioria dos camponeses que vai para a cidade é de jovens cheios de vida. Em geral se beneficiam da educação comunista e completam o segundo ou o terceiro ano do segundo grau. Trabalham na linha de produção das corporações de capital estrangeiro de Guangzhou e Shenzhen e ganham 700 (US$ 85) ou 800 (US$ 97) iuanes, metade do que um americano ganharia. É uma mão-de-obra muito barata. Por causa dessa exploração, a produção da China é mais barata do que a da maioria dos outros países.

Também no mercado interno, roupas e eletrodomésticos custam pouco. Este foi o segredo do crescimento súbito da economia do país. Um resultado direto dessa façanha econômica é a abundância de produtos eletrônicos. O camponês chinês é o fabricante e o consumidor dos produtos eletrônicos baratos. No começo dos anos 1990, as câmeras fotográficas automáticas eram moda na China. O preço ia de 30 ou 40 (US$ 5) iuanes a 500 ou 600 (US$ 73) iuanes. O surgimento das pequenas câmeras mudou o modo como as pessoas registram sua história pessoal. Os chineses ricos começaram a viajar e a tirar suas próprias fotos. Trabalhos em vídeo começaram a refletir aspectos do modo de vida de cada indivíduo. O vídeo na China se tornou definitivamente um domínio das massas consumistas. Gradualmente as pessoas passaram a gravar vídeos em vez de tirar fotos, o que representa um desenvolvimento na história fotográfica individual dos chineses. O baixo custo das câmeras de vídeo doméstico e DV é a base dessa mudança.

Os CDs piratas também têm um papel no processo. Na China, por 3 ou 5 iuanes (US$ 0,60) é possível assistir em casa a ótimos filmes ocidentais ou policiais de ação de Hong Kong ou Formosa. Trabalhadores urbanos e rurais criaram associações de vídeo para assisti-los juntos, em bares ou em casas. Com o surgimento do DV, muitos se tornaram videomakers instantaneamente. Usam o DV para registrar o que observam. As grandes mudanças na sociedade chinesa são seu foco. Alguns apenas registram em vídeo imagens fotográficas dos trabalhadores rurais, das eleições nas aldeias, do dia-a-dia dos cidadãos, dos homens ricos e dos abundantes estrangeiros. Esses documentários com sentimento individual entram no mercado rapidamente e se tornam produtos de consumo.

A identidade da arte criada pelos diretores chineses de vídeo é um fenômeno muito interessante. A maioria dos videomakers não é formada em faculdades de cinema ou de artes. Eles vêm de diferentes profissões. Há repórteres, escritores, professores, estudantes, poetas, operários, policiais, médicos, operadores de câmera, designers gráficos. As diferenças entre suas profissões e histórias de vida se traduzem em estilos muito variados de DV. Na China, com poucos anos de experiência, os videoartistas se tornam cheios de personalidade e paixão. Filmam documentários, curtas-metragens de ficção e videoarte pura, que, às vezes, expressa somente um conceito. São uma geração de fabricantes de sonhos.

Essas pessoas mudaram a história do vídeo e seu estilo contrasta de forma óbvia com o da geração anterior a 1998. Eles são mais jovens. Seus trabalhos são mais interessantes. Na China, vivem para o DV, fazendo seu próprio trabalho ou o de outras pessoas.

O programa “Vídeo das Pessoas” enfoca a relação entre a diversidade de identidades dos artistas e de seus trabalhos. O artista Ma Yongfeng, de Shenzhen, faz vídeo e também é repórter. Formado em línguas estrangeiras, trata da dissimulação do ser humano. Coloca um peixe dourado em uma lavadora de roupa e o usa como artista. A rotação da lavadora de roupa muda o movimento do peixe e, conseqüentemente, seu modo de viver.

“Cutting Flowers”, do artista de Pequim Huang Yan, é sobre crianças. Na China, as crianças são chamadas de flores do país, numa metáfora significativa. Yan escolhe uma criança entre milhares de crianças chinesas e deixa que se sente entre flores vivas e as corte. No decorrer da obra, a criança exibe uma expressão sonolenta e as flores vão desaparecendo, cortadas pela tesoura. Em “Family Name”, Huang Yan junta sobrenomes, mídia de TV e momentos da vida das pessoas das cidades para tentar revelar a relação entre os sobrenomes chineses e as mudanças da época. Huang Yan cursou design na universidade onde atualmente ensina.

Guo Dong, de Shenzhen, trabalha como diretor de arte de uma grande editora. É um designer famoso. Seu trabalho “Shit Age” mescla performance, desenho animado digital e música chinesa com humor e muito estilo gráfico. Wu Ershan é formado pela Academia de Cinema de Pequim. Atualmente é independente no mercado de cinema. Em sua ficção “Open Fire”, satiriza os filmes de luta em uma linguagem típica do cinema.

“Destroying Perfectness” é o trabalho do grupo de arte performática de Shijiazhuang 72/74, formado por jovens artistas. Sempre enfatizando um tipo específico de estilo narrativo, eles mesclam performance e improviso com uma linguagem corporal que mostra o desejo das pessoas que vivem nas cidades. Membro do grupo, Huang Junhui leva o ato de rastejar ao extremo em “Crawling”. Quando rasteja na grama, seu corpo forma com o verde um quadro de pura beleza. Mas isso deve machucar seu corpo... Os membros do grupo são todos artistas independentes. Mai Zi é o vocalista de uma banda de rock famosa na China.

O diretor de “Barock” é o artista mais jovem da mostra. Estuda na escola primária anexa à Faculdade de Artes de Shengyang Lu Xun. É difícil imaginar que a linguagem sucinta do filme tenha sido criada por um menino. O engenhoso método de filmagem em vídeo preto-e-branco transforma o espaço real em um espaço hiper-real e o enredo humorístico anuncia a vinda de uma era em que as imagens da China terão se tornado comuns. Esses jovens crescem assistindo a filmes hollywoodianos e de arte.

O artista Yu Xudong de Guangzhou se formou no Departamento de Pintura a Óleo da Faculdade de Arte Guangzhou, onde agora dá aulas. Antes de fazer vídeo, era escultor. Seu trabalho “Pill” está relacionado à doença segundo a análise da psicologia. Mas o uso do aspecto plástico das pílulas e de seus tons coloridos cria uma combinação sofisticada. É uma obra sobre esculturas vivas.

Três artistas são estudantes do terceiro ano do Departamento de Belas-Artes de Universidade de Xiamen. Eles estão se especializando em novas mídias. Seus professores são peritos em videoarte européia. Os trabalhos refletem seu pensamento e a natureza da arte européia. Eles são o novo potencial da China. Crescem no mundo dos sentidos, da nutrição material e espiritual. Machucam-se com facilidade, mas vivem felizes.

“Vídeo das Pessoas” é só uma concepção. Mostra que a China é como um grande supermercado da atualidade. Você pode adquirir a comida ou a bebida que quiser. Esta é uma era na qual todas as flores florescem. Os videoartistas chineses mais jovens perceberam a importância do ego independente e vêem o mundo - o mundo material - com insight crítico.

ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL, "14º Videobrasil": de 22 de setembro de 2003 a 19 de outubro de 2003, p. 141 a 144, São Paulo, SP, 2003.