Depoimento Paulo Priolli, 2013

Uma das duas principais produtoras de vídeo nos anos 1980- a outra era a Olhar Eletrônico-, a TVDO  foi  a primeira daquela geração de produtores a chegar à Televisão Broadcasting onde tinha a ambição de colocar uma visão de videoarte na produção da TV comercial.

O grupo é formado em setembro de 1980 por um estudante de Cinema (Paulo Priolli) e três de Televisão, (Tadeu Jungle, Walter Silveira e Ney Marcondes)- todos da Escola de Comunicações e Artes da USP- durante a realização da Semana de Arte e Ensino organizada pela professora Ana Mae Barbosa e no qual coordenaram o Ateliê de TV com estudantes de várias regiões do Brasil inteiro.

A coordenação do ateliê resulta em um vídeo feito de forma coletiva com os participantes, chamado Semana de Arte e Ensino.

 Esse vídeo origina o formato sob o qual trabalhará a partir daí o grupo que ficou conhecido entre seus membros como “TVTudo”.

 O nome vem do fato de todos da equipe conhecerem todas as etapas da produção de um programa de televisão e poder atuar separada e/ou simultaneamente em cada uma delas- “fazendo tudo”-, ao contrário do que acontece numa emissora de TV onde cada funcionário tem uma função específica e atua apenas nessa função específica

Tadeu Jungle e Walter Silveira já desenvolviam trabalho paralelo com poesia gráfica e videoarte, tendo participado da exposição Multimedia Internacional, mostra dedicada aos meios eletrônicos organizada por Walter Zanini, em 1979. Tinham também certo trânsito entre os poetas concretos como Decio Pignatari e os irmãos Campos

Isso explica a tendência em querer levar alguns conceitos de videoarte para a televisão comercial.

Na USP a TVDO desenvolveu três conceitos fundamentais do seu trabalho:

1) a criação e gravação de um evento sem roteiro pré-determinado;

2) a captação sempre com uma câmera portátil independente do diretor de TV gerando imagens inusitadas

3) E a edição onde então se produzia o roteiro final do programa a partir do material obtido.

 Ainda como estudantes, realizam o Programa do Ratão, feito como trabalho de conclusão de uma disciplina na ECA/USP, onde aplicam o conceito de manipulação de idéias na reedição de um programa sobre drogas.

 Na ocasião, recebem o apadrinhamento de Antonio Abujamra com quem Tadeu, Walter e Ney já tinham estagiado na extinta e pioneira TV Tupi de São Paulo.

O Programa Bvcetas Radycaiz –anarco-documentário sobre a eleição para Centro Acadêmico e DCE da USP em 1980, onde chegaram a concorrer com uma chapa homônima para a presidência do Centro Acadêmico Lupe Cotrim, da ECA, chama a atenção de Nelson Motta, que em 1981 os convida para codirigir o programa Mocidade Independente, - a estréia da TVDO na TV Broadcasting- e carro-chefe da programação levada por Walter Clark para a TV Bandeirantes quando deixou a Rede Globo.

No final de 1981 a TVDO passa a produzir Vídeoshows no lendário teatro Lira Paulistana em São Paulo, berço da chamada “ vanguarda paulistana”que revelou músicos importantes como Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção.

Nos Vídeoshows (com o poeta Julio Barroso e As Absurdettes), exibiam vídeos feitos especialmente para o evento e para os paredões de monitores instalados no teatro. 

Em 1982, associam-se a Eduardo Abramovay para criar a Videoverso.

A partir de 1983, recebem o prêmio de Melhor Vídeo em três edições consecutivas do Festival Videobrasil.

Em 1984, a equipe muda: sai Paulo  Priolli que foi apresentar o programa Radar produzido pela VIDEOVERSO e entra o produtor Pedro Vieira,vindo da TV Cultura de São Paulo.

 Em 1986, Tadeu Jungle e Walter Silveira fundam uma escola livre de cinema e vídeo, a The Academia Brasileira de Vídeo.

 Em 1987, passam a integrar a produtora Fonte Brasil – Vídeo, presidida por Zanini.

Dentre as criações do grupo destacam-se  o anarco-documentário sobre a passagem do grupo de rock Kiss ao Brasil- chamado “QUEM KISS TEVE”- que abriu o I exibiam vídeos feitos especialmente Festival Video Brasil e a trilogia composta por Frau, de 1983, Non Plus Ultra, de 1985, e Heróis da Decadensia, de 1987.

O grupo se desfaz paulatinamente no final dos anos 1980.

Depoimento concedido via email por Paulo Priolli à Associação Cultural Videobrasil

Texto crítico Arlindo Machado

TVDO (pronuncia-se "tv tudo") foi um grupo estreitamente ligado aos meios vanguardísticos de São Paulo, que despontou, no início dos anos 80, com propostas renovadoras de indiscutível impacto. Foi também o grupo responsável pelas experiências mais radicais do ponto de vista da invenção formal e da renovação dos recursos expressivos do vídeo. Alguns de seus trabalhos chegaram a ser limítrofes, sem concessões a um padrão de recepção mais amplo. Tal é o caso, por exemplo, de [Rythm(o)z (1986), dirigido por Tadeu Jungle, um conjunto de seis peças de curta duração, orquestradas por um rigoroso jogo de composições, com ritmos metronômicos diversos, que exploram emoções extremas, beirando o nojo e o espanto. O exemplo mais radical, entretanto, é VT Preparado: AC/JC (1986), realizado por Pedro Vieira e Walter Silveira: numa homenagem apaixonada ao compositor do silêncio (JC/ John Cage) e ao poeta da página em branco (AC/ Augusto de Campos), os realizadores concebem um vídeo onde predomina a tela em branco, pulverizada, vez por outra, por rapidíssimos flashes de imagem, mais freqüentemente por ruídos, impulsos e distorções do próprio dispositivo técnico. Esse grupo (constituído pelos videastas Tadeu Jungle, Walter Silveira, Ney Marcondes, Paulo Priolli e Pedro Vieira) talvez tenha sido a melhor tradução para a mídia eletrônica do espírito demolidor e anárquico de Glauber Rocha. TVDO é também responsável pelas experiências mais radicais do ponto de vista da invenção formal e da renovação dos recursos expressivos do vídeo. Mas a familiaridade do grupo com a televisão e com as formas em geral da cultura de massa, a sua resoluta decisão de operar na fronteira entre a cultura popular e a erudita, bem como a vontade de intervir criticamente na realidade do país, tudo isso acaba contribuindo para tornar mais "acessíveis" e generalizáveis as conquistas formais e temáticas que se dão na vanguarda da invenção estética, sem incorrer todavia em diluição Caipira In (Local Groove) (1987), obra desconcertante do trio Roberto Sandoval, Tadeu Jungle e Walter Silveira, parece resumir bem as inquietações do grupo. A idéia aparente é registrar uma festa religiosa popular que ocorre anualmente no pequeno povoado de São Luís do Paraitinga (SP). Mas o vídeo nega a função de registro da câmera, estabelece uma distância entre sujeito e objeto ou entre observador e observado e apaga quase inteiramente as vozes e os enunciados daqueles sobre quem fala. Efeitos eletrônicos de estúdio corroem as imagens tomadas in loco pelas câmeras, a montagem desintegra qualquer coerência possível capaz de "explicar" o evento, até mesmo os sons gravados diretamente por ocasião da festa são processados eletronicamente para que deles não restem senão pálidos vestígios. Na verdade, Caipira In é menos um "documentário" sobre uma festa folclórica do que uma reflexão sobre a distância entre duas culturas irreconciliáveis, ou mais exatamente, uma demonstração da nossa impossibilidade de vivenciar a experiência do outro enquanto tal. A "leitura" se revela uma versão entre infinitas outras possíveis. Os realizadores interferem, se mostram ostensivamente como uma presença deformante: ao focalizar a cultura do outro, eles não se negam, não renunciam ao seu mundo, aos seus próprios valores e à sua cultura, nem se deixam dissolver naquela outra. Nenhuma pretensão de objetividade esconde o fato de que o sujeito da representação, ao se defrontar com a festa alheia, traz consigo o seu próprio mundo, o seu passado e as suas referências culturais, a partir das quais e com o filtro das quais ele aborda o outro.

Disponivel em e www.itaucultural.org.br/>index.cfm, na mostra "Made in Brasil".