Biografia comentada Wilton Azevedo

Eu me encontrava em uma aula de pós-graduação na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em novembro de 1997, comentando a importância do escritor Valêncio Xavier e de sua obra literária maravilhosa: O Mez da Grippe.

Em um determinado momento da aula, uma aluna me informou a respeito da abertura, naquela noite, de um evento de Arte e Tecnologia e perguntou se eu não estava interessado em ir. Não respondi de imediato, mas, ao final da aula, me vi convencido a ir até lá.

Quando cheguei ao local, estavam lá artistas, poetas, professores e um público bastante numeroso em prol das performances que iriam acontecer.

Naquela noite, no Instituto Cultural Itaú, eu reencontrei, depois de mais de dois anos, Philadelpho Menezes. Ele estava em uma sala cheia de fones de ouvido, na qual o público podia acessar as poesias sonoras produzidas no mundo inteiro, as quais ele havia reunido com o rigor de sua curadoria, que era sua marca.

Nessa ocasião falei sobre as experiências que estava realizando em meu estúdio com softwares de autoria, e sobre o potencial visível que havia nesses experimentos para realizar um novo formato do fazer poético.

Na semana seguinte, Philadelpho veio ao meu estúdio e mostrei-lhe então o que eu estava fazendo com imagens, sons e textos em um software de autoria. Todo aquele movimentodisponível em apenas uma mídia o encantou, e o entusiasmou para fazer um trabalho em parceria.

Naquele momento, nascia o Interpoesia. No pequeno estúdio em Pinheiros (SP – Brasil), começamos a trabalhar incessantemente em uma ideia que ainda não tinha nome. Philadelpho resolveu passar para mim poemas visuais que ele já havia realizado e publicado no meio impresso; eu então comecei a pensar em uma forma de traduzir esses poemas para o meio digital.
Vários encontros ocorreram na intenção de obtermos daquele exercício de linguagem um produto de hipermídia.

Depois de dois meses de trabalho, já estávamos presenciando o surgimento de um produto que seria um marco na produção poética hipermidiática no Brasil – quando lembrei queprecisávamos de um nome para aquela produção.

Uma semana antes, eu havia entregado a ele o texto Hiperdesign: Uma Cultura do Acesso, e, diante desse texto, chegamos a pensar no nome Hiperpoesia. Foi quando Philadelphome perguntou o que eu achava de Interpoesia, e então eu respondi: perfeito.

Philadelpho tinha a intenção de colocar na produção hipermidiática seu conceito, quechamou de intersigno, e eu tinha o interesse em desenvolver ambientes virtuais que apontassem para um novo fluxo de acesso, o hiperdesign.

A criatura agora tinha nome, faltava o sobrenome. E, então, nós a chamamos de PoesiaHipermídia Interativa.

Apesar da relevância histórica do Interpoesia, meu trabalho com a poesia digital nãocomeçou com esse CD-ROM; eu já havia feito uma exposição em 1987, no Clube de Criação de São Paulo, onde apresentei pela primeira vez a Poesia Alegórica. Mais tarde, em fevereiro de 1988, no Museu da Imagem e do Som de São Paulo, apresentei o trabalho Signação,em que apontava o software como uma escritura da imagem fixa. É importante ressaltar que esses dois trabalhos fizeram parte da Mostra Internacional da Poesia Visual, em 1988,e que tive a oportunidade de apresentá-los publicamente a Eugen Gomringer.

Assim, a continuidade dessa pesquisa e sua práxis na produção hipermidiática se fixam como ponto importante no cenário da produção poética brasileira que utiliza suporte digital.

Nada no ambiente digital se manifesta de forma separada, não há reintrodução de elementos caógenos ou redundantes, tudo é fruto de uma escritura programada, uma escritura expandida.

A poesia digital, por incrível que possa parecer, retoma a ritualização da linguagem, isso porque é um fazer pré-programado previsto por sua escritura e é esse crédito quea emancipa como novidade, não havendo nem ruído nem estranhamento, pois tudo o que estácontido em uma programação é pré-concebido, é processo.

Sendo assim, o poema pode ser desprovido de palavras, a enunciação não está no discurso, a narrativa não conta histórias, o que é poético é a expansão dos signos, fazer poesia digital é construir ambientes – ambiência – em mutação constante. É uma experiência que não se preocupa em criar fórmulas. Nunca tive a preocupação de meus trabalhos terem um final ou uma finalidade formal no mundo das letras, no sentido do desafio conclusivo, e sim uma linha que se expande em busca do experimento.

A poesia digital deixa, a cada etapa, mais evidente que a redundância de suas articulações sígnicas se faz presente como poética; mas não é a redundância promovida pela cultura pop, e sim a exaustão, o excesso, como processo de estranhamento que cria extensões de seus signos, sem a necessidade de conter palavras.