A conferência contou com a participação dos debatedores Arlindo Machado, crítico e teórico, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (Brasil); Hervé Fischer, artista multimídia, filósofo, cofundador e copresidente da Cité des Arts et Nouvelles Technologies de Montreal (Canadá); Jill Scott, artista e curadora australiana; Yoichiro Kawaguchi, artista e professor da Universidade de Osaka (Japão); e Ricardo Nauenberg, diretor de vídeo da TV Globo (Brasil).

Ensaio Arlindo Machado, 1990

Arte dos Simulacros

Tente imaginar a cena seguinte: um bando de pássaros surge no céu, voando com uma certa elegância, apesar de sua aparência metálica, e desenhando no espaço uma trajetória complexa, rumo a algum objetivo determinado. Os pássaros se repartem diante de obstáculos que encontram à frente e se reúnem novamente mais adiante, para evitar que, desgarrados do bando, possam se tornar presas fáceis de predadores. Agora imagine que isso acontece na tela de um computador e que tudo não passa de uma simulação do comportamento gregário de um bando, realizada com animais virtuais num céu imaginário.

Simulação não é exatamente a mesma coisa que animação. A equipe encarregada de um projeto de simulação, na verdade, cria um universo artificial e um modelo de comportamento, com suas regras gerais de funcionamento. Uma vez colocado em ação esse modelo e instaurado o processo de simulação, os personagens do universo artificial agem como se tivessem uma inteligência própria e parecem decidir eles mesmos o que vão fazer. É como se os nossos pássaros imaginários fossem  “ensinados” a voar e a se comportar no espaço e, a partir daí, eles pudessem evoluir numa trajetória não especificada antecipadamente.

As técnicas de simulação constituem apenas uma das inúmeras possibilidades abertas modernamente pela síntese da imagem. Trata-se de uma odisséia intelectual dirigida no sentido de se gerar matematicamente seres e paisagens imateriais, que podem ou não se parecer com seres e paisagens do mundo dito “real”. Programas gráficos cada vez mais sofisticados são capazes de dar vida a essas criaturas, sem necessidade do registro fotoquímico de uma câmara e muitas vezes sem apelar  sequer para a imaginação do pincel de um artista, mas aplicando apenas as leis físicas e as equações matemáticas pertinentes ao motivo representado. Partindo do pressuposto de que deve haver alguma espécie de isomorfismo entre a lógica do pensamento e as estruturas do universo, os leonardos da era da informática querem explorar os limites do simulável, criar territórios experimentais em que o arbítrio do conceito possa se materializar em figuras virtuais de um mundo paralelo.

Arte do rigor construtivo, resta, enfim, como limite da computação gráfica, o excesso da assepcia de seus produtos. Muito tem sido dito sobre o caráter “profilático” das imagens sintéticas introduzindo nelas ruídos ou gestos desestabilizadores. Antes, para reverter a tendência à estilização e a geometrização é preciso saber construir algoritmos cada vez mais complexos, cada vez mais “inteligentes” e cada vez mais próximos do processo orgânico das formas vivas.

Yoichiro Kawaguchi, uma das figuras mais originais da computer art, parece apontar ara uma direção bastante singular. O artista está trabalhando com algoritmos capazes de dar forma crescentemente complexa  a superfícies curvas geradas por computador. Essa técnica permite criar formas que parecem obedecer a certas leis naturais de gêneses e crescimento dos seres vivos, algo assim como metáforas poéticas de um mundo orgânico em evolução. É um exemplo eloquente do que poderá vir a ser uma arte dos simulacros digitais num futuro próximo.

8th Fotoptica Internacional Video Festival. 09 a 15 de Novembro de 1990. p. 74 a p. 75.