Banco de dados não é ferramenta apenas de teóricos. A disponibilidade de um acervo de imagens e informação, sobre artes ou não, serve também a artistas que trabalham com a apropriação e ressignificação de conteúdos, digamos, alheios. Da mesma maneira, há artistas responsáveis pela formação de arquivos desse tipo, como o libanês Akram Zaatari, um dos coordenadores da Fundação Árabe de Imagens, em Beirute, instituição que tem por objetivo constituir e preservar uma coleção de fotografias sobre a história do Oriente Médio. Há também obras participantes deste Festival na mostra Panoramas do Sul, como Otolith, de Anjalika Sagar e The Otolith Group, e Una Mancha en el Agua, de Pablo Romano, que foram concebidas por meio de imagens de arquivo. Um exemplo no Brasil é o projeto Paisagem Zero, de Giselle Beiguelman, que reúne “mixagens” de imagens e textos. Essas e outras experiências foram apresentadas e discutidas neste debate. A discussão foi iniciada com a reflexão acerca do uso de acervos de imagens e informação por artistas que trabalham com a ressignificação de conteúdos. Também foram discutidas questões sobre direitos autorais, e os parâmetros para determinar o usufruto e a propriedade de imagens e textos. Algo alertado na mesa foi a necessidade da construção de banco de dados com critérios aglutinadores bem desenhados, onde o arquivamento de informações tenha uma ação crítica, ou seja, saber claramente o que priorizar, preservar ou descartar. Sobre essa questão, Giselle Beiguelman, citou o conto de Jorge Luiz Borges chamado Funes, o Memorioso, em que o personagem tem uma memória detalhada de tudo o que vive e vê, o que acaba deixando-o completamente atordoado. Beiguelman relacionou essa situação extrema escrita por Borges para abrir uma discussão sobre o que deve ser lembrado e o que deve ser esquecido.
Obras
Texto de curadoria 2005
Zona de Reflexão
A Zona de Reflexão integra-se à programação do Festival com um conjunto de ações que busca ampliar e adensar as discussões sobre arte contemporânea geradas pelo evento. Nesta edição, ela se expande em mais de uma direção, desdobrando-se não apenas em debates e encontros, mas também em ações e processos de natureza ainda mais prática: um workshop de performance que reúne artistas e estudantes universitários; uma nova publicação dedicada à reflexão sobre temas pertinentes ao Festival; um laboratório que introduz os realizadores nos processos de atualização e edição do conteúdo do recém-lançado banco de dados Videobrasil On-Line; e as VJ Nights, sessões de live-image elaboradas a partir da reunião, no Festival, de artistas de nacionalidades, culturas, atitudes e estéticas diversas.
Os workshops, laboratórios, debates e processos de criação que compõem esse eixo se estendem pelas três semanas do Festival, entremeando, pontuando e comentando mostras e performances. Em contraposição à efemeridade inerente à condição de evento do Festival, eles têm como objetivo engajar artistas, curadores, pensadores e pesquisadores em ações que produzam, além de sentido, conteúdos residuais concretos, seja na forma de trabalhos, seja de lições aprendidas. Ao potencializar e propor caminhos para as trocas de experiências entre os membros de sua comunidade, lançam bases para a produção de resultados reais, capazes de conferir longevidade à elaboração de idéias que o Festival propicia.
As reflexões tecidas sob a perspectiva dos países do circuito sul da divisão geopolítica do globo são centrais para as atividades do eixo Zona de Reflexão. Este ano, elas se expressam sobretudo na escolha da performance como tema. Não por acaso, optou-se por uma linguagem de expressão que se fundamenta no ato e na compreensão da arte como exercício, antes de tudo, político. Questões que a prática do gênero coloca, como as situações de risco no campo protegido da arte, as relações entre arte e política e os modos de incorporação da performance ao circuito de exibição estão entre os temas examinados nas seis mesas de discussão do Festival – por artistas, galeristas, curadores, críticos e intelectuais brasileiros e estrangeiros.
A performance também move os ensaios do “Caderno Videobrasil”. Em um país onde o debate sobre arte limita-se, com freqüência, ao episódico noticiário da imprensa e a publicações esporádicas da academia, museus e galerias, a revista anual da Associação Cultural Videobrasil tem como prioridade difundir a pesquisa teórica especializada e a produção artística recente. A edição de estréia propõe uma alternativa à história oficial da performance, cobrindo um arco de tempo que se estende desde o modernismo brasileiro até projetos representativos da arte atual, feitos na América Latina e no Oriente Médio. Reúne ensaios dos críticos de arte Guy Brett e Luiz Camillo Osório, artigos da curadora libanesa Rasha Salti, do artista Ricardo Basbaum e da psicanalista Suely Rolnik, um roteiro de áudio-performance assinado por Coco Fusco e Guillermo Gómez-Peña e uma entrevista exclusiva com Marina Abramovic.
É a prática da performance, por outro lado, que envolve alunos de graduação em artes visuais, meios digitais, dança e artes do corpo selecionados para o workshop de performance que integra o Festival. A atividade é coordenada por Marcos Hill, professor da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, e pelo artista plástico Marco Paulo Rolla, que também se apresenta no Festival. Dois dos mais conceituados pesquisadores do gênero no país, eles dividem a coordenadoria e a curadoria do Centro de Experimentação e Informação de Arte (Ceia), de Belo Horizonte (MG). O workshop tem três blocos, dirigidos ao estudo de referências bibliográficas e de exemplos históricos da performance; à elaboração e experimentação de ações propostas pelos participantes; e à apresentação de resultados, também dentro do Festival.
Sofisticado banco de dados que estrutura o conhecimento sobre o circuito sul acumulado pela Associação em 23 anos, o Videobrasil On-Line ganha um espaço à parte no Festival. São laboratórios nos quais pesquisadores e editores responsáveis pelo conteúdo do instrumento ajudam os realizadores a experimentálo, ensinando-os a imputar dados novos e a atualizar outros, e discutindo com eles formas de indexação e conceitos-chave. Mais do que produzir uma proximidade extraordinária entre usuário e instrumento, o objetivo desta atividade é compartilhar o Videobrasil On-Line com a comunidade à qual ele serve, dividindo com artistas, curadores e pesquisadores a responsabilidade pela atualidade e precisão de seu conteúdo. A idéia dos laboratórios é estabelecer um modelo de participação que se torne praxe entre os interessados em fortalecer o circuito sul.
Na extremidade lúdica da Zona de Reflexão, três grupos heterogêneos de criadores produzem, a partir da manipulação conjunta de bancos de imagens diversos, happenings inéditos de música e live-image ao longo do Festival. Municiados pelo evento com toda a estrutura necessária, artistas de países e atitudes distintas trabalham juntos até chegar a um produto que traduza suas similaridades e diferenças – de língua, de jeito, de gênero – em noites de puro entretenimento.
ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL. "15º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil - 'Performance.'": de 6 a 25 de setembro de 2005, p. 224-225, São Paulo-SP, 2005.