Curadoria convidada |

O artista sente que o poder que detém de afetar o pensamento social não mais pode ser visto como um privilégio, mas como uma responsabilidade social.  Martin Mhando

Desde o título [O cinema dos diálogos em conflito], a curadoria que o cineasta e professor tanzaniano Martin Mhando traz ao 16º Videobrasil se dispõe a provocar reflexão sobre como os cineastas africanos se batem não apenas com as mazelas sociais do continente – guerra, Aids, escravidão – mas também com estruturas narrativas arraigadas na psique comunitária e os “sinais formais condicionados por estruturas de organização social”. Centrado no trabalho de jovens cineastas da região sul da África, o programa reúne obras produzidas entre 1999 e 2006, exibidas no Auditório.

Artistas

Obras

Texto de curadoria Martin Mhando, 2007

Questão

Onde, ou como, você situaria a confluência entre arte e cinema hoje?

A cidadania e sua representação é chave para a expressão artística. Os artistas continuam a ser categorizados de acordo com identidades específicas, enquanto o que eles descrevem sempre foi além dessas determinadas identidades. Suas narrativas adentraram o reino do simbólico. O que encontramos nessa confluência entre arte e identidade é que sempre há perspectivas hegemônicas a partir das quais os artistas, e cineastas em particular, apresentam suas vozes. Esses artistas, portanto, logo descobrem maneiras de interrogar suas próprias posições à medida que reconhecem as liberdades restritas que violam sua criatividade e inovação. O resultado é uma constante jornada crítica entre o direito e a responsabilidade. O artista sente que o poder que detém de afetar o pensamento social não mais pode ser visto como um privilégio, mas como uma responsabilidade social. No entanto, qualquer identidade determinada invariavelmente o coloca dentro de um espectro limitado de vozes, seja na rede da mídia, na identidade nacional ou em preocupações comerciais. Essa realidade complexa sempre esteve aí, mas está se tornando cada vez mais definida à medida que abraçamos ou somos forçados a abraçar a globalização. O que são essas forças que desafiam o poder da globalização? Como os artistas revelam sua capacidade de libertar-se das influências hegemônicas?
É essa percepção de que o cinema e a criatividade artística encontram confluência que precisa ser usada para permitir mais inovação, criatividade e responsabilidade social.

Conceito

A expressão “cinema dos diálogos em conflito” propõe uma reflexão sobre os filmes e cineastas que lidam com questões significativas de preocupação social que reconheçam o processo de significação inerente à comunicação. O uso comum da expressão “diálogos em conflito” pretende apenas promover o pluralismo e a liberdade acadêmica nos campi, mas eu a uso para trazer à tona a natureza de enfrentamento da questão, particularmente da maneira como os africanos refletem sobre ela. Muitos dos filmes que tratam de temas como as guerras, HIV/Aids, opressão sexual, escravidão e trauma na África projetam não apenas confrontos de cineastas específicos com os temas, mas também estruturas narrativas inscritas comunalmente. O programa investigará as relações entre os cineastas, suas comunidades e a sociedade, e como os cinemas africanos revelam sinais formais condicionados por estruturas de organização social, afinidade cultural e condições de interação. Ao trazer à tona o trabalho de jovens cineastas da região sul da África, o programa mostra, de maneira clara, a preocupação social em que os cineastas estão engajados, mas todos reconhecem a facilitação criativa que o formato documentário permite em termos de comunicação. Eles reconhecem como o meio é em si a mensagem que transmitem – comunicando, de maneira criativa, mensagens sociais importantes.

ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL. "16º Festival Internacional de Arte Eletrônica SESC_Videobrasil": de 30 de setembro a 25 de outubro de 2007, p.16-17, Edições SESC SP, São Paulo-SP, 2007, p. 161 a p. 163.