À luz dos 30 anos
por Cláudio Bueno

sobre o Foco 8 dos Programas Públicos do 18º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil


Introdução

Este relato contempla a escuta de 3 mesas1 de debate que ocorreram durante o 18o Festival de Arte Contemporânea SESC_Videobrasil, sob o "foco 8" dos programas públicos, denominado: "À Luz dos 30 anos".

A primeira mesa, intitulada "Videobrasil + Expoprojeção + Zanini", contou com a participação de Aracy Amaral, Cacilda Teixeira da Costa e Roberto Moreira, além da mediação de Eduardo de Jesus. Nesta ocasião os palestrantes abordaram marcos históricos para o surgimento da videoarte no Brasil. Já o segundo encontro "Exposições em Contexto", se propunha a debater as exposições de arte das três últimas décadas e suas relações com o Festival Videobrasil. Participaram desta mesa as curadoras e pesquisadoras Ana Maria Maia e Daniela Labra, com a mediação de Ana Pato. Por fim, a terceira e última mesa, intitulada "30 anos: memórias e atualizações", analisou os grandes ciclos de transformação do festival e suas relações com o chamado eixo sul geopolítico. Contou com as falas de Solange Farkas, Moacir dos Anjos, Eduardo de Jesus e Gabriel Priolli Netto. A mediação foi de Teté Martinho.

A seguir, as ideias em discussão nestas mesas serão concatenadas em uma nova conversa, um novo arranjo resumido das falas, sem a obrigatoriedade de que tenham sido realizadas juntas e na mesma sequência demonstrada acima.


A videoarte no Brasil, ela existe!2

Cacilda Teixeira da Costa abriu a série de encontros com a fala intitulada "Video-arte no MAC, USP". Assim, nos fez perceber as ações do MAC sob a gestão de Walter Zanini para a inserção do vídeo e dos chamados "novos meios" no circuito artístico brasileiro. Nos anos 1970, mesmo diante da precariedade desta produção no Brasil, Zanini com sua energia singular, fez surgir e movimentar esta cena.

O curador exibiu em 1973 a primeira obra em vídeo num museu nacional, realizada pelo artista Fred Forest; representou internacionalmente artistas brasileiros que trabalhavam com este meio; criou em 1976, juntamente com Cacilda Teixeira e Marília Sabóia, o setor dedicado ao vídeo no museu; comprou, organizou cursos técnicos e colocou à disposição dos artistas de São Paulo uma câmera Portapak;  incentivou pesquisadoras como Cacilda a se dedicarem somente à arte e tecnologia; abrigou mostras como Video-post e Vídeo MAC, dentre tantas outras ações.

Toda esta energia vital e fundamental para a criação de um circuito foi interrompida em 1978, com a inesperada saída de Zanini do MAC USP e a ida de Cacilda para o Rio de Janeiro. Tal rompimento nunca mais foi retomado, criando um imenso vazio histórico para o museu e para a própria inscrição histórica da vídeoarte, das artes eletrônicas e das artes digitais. Seria necessário dizer novamente ao museu: "A videoarte no Brasil, ela existe!".  Como pontua Eduardo de Jesus em uma de suas falas, os historiadores da arte ainda resistem em considerar a influência do vídeo e do cinema na cultura visual contemporânea.

Ainda em 1973, ocorreu em São Paulo o primeiro levantamento da produção audiovisual brasileira. Tratava-se da mostra "EXPOPROJEÇÃO"3 (1973),

com curadoria de Aracy Amaral, remontada e atualizada quarenta anos depois, em 2013, em parceria com Roberto Moreira. Aracy nos conta que na época, uma mostra que destacava a imagem em movimento, desviava dos padrões usuais da produção artística. Sendo assim, a curadora não queria uma galeria ou um museu para exibir esta nova produção. Conseguiu, portanto, um espaço "alternativo" próximo à Rua Melo Alves, em São Paulo. E para que fosse possível produzir ao menos um catálogo, recebeu o patrocínio do chamado Banco Novo Mundo.

A ideia da mostra surgiu da compreensão de que muita gente já trabalhava com super8, em contraposição ao cinema convencional; além disso, Aracy possuia boa circulação internacional, recebendo colaborações como as de Antonio Dias (que vivia na Itália) e de Hélio Oiticica (em Nova Iorque). O caráter inovador da mostra, teve grande repercussão na imprensa e foi realizado com muito entusiasmo por parte dos artistas.

Roberto Moreira ressaltou que os 40 anos que separam a exposição dos dias atuais, foi um dos motivos que levaram os curadores a repensar a história do audiovisual brasileiro. Isso somente foi possível graças à acuidade e a visão histórica de Aracy, que guardou muitos dos documentos gerados pela exposição em seus arquivos, como o filme de Raymundo Colares, correspondências com artistas, etc. Pois não se encontra quase registro da EXPOPROJEÇÃO (1973); - tendo tornado a mostra, até então, um dado histórico perdido.

Esta preocupação em historicizar as exposições e os arquivos de práticas artísticas efêmeras e imateriais como a do vídeo, a performance e as transmissões, é destacada pela pesquisadora Ana Pato. Diante das complexas políticas de aquisição, conservação e obsolescência dos meios de produção, estes trabalhos tem ficado do lado de fora dos museus. Sendo assim, Ana nos convida a estudar instituições "menores", que surgem em torno do vídeo e cumprem este papel de conservação, como é o caso do próprio Videobrasil, do Electronic Arts Intermix, do Netherlands Media Art Institute, entre outros. Como mediadora da mesa "Exposições em Contexto", a pesquisadora indaga ainda sobre o tempo necessário para se criticar e historicizar uma exposição. Tal indagação demonstra-se pertinente diante da baixa aderência de críticos, curadores e historiadores a mostras mais voltadas à produção em meios não tradicionais da arte e que articulem relações fortes com o tempo presente.

Em resposta a isso, Ana Maria Maia compreende que para que seja possível um encurtamento da ação do historiador, num período de aceleração em que vivemos, é necessário que se criem novos mecanismos para entender e falar do presente. Acrescenta ainda que algumas exposições não precisam de tanto tempo para se "decantar", enquanto outras, devem aguardar o tempo delas "acontecerem", exigindo assim, uma espera mais longa até que seja historicamente inscrita.

Assumir as articulações com o tempo presente envolve riscos; proporcionalmente à potência criativa gerada ao se discutir algo no tempo de seu acontecimento, ainda instável, aberto, menos contaminado e seminal.

Eduardo de Jesus, em seu texto para o livro de 30 anos do Videobrasil, virá explorar esta noção do tempo presente diante da relação estreita entre vídeo e performance. Como denomina o curador, um presente denso, que não passa fugazmente e que é concentrado, pois se sujeita diretamente ao momento de sua apresentação. Tal exploração do tempo presente, inerente à natureza do vídeo e da performance, também foi destacada por Cacilda ao falar da produção dos anos 70: "Era a única forma. Colocavam a câmera e faziam a performance".

Dentre os inúmeros exemplos trazidos na fala de Eduardo, destacou-se a performance de Otávio Donasci, realizada na primeira edição do Festival Videobrasil, em 1983, intitulada "O cavaleiro do Apocalipse", na qual o artista descia a Av. Europa em direção ao MIS, vestido com uma televisão que substituía a imagem de seu rosto. Tratava-se de uma de suas videocriaturas. Esse exemplo nos fez perceber a relação forte do próprio festival com trabalhos desta natureza (que foram retomados posteriormente na 15a edição).

E é neste lugar do risco do tempo presente, das apostas, suposições e incertezas, que se instaurou a própria história do Videobrasil. Em 1983, diante de um momento de abertura política, de aumento da produção audiovisual brasileira e de uma quase total marginalidade do vídeo em relação ao circuito da arte, sua primeira edição foi realizada.

Nas dez primeiras edições do Videobrasil, Solange Farkas e Gabriel Priolli lembram que o festival tinha como perspectiva a abertura de brechas no sistema televisivo (TV esta que respondia ao governo militar). Havia o desejo iminente de invadir a televisão e revolucioná-la! Combater criticamente a produção existente (mainstream) por meio das chamadas "produções independentes". Tratava-se de uma revisão política e estética em relação à tradição. Gabriel nos fala da importância deste momento, que se apropriou do festival como epicentro de debates que colaboraram para questões regulatórias que vigoram até hoje para a exibição de produções culturais, educativas e independentes na televisão brasileira. A cena musical dos anos 80, especialmente a do Rock, junto ao surgimento da MTV, também tiveram participação fundamental para incorporar produções audiovisuais experimentais - que contribuíram para a modernização da linguagem da TV.

Lançadas estas bases de vocação experimental e política, como nos pontua Teté Martinho, o festival segue novos caminhos, travando diálogos cada vez mais explícitos com o campo da arte. Se internacionalizou e começou a trazer para o Brasil um conjunto expressivo de trabalhos de uma nova geração ligada à experimentação com o vídeo. Tornou-se bienal e debruçou-se sobre o chamado eixo sul geopolítico. Contribuiu assim para a inserção definitiva do vídeo no circuito da arte, passando a se abrir para todos os suportes a partir da 17a edição em 2011 - sem com isso perder o vídeo como a centralidade do olhar.

O processo de internacionalização do festival tem início a partir da 10a edição, apesar de já ter sinalizado esta ideia em edições anteriores. Tal escolha partia de necessidades como: o desejo do festival em se abrir para novos inputs e a busca dos artistas por inserção no circuito global das artes, que legitimava e dava visibilidade. Parecia haver a necessidade de uma legitimação vinda do norte, sem uma consciência clara do valor daquilo que era produzido aqui, ou mesmo das parcerias com países africanos e da América Latina (questão mal resolvida até os dias de hoje).

Buscava-se produções de pouca visibilidade, que estavam, assim como nós, numa espécie de zona de escuridão. Um longo processo que visava pensar novos contextos para um circuito artístico centralizante, nos colocando pouco a pouco num lugar de protagonismo. Solange ressalta em sua fala a necessidade de estabelecer uma base de trabalho para trocas com países do sul, criando assim, uma relação mais igualitária com o norte (sem necessariamente estabelecer uma logica de oposições).

Pois, assim como nos trouxe Moacir dos Anjos, em um longo texto sobre as questões do Sul, o que torna a arte diversa, não é mais o confronto estanque. Mas a "arte do sul" ou "arte menor" (como nos fala o curador), é aquela que desterritorializa a linguagem e o vocabulário hegemônicos. Sendo assim, não se trata de uma "arte alternativa", mas sim, de respostas e resistências às pretensões existentes no norte. Um desarranjo das instâncias influentes da "arte global", reforçados pela academia, pelas grandes mostras, etc. Trata-se portanto de confrontar condições de subordinação; e revelar assim, múltiplos sotaques: capazes de indicar, quem está falando, de que parte do mundo, de qual posição. Poderão desmanchar-se assim os legados simbólicos, bem como as pretensões da arte que se quer global, mas é hegemônica.

Tais legados simbólicos hegemônicos são contestados também na fala da curadora Ana Maria Maia, ao tomar como exemplo a exposição "Desvios de la deriva: experiências, travessias e morfologias", realizada em 2009, no Museu Reina Sofia, com curadoria de Lisette Lagnado e Maria Berrios. Nesta exposição estiveram os brasileiros Flávio de Carvalho, Lina Bo Bardi e Sérgio Bernardes; os chilenos Roberto Matta, Juan Borchers e o grupo da Escola de Valparaíso; além de desenhos de Le Corbusier.

Tomando como partido a metáfora antropofágica e sem descartar a matriz hegemônica, a exposição buscava recaracterizar a vanguarda moderna Latino Americana. Ou seja, trabalhos como o de Flávio de Carvalho, revelavam no espaço expositivo os impulsos experimentais surgidos na América Latina que inauguraram conceitos globais como o de "deriva", usualmente associados à "Internacional Situacionista". Outro exemplo ainda podia ser percebido através dos desenhos de "Le Corbusier", realizados em visita à América do Sul em 1929. Por meio destes, a exposição nos apontava para as influências do arquiteto suíço/francês sendo afetado pelas paisagens do sul. Assim, Le Corbusier passava da condição de influenciador para a de influenciado; bem como Flávio de Carvalho era inserido num museu europeu como pioneiro e protagonista. Desta forma, a curadora Ana Maria Maia passa a entender as exposições como lugares poderosos de se contar e desafiar histórias, possibilitando posicionar-se diante do campo geopolítico que a arte organiza mundialmente. Não mais como outro, mas tomando o lugar de fala.

Este processo de internacionalização e legitimação da arte brasileira contemporânea no âmbito europeu e norte americano é também o tema de estudos de Daniela Labra. Em sua pesquisa Daniela verifica como se dá a recepção e interpretação crítica da arte contemporânea brasileira por meio de textos curatoriais. Ela pergunta-se portanto, onde estão os novos e velhos clichês e de que forma vai se construindo uma arte brasileira internacional. Daniela aponta em sua fala, alguns dos expoentes históricos do final dos anos 80 e início dos anos 90 (queda do muro de Berlim, fim das ditaduras no cone Sul, entre outros fatores) como impulsionadores de uma revisão imperialista. A partir daí, passaria a haver então, a inclusão e o reconhecimento das periferias; o fascínio pela estética do outro; a exotização de outras modernidades (precárias); e a inclusão de minorias étnicas no âmbito das artes (autorizada por seu legitimador que ao mesmo tempo detecta a falência do modelo cultural hegemônico).

Por fim, Teté Martinho indaga Solange Farkas sobre a continuação/pertinência de um programa que valoriza o eixo sul geopolítico. E a diretora e curadora do Videobrasil confirma a necessidade de se continuar a estabelecer relações mais fortes e igualitárias entre os países e suas instituições artísticas.

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1 Todas as mesas podem ser assistidas na íntegra dentro do Canal VB, disponível aqui.
2 Expressão dita por Walter Zanini, na apresentação da exposição de Video-arte organizada no MIS (Museu da Imagem e do Som de São Paulo) pelo artista Roberto Aguilar, assessorado por Marília Sabóia.
3 Expoprojeção 1973-2013: baixe aqui o catálogo da exposição