Um panorama de Isaac Julien: Geopoéticas

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postado em 02/09/2012
Confira aqui detalhes sobre a mostra em cartaz a partir de 4.9

Isaac Julien: Geopoéticas | de 4 de setembro a 16 de dezembro de 2012

Palavras da curadora

As particularidades da complexa obra de Isaac Julien, que temos o prazer de apresentar de forma abrangente pela primeira vez no Brasil na exposição Isaac Julien: Geopoéticas, aproximam-na de mais de uma maneira do trabalho que a Associação Cultural Videobrasil vem desenvolvendo ao longo de seus quase trinta anos. De um lado, seu viés poético-político, marcado pelo pensamento pós-colonial, pela sensibilidade às implicações do multiculturalismo e pelas questões de gênero, remete à herança que emerge necessariamente na produção artística das regiões do Sul geopolítico do mundo, nosso escopo principal de pesquisa.

De outro, ao explorar as possibilidades de um cinema que se expande da tela para o ambiente, espalhando pelo espaço estilhaços narrativos que não se compõem senão na fruição de cada um, ele nos lembra o trajeto do próprio vídeo no contexto da arte contemporânea – um movimento que, de formas diversas, nossos festivais e exposições perseguem e iluminam.

Representativa dos últimos vinte anos de produção de Julien, como um dos artistas a reclamar para a imagem em movimento o espaço mais complexo da galeria de arte, Geopoéticas reúne quatro instalações de múltiplas telas. Ten Thousand Waves (2010) parte de uma tragédia envolvendo catadores chineses de mariscos na baía de Morecambe, Inglaterra, em 2004. Fantôme Créole (2005), composta pelos filmes True North (2004) e Fantôme Afrique (2005), contrapõe o interior árido de Burkina Fasso, o país mais pobre do mundo, e o “branco sublime” do Polo Norte.

Em Paradise Omeros (2002), vagamente baseada em poemas de Derek Walcott, o creole, língua mista, é o meio híbrido onde se experimentam culturas múltiplas e suas contradições. Em The Leopard (2007), versão monocanal da instalação Western Union: small boats (2007), a opulência do Palazzo Gangi e a ressonância histórica e estética da paisagem siciliana servem de cenário a uma narrativa que busca dar uma face humana à questão da imigração. 

Uma programação de filmes, que cobre a maior parte da premiada produção de Julien de 1989 a 2008, será exibida pela SESCTV em complemento à exposição, iluminando a indissociável ligação do artista tanto com o experimentalismo no manejo da linguagem cinematográfica quanto com as temáticas políticas, sociais, étnicas e de gênero.

A recorrência da paisagem como protagonista nas narrativas que compõem Geopoéticas – e as profundas implicações da forma como o artista faz com que suas imagens se movimentem pelo mundo – fundamentam a escolha do título. Em torno das reverberações da obra de Julien, desenha-se o projeto educativo de Geopoéticas, com um seminário internacional e uma teia de ações de mediação e formação, ajustadas a públicos diferentes.

A curadoria educativa tem como missão aprofundar a compreensão da obra exposta. No caso de Isaac Julien, trata-se sobretudo de potencializar a experiência do que o artista define como ‘sublime contaminado’: a subversão da ideia de que a beleza, mesmo extrema, deve limitar-se a si mesma; e a capacidade de criar representações visuais sedutoras para as complexas, e muitas vezes áridas, questões do mundo pós-colonial.

Solange Farkas


Obras: instalações

Ten Thousand Waves, 2010
49’, 35mm, cor, nove telas, som surround 9.2

Em 2004, 23 catadores chineses de mariscos morreram afogados em meio a uma maré inesperada, na baía de Morecambe, Inglaterra. A tragédia inspira Ten Thousand Waves. Filmada em locações na China, a obra entrelaça poeticamente histórias que ligam o presente ao passado milenar da China. Sua arquitetura explora o movimento das pessoas que cruzam países e continentes, sugerindo uma meditação sobre viagens inacabadas. Concebido e realizado ao longo de quatro anos, TTW resulta da colaboração entre Isaac Julien e algumas das principais vozes artísticas da China, como Maggie Cheung, lendária sereia do cinema chinês; o cineasta Zhao Tao, estrela em ascensão; o poeta Wang Ping; o mestre de caligrafia Gong Fagen; o artista Yang Fudong; o celebrado diretor de fotografia Zhao Xiaoshi; e uma equipe de cem pessoas, entre atores e técnicos. A trilha sonora original foi criada pelo inglês Jah Wobble, a Chinese Dub Orchestra e a compositora contemporânea erudita Maria de Alvear.

Fantôme Créole, 2005
23’, 16mm, cor, quatro telas

Fantôme Créole sobrepõe paisagens árticas e africanas, ao combinar dois filmes: True North (2004), livremente inspirado na história do explorador negro Matthew Henson (1866-1955), que acompanhou Robert Peary em expedição pioneira ao Polo Norte; e Fantôme Afrique (2005), filmado em Burkina Fasso. A modelo Vanessa Myrie e o dançarino Stephen Galloway são os protagonistas que conectam paisagens do Norte ártico e do Sul árido. A ausência de diálogos, personagens com interioridade subentendida ou conexão narrativa sinalizam a proposta intelectual da obra, voltada para as questões que unem as duas regiões, além do interesse do artista em promover uma visão “crioulisada”, criando perspectivas novas a partir das ligações e do movimento entre lugares diversos.


Paradise Omeros, 2002
20’, 16mm, preto e branco/cor, três telas

Paradise Omeros mergulha nas fantasias e sentimentos relacionados ao que Julien chama de “crioulidade”: a língua misturada, os estados mentais híbridos e as transposições territoriais que surgem quando se vive entre múltiplas culturas. Usando a imagem recorrente do mar, o filme arrasta o espectador em uma meditação poética sobre as marés alta e baixa, que alternam o que é próprio e o que é estranho, amor e ódio, guerra e paz, xenófobos e xenófilos. Ambientada em Londres, na década de 1960, e na ilha caribenha de Santa Lucia, nos dias de hoje, a obra baseia-se livremente em poemas da obra Omeros (1990), do poeta caribenho Derek Walcott, premiado com o Nobel de literatura. Walcott e o compositor Paul Gladstone Reid colaboram no texto e na trilha sonora. O roteiro foi coescrito por Julien e Grischa Duncker.


The Leopard, 2007
20’, 35mm, cor 

Versão monocanal da instalação Western Union: small boats, o filme tem como ponto de partida visual O Leopardo (Il Gattopardo, 1963), obra-prima do cineasta italiano Luchino Visconti. Contemplando uma vida após a morte do cinema e assombrada por personagens de outros lugares e filmes, Vanessa Myrie vagueia perdida pelas salas do Palazzo Gangi. Os interiores, antes opulentos e luxuosos, estão agora abandonados; por eles, ecoam os fantasmas da decadência e da grandeza e ressoam histórias de imigração na Sicília, que nos anos 2000 tornou-se destino de líbios fugidos da guerra e da fome. Coreografado por Russell Maliphant, o trabalho nasceu em meio ao debate sobre políticas de imigração e relações entre indivíduo e geopolítica. Julien tenta dialogar com essas questões, humanizando e emprestando qualidade poética, imagem e voz a problemas que muitas vezes se perdem no ruído das agendas políticas.


Obras: filmes

Who Killed Colin Roach?, 1983
45’, Super-8/vídeo, cor

Em 1983, o jovem negro Colin Roach, então com 21 anos, foi alvejado e morreu na entrada de uma delegacia em Londres. A suspeita de assassinato acobertado pela polícia transformou-se em causa para os militantes por direitos civis e grupos comunitários negros no Reino Unido, para quem Colin foi vítima de racismo e violência policial. O documentário retrata o clima da campanha nas ruas.

Territories, 1984
25’, 16mm, cor

Documentário experimental sobre o Carnaval de Notting Hill, festival de rua anual criado pela comunidade negra e caribenha de Londres. Julien situa o evento no âmbito da tensão entre os jovens negros e as autoridades brancas.

Looking for Langston, 1989

40’, 16mm, preto e branco

Langston Hughes foi um reverenciado poeta do Renascimento do Harlem, período de florescimento da literatura negra no começo do século 20. Nesta interpretação lírica e poética de sua vida, Julien invoca Hughes como ícone cultural gay e negro, enquanto traça paralelos entre um speakeasy (bar que vende álcool ilegalmente) do Harlem nos anos 1920 e um clube noturno londrino dos anos 1980.

The Darker Side of Black, 1994
59’, 16mm, cor

Com seu caráter gangsta chic, violento e niilista, as vertentes mais radicais do rap e do reggae dominam o imaginário da cultura popular negra. O filme investiga de forma provocativa suas complexas questões: os rituais do machismo, a misoginia, a homofobia, a glorificação das armas. Rodado em dance halls e clubes de hip hop em Londres, na Jamaica e nos EUA, reúne músicos como Buju Banton, Shabba Ranks e a britânica Monie Love.

The Attendant, 1993
10’, 35mm, cor

O Wilberforce House, museu inglês dedicado à história da escravidão, é o cenário do filme. O enredo gira em torno das fantasias sexuais despertadas por um jovem visitante branco em um vigia do museu, negro e de meia-idade. Depois que as portas se fecham, enquanto o guarda circula pelas galerias, o quadro do século 19 Escravos da costa oeste da África (Esclaves sur la côte ouest africaine), do francês François-Auguste Biard, ganha vida.

Frantz Fanon, Black Skin White Mask, 1996
73’, 35mm, cor

Autor de Pele negra, máscaras brancas e Os condenados da terra, Frantz Fanon (1925-1961) foi um influente escritor anticolonialista martinicano. O documentário nasceu com a missão de devolver ao discurso acadêmico e artístico o reconhecimento da originalidade da natureza contraditória do pensador.

Derek, 2008
78’, vídeo, cor

Cineasta, pintor, escritor, ativista gay, Derek Jarman (1942-1994) foi um dos artistas mais originais da Grã-Bretanha. Um herói underground que respondeu à era Thatcher com arte iconoclasta, Jarman fazia um cinema de pintor, criando montagens vibrantes de imagens e ideias. Foi diagnosticado com Aids em 1986, e trabalhou com músicos e artistas como os Smiths e o bailarino Michael Clarke. Uma entrevista filmada em 1991, com Jarman à sombra de sua morte iminente, é o centro do documentário-homenagem, ao lado da melancólica e divertida Carta a um anjo, escrita por Tilda Swinton, amiga e colaboradora de Jarman.

Acesse o site da exposição.