Aurélio Michiles

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postado em 28/08/2014
Documentário registra a luta de uma tribo indígena do Amazonas contra empresa petrolífera

O documentarista manauara Aurélio Michiles tem uma parte significativa de sua filmografia voltada ao resgate da história do Amazonas e, principalmente, dos povos indígenas da região. Michiles teve sua obra homenageada recentemente durante a V Mostra do Filme Etnográfico (Manaus, 2011) e pela Academia Amazonense de Letras (Manaus, 2012).


O documentário O Sangue da Terra (1984) integra Memórias Inapagáveis e faz parte do Acervo Videobrasil desde sua participação na 2ª edição do Festival (1984). Em texto sobre a obra, disponível no livro da exposição, a curadora Cristiana Tejo interroga: “o que ainda estaria recalcado na sociedade brasileira? Quem é invisível na atualidade? De todas as chamadas ‘minorias’ no Brasil, talvez a mais silenciada ainda seja os indígenas”.

Em 1979, Michiles recebeu incentivo da Funarte para produzir um documentário sobre o cultivo do guaraná pelos índios Sateré-Mawé, que habitam a região do médio rio Amazonas até a divisa com o Pará. Durante o período de filmagem, o diretor recebeu da comunidade indígena o pedido de que olhasse para a história que estava sendo escrita naquele momento: sob contrato de risco com a Petrobrás, a petrolífera Elf Aquitaine invadiu as terras Sataré-Mawé em 1981, derrubando árvores, queimando a mata e instalando bombas pelo território. O título da obra, conforme Michiles revela à PLATAFORMA:VB, é inspirado na declaração do Tuxuaua Emílio: “Como vai mexer debaixo da terra sem mexer com quem vive em cima dela? O petróleo é o sangue da terra”.

Dico Sateré, representante das lideranças Sateré-Mawé em Manaus, é personagem com participação crescente no documentário e nas conquistas desse povo indígena. Os chefes tribais não foram consultados e acusaram a FUNAI de conivência. Diante das reiteradas invasões da petrolífera, que desobedeceram a acordos e indenizações anteriores, os Sateré-Mawé se levantaram não mais com arcos e flechas mas, em suas palavras, usando a “lei do branco”.

Não tendo encontrado petróleo nas áreas prospectadas, a Elf Aquitaine abandonou a área sem retirar as bombas ou notificar o governo sobre sua localização. Cristiana Tejo chama atenção para o fato de que “índios acharam algumas das bombas e, desconhecendo o teor radioativo do césio 137, passaram a utilizá-lo para curar feridas, matar formigas, entre outros usos. O impacto sobre o meio ambiente jamais foi estudado e a tragédia não teve destaque nos veículos de comunicação, graças ao abafamento dos militares”.

O Sangue da Terra é intercalado por filmagens nas quais representantes Sateré-Mawé nos apresentam às suas tradições e narram a história sob seu ponto de vista – inclusive a sua participação na Cabanagem, revolta contra o governo regencial ocorrida de 1835 a 1840. No vídeo, eles falam sobre seus costumes e instrumentos, como o Porantim, artefato em madeira entalhada que conta a história dos Sateré-Mawé; o Pau de Chuva, apresentado como instrumento de batalha; e a luva de tucandeira, usada em ritos de passagem dos meninos para a fase adulta. Michiles afirma que O Sangue da Terra é, até hoje, uma “fonte de referências para os próprios índios”.


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