Arte como álibi no Caderno Sesc_Videobrasil 10

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postado em 14/01/2015
Elvira Dyangani Ose reúne artistas e pesquisadores oriundos da África e diásporas para quem a arte fornece um álibi para reivindicar, a partir de uma perspectiva individual, a narração de uma memória coletiva

“Muitos artistas contemporâneos contestam a pretensão de fidedignidade e totalidade da história, e fazem da arte um exercício de construção e/ou resgate da memória que almeja reformular a narrativa histórica”, relata Elvira Dyangani Ose, curadora da 8ª Bienal de Arte Contemporânea de Gotemburgo, e editora do Caderno Sesc_Videobrasil 10: Usos da Memória, que será lançado no dia 5 de fevereiro, em São Paulo. Na publicação, ela reuniu ensaios e proposições artísticas de alguns dos mais importantes artistas e pesquisadores de países africanos ou da diáspora. “Para os colaboradores desta publicação, a arte é um álibi para reivindicar para a perspectiva individual a narrativa de uma memória coletiva”, escreve a editora no texto que apresenta e dá título ao Caderno, Usos da memória.

Elvira Dyangani Ose convidou oito colaboradores que lidam com o contexto da massiva descolonização da África, ocorrida entre as décadas de 1950 e 1970 para fazer parte do Caderno 10. Seus textos ou propostas artísticas geram reflexões sobre o arquivo e a história como foco da arte e da sua relação com a construção ou resgate da memória, a fim de reformular as representações históricas. Ela conta que o motivo pelo qual aceitou ser editora convidada deste número do Caderno Sesc_Videobrasil – e que também influenciou a escolha do seu tema – foi a definição do termo “arquivo” por Achille Mbembe (um dos pensadores que contribuíram com o Caderno Sesc_Videobrasil 9: Geografias em Movimento). O arquivo, escreve Mbembe, “não é um dado, mas um status […] acima de tudo, um status material […] por estar lá, o arquivo torna-se algo que prescinde da dúvida possível […]. É prova de que uma vida realmente existiu […]. O destino final do arquivo está, portanto, sempre situado do lado de fora de sua própria materialidade, na história que ele torna possível”.

Segundo Elvira Dyangani Ose, "o foco na memória não só se identifica com minha pesquisa atual, sobre os fundamentos filosóficos do museu moderno e do arquivo pós-colonial, mas também tem base em meu interesse de longa data pelo processo de construção da história", completa.

Elvira Dyangani Ose é professora de cultura visual na Goldsmiths University of London. Foi também curadora internacional da Tate Modern, em Londres, de 2011 a 2014, com papel importante na expansão da coleção de arte africana e da diáspora negra da instituição. Sua pesquisa curatorial se alinha e reforça a concepção de um Sul global com aporte cultural de potências particulares. 

Em 2013, Elvira foi uma das convidadas dos Programas Públicos do 18º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil, integrando o painel que tratou da evolução da videoarte e a questão da identidade do Sul geopolítico, com o título "Pelo mundo: processos e sentidos da internacionalização na arte", com presença da artista e professora cubana Yolanda Wood, do artista e curador de cinema e vídeo Michael Mazière e mediação do pesquisador e curador argentino Jorge La Ferla. Em sua fala, Ose afirmou que, ao contrário do que é frequentemente apregoado, não existe uma arte africana, mas, sim, identidades locais de cada país e, dentro de cada país, ressonâncias em comunidades específicas. Para abordar essa realidade, foram criadas publicações como a Chimurenga (revista impressa e site), que tinha por objetivo a divulgação da universalidade da cultura africana e de suas questões específicas e de seu tempo, indo além de tribalismos, como frequentemente ocorre.

Elvira Dyangani Ose foi ainda curadora do Centro Atlântico de Arte Moderna (2004–2006) e do Centro Andaluz de Arte Contemporânea (2006–2008). Foi curadora convidada da trienal SUD-Salon Urbain de Douala (2010), em Camarões, e diretora artística da 3ª Bienal de Lubumbashi, (2013), na República Democrática do Congo, que contou com uma mostra do Acervo Videobrasil, com o título How can we percieve the landscape?. Elvira publicou ensaios e realizou palestras sobre arte moderna e contemporânea africana em diversas revistas e instituições. É doutoranda em história da arte e estudos visuais na Cornell University, em Nova York.