Desde os anos 60, quando artistas como Paik, Nauman e Vito Acconci usaram o vídeo como forma de registro da performance, o meio eletrônico passou a nutrir um intenso contato com o corpo e suas formas de representação. Em alguns momentos os monitores e as imagens estiveram muito próximos do corpo como em TV Bra for living sculpture (1970), de Paik para Charlotte Morman, e, em outros, torna-se quase um olhar vigilante, distante, que registra e transforma em imagem o ato da performance. A diversidade de experiências nesse sentido nos permite notar como a imagem eletrônica vem se tornando um território propício para expor e refletir sobre a relação entre corpo e imagem. Em certos momentos, há o mero registro, em outros, uma espécie de prótese, e, em outros ainda, invasão.

O trabalho de Gisela Motta e Leandro Lima, que apresentamos nesta quarta edição do FF Dossier, é herdeiro dessa perspectiva. No entanto, algumas vezes potencializa os aspectos do corpo com sua apresentação quase direta, e, em outras, com a recriação do orgânico e de seu entorno, através dos recursos digitais de edição e processamento de imagens. O trabalho de Motta e Lima transcende os aspectos meramente formais da representação corporal e nos mostra mutações em um corpo redesenhado contemporaneamente pela incidência de toda ordem técnicas. Podemos perceber isso em Sem Título#4 (1999), vídeo em loop, no qual uma câmara fixa nos pés de alguém que está em um balanço altera constantemente a posição entre céu e terra. Novas situações para um corpo exposto aos ruídos e interferências  do ambiente digital.

A obra dos artistas se desdobra em videoinstalações, projeções de vídeos e em fotografias que participaram de exposições como Modos de usar, Galeria Vermelho (São Paulo, 2003), Imagética, (Curitiba, 2003), e na recente A foto dissolvida, no SESC Pompeia (São Paulo, 2004).

A ensaísta Stela Senra, em artigo publicado na Folha de São Paulo *, afirma que os artistas nas décadas de 60 e 70 recorreram ao vídeo como “ferramenta política e ao corpo como objeto para mudar as relações do artista consigo mesmo, com o objeto de arte e com o espectador, para interferir na dinâmica entre o público e o privado e redefinir o papel da arte na sociedade.” Tomando a afirmação de Senra, podemos dizer que o trabalho de Motta e Lima caminha em uma direção que simultaneamente rompe e dá continuidade às relações entre corpo, imagem e tecnologia. Essa ideia paradoxal talvez nos sirva para entender a linha que se bifurca: ao mesmo tempo se aproxima da herança dos pioneiros e rompe com ela, em busca de uma nova representação e de um novo espaço para o corpo com outras conexões.

Essas novas conexões podem ser percebidas no uso do vídeo em loop , que insiste em mostrar a realidade em ciclos fechados e na presença de um corpo disforme, rearticulado e reconfigurado. Algumas vezes são os agenciamentos culturais como a identidade que movem a reconstituição do corpo, como em Gisela e Leandro (1998), fotografia que mistura duas pessoas em uma só imagem, ou mesmo a comunicação no “corpo-interface“ da performance Interferência (2003), desenvolvida pelos dois artistas em parceria com Edilaine Cunha e Maurício Ianês. A performance mostra um duelo de esgrima no qual o sistema elétrico usado profissionalmente para a marcação dos pontos é usado para sintonizar sinais de rádio. O corpo em movimento é interface para a comunicação que materializa a obra/ duelo com o outro. Isso faz com que o corpo seja colocado como ponto de inflexão na grande rede de sentidos da contemporaneidade.

* Senra, Stella. "Tela/ pele.” Folha de São Paulo. April 30th. 2000. Caderno Mais!.

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