Ensaio Antonio Ewbank, 2011

18 – Quando não se conhece a verdade de uma coisa, é útil que haja um erro comum suscetível de fixar o espírito dos homens, como, por exemplo, a lua, à qual se atribuem as mudanças das estações, o progresso das enfermidades etc.; pois a doença principal do homem é a curiosidade inquieta das coisas que não pode saber; e não é pior para ele permanecer no erro do que nessa curiosidade inútil. [Blaise Pascal]  

Em 1969, Neil Armstrong, ao protagonizar um feito sem precedentes, tornou-se o primeiro homem a pisar em solo lunar. (“That’s one small step for [a] man, one giant leap for mankind.” Da frase ensaiadai, uma amostra do império sob a capa humanista de sentido.) O astronauta foi um dos poucos a visitar tal paragem de crateras; ao todo, doze compatriotas. Os demais, espectadores que tomaram conhecimento da conquistaii via transmissão radiofônica ou televisiva. A distância, espreitam-se as soluções provisórias dos homens de ciência. Conhecíamos bem a natureza da lua? A experiência imediata correspondeu adequadamente às predições ideadas? O militar norte-americano foi agente da vanguarda que deu início à colonização dos mares da luaiii.

Este é um assunto remoto. Como se sabe, o homem sempre buscou conhecer o universo longínquo ou o mundo ancestral das essências. Da astrologia à astronomia. Do convívio diário e noturno com o movimento orbital do astro diminuto no horizonte ao culto das estrelas e planetas em miniatura, muito se especulou sob a abóbada celeste sobre a influência das constelações no plano de jurisdição terrena. (Muito se especulou sob o céu escalonado dos planetários.) É certo, um vasto reservatório de sentido. Notícias duma época que já desde muito decorreu.

Com a aragem transoceânica, rumores dum Novo Mundo. O arranjo estelar orientou a expansão ultramarina europeia. Na mirada do astrolábio, a técnica impôs o sentido duma rica empresa náutica. Uma miríade de imagens premonitórias compunha o horizonte de águas não mapeadas. O deslocamento na distância do espaço autorizava um movimento análogo na distância do tempo, navegar num interstício geográfico de significação metafóricaiv. Não fosse o poder clarividente das narrativas supersticiosas, nada seriam os recursos mitológicos dos viajantes! Não poderiam corresponder de modo adequado à concepção perspectiva das fábulas tradicionais. Os relatos dos aventureiros possuíam um desígnio impresso. A estampa das cartas náuticas, ornatos e gravuras de criaturas marinhas colossais, confirmava as expectativas milenares. Mas amiúde houve algo para além deste sentido figurado. Um intervalo separava espera e experiência. O magnetismo autoritário dos vagabundos, no regresso à pátria, multiplicava o potencial de atração da brisa atlânticav

Para aquelevi que se dispunha a desafiar o desconhecido e percorrer a lonjura do mito, fazia gosto conservar o não imaginado imaginável, posicionar o desajeitado espectador de visada míope no centro duma arquitetura circular, no interior dum renovado panorama (imperial) de época. Pedagógico, à maneira dum cinematógrafovii, tal projeção proporcionava uma experiência mundana das formas do espaço e do tempo, sobras dum documento animado. Não há cultura que deixe de criar espaços reservados, de exclusão ou reclusão, sacrossantos redutos nos quais a solução do enigma é confiada apenas ao desertor (autóctone).

O deserto não é feito da reunião dos grãos. Sem trégua, sopro e silvo. O vento anuncia um empobrecimento da experiência. A miragem dum futuro colonizado é tal qual aquela descrita pelo oráculo: uma topografia do progresso. Como a biologia do leão da terra, a camuflagem é epidérmica. Grande deserto duma sociedade contida, pois orientada para o amanhã. 

i [2001, 25 min.] Diálogo coreografado. A cadência do texto persegue as imagens. Na trilha grafada, ora um homem, ora uma mulher. O sotaque entrega o estrangeiro. (Forasteiro: O motor é maior do que eu. Eles não iriam me ouvir. Esqueça.) A mulher, o modo como se porta, traz a cor local, o clima ensolarado e a prevalência dos automóveis descorados. Nota-se um descompasso de detetive, calculado, de sorte que o áudio ecoa, dispensa a companhia da legenda; em outras ocasiões, o subtexto entra em cena em silêncio. A razão que equaciona a alternância de humor dos locutores é tautológica. Repito, aqui, o espectador encontra-se num campo artificial. É como se os personagens agissem um pouco às cegas, como contadores de histórias numa sala de estúdio. Do uso e escolha das palavras, não é possível moldar uma fisionomia rígida, fusão semelhante à que existe, por exemplo, entre o rosto dum ator célebre e o som de sua voz. Como nos países onde a dublagem é regra.

ii [2004, 10 min.] Amurada. Pouco se sabe da procedência das imagens ou da atuação de cinegrafia. Um dispositivo flexível ou arma cênica rememora os levantes de rua. Em suma, é útil ter à mão uma forquilha de madeira, que seja, toscamente, provida dum par de elásticos presos a uma lingueta de couro, com a qual se podem lançar pedras. Do estilhaço, o pó cinza filtra a cena de luta.

iii Em ordem alfabética: Mare Cognitum, Mare Crisium, Mare Foecunditatis, Mare Frigoris, Mare Humorum, Mare Imbrium, Mare Insularum, Mare Nectaris, Mare Nubium, Mare Serenitatis, Mare Tranquillitatis, Mare Vaporum, Oceanus Procellarum.

iv [2001, 11 min.] Em vez de nos fazerem lembrar do passado, os novos monumentos nacionais parecem fazer com que nos esqueçamos do futuro. Hoje, sombra dum passado colonial, a cápsula guarda um constrangimento arquitetado. Na rotina, o paraquedas submete-se à vontade dos ventos, subordinado duma companhia extinta. Uma ponte batava aparece em maquete, reduzida na história sintetizada nos dioramas. 

v [2007, 11 min.] A salobra conserva a atenção submersa no ultramar. Muitas imagens reaparecem neste catálogo de passeios e diversões circulares. O lazer da manivela é mover a câmera: o eclipse solar, a maré, o chapéu (mexicano), os acrobatas, o número da morte motorizado. Tudo termina como começa. Em velocidade oracular. Da visada do mirante, os personagens gêmeos caminham para cá e para lá.

vi [2004, 39 min.] Paisagem: pedregosa. O moinho que já não tritura. Seis episódios intempestivos. O cômico é um dos poucos a vagar em tal paragem de crateras. Pergunta-se: existe algo como uma ação que não tenha sentido? A energia do moinho se dispersa constante. Nunca me esquecerei das pedras espalhadas por todo o meio do caminho.

vii [2002, 25 min.] O atleta de pernas esguias. Pelo túnel, não foge a passos largos. (Se assim quisermos, um dos loucos de Arlt?) Conhece parcas passagens secretas. No ritmo mesmo da passada que corre, a recorrente figura da manivela gira em falso. Dínamo escatológico, comanda a oxidação de toda a atuação. Pauta o compasso circular duma projeção contínua de imagens não descritivas. Motor da curiosa tristeza de “ser através de um crime”. Ogalo (de briga) é um fantoche confeccionado para os ringues. Prenuncia, com seu canto, no solilóquio de todos os dias, um novo round. O tolo toca a fuga em marcha atlética.

Entrevista Marcio Harum, 2011

Você esteve em Jacarta em 2001, quando produziu o vídeo 15.000.000 Parachutes. Exatamente dez anos depois, revisitou a Indonésia em uma viagem de campo. Poderia me explicar, sob a ótica do tempo de uma década, as mudanças mais importantes dos fazeres técnicos e conceituais de sua produção artística?   

Acho que com o tempo acabamos polindo e reacomodando as ideias, jogando com outros formatos, aprendendo com a profissão, através da prática de montagem, e com as relações. Mas, definitivamente, os fundamentos de minha obra continuam sendo os mesmos, e muitas vezes retomo as formas ou estruturas com as quais trabalhei há algum tempo. Se muitas vezes a embalagem muda de forma, interessa-me que o conteúdo se mantenha igual. Ser consequente nisso, acredito, é fundamental. 

Viajar à Indonésia dez anos depois daquela primeira experiência foi um revival especial. 15.000.000 Parachutes é um média-metragem e foi feito em praticamente um mês. Quis ver se em quinze dias surgia a mesma magia. Surgiu: esquematizou-se um roteiro, filmou-se uma parte e, por falta de tempo, o quebra-cabeça não foi terminado. Acho que essa viagem me mostrou que meu impulso e, mais importante, minha vitalidade continuam sendo os mesmos dez anos depois. Há ocasiões em que os elementos fluem na mesma direção; outras em que um elo se perde, e a construção cresce para outro lado. Mas, definitivamente, algo foi construído. 

O que você apresentou na 25ª Bienal de São Paulo, em 2002? 

Trabalhei com a fotógrafa sul-africana JoRatcliffe em um vídeo chamado One Year Later. Decidimos trabalhar de forma precária e básica por razões de tempo, necessidades e interesses mútuos naquele momento. Contávamos com uma câmera Diana de formato grande e Jo tirou dela a moldura interna que enquadra as margens do filme. O que se consegue com isso é uma imagem na qual uma foto se sobrepõe à outra como se fosse uma colagem. Dessa forma é possível sincronizar tempo e espaço. Ficamos seis dias filmando em Johannesburgo, na cidade, nas minas em volta, nas estradas para os subúrbios. Depois, selecionamos o material, cortando e colando como se estivéssemos trabalhando em uma moviola de cinema; mas eram fotos, e não imagens em movimento. Com o rolo já editado, grudamos nele duas latas de tomate e passamos o filme na frente de uma caixa de luz. Uma câmera registrava as imagens passando e o ruído das latas se enroscando e desenroscando do material. Quisemos fazer uma história de dentro da cidade. Mas, normalmente, para ser o narrador, você precisa estar fora, de algum jeito; ou a história já existe, ou, como a pessoa que determina e controla a narrativa, você está fora dela. Nesse vídeo, somos tanto quem conta como os personagens, uma posição que não é muito diferente da forma como habitamos e experimentamos a cidade. E também a cidade não é um lugar que possa ser apreendido de uma forma concreta; é um lugar que escorrega, que se afasta da sua compreensão toda vez que você acha que a compreendeu. 

Conte-me algo sobre a Just Like A That Productions. 

Just Like A That é o nome da produtora com a qual realizei vários filmes no começo dos anos 2000. Geralmente eram filmes de média metragem. Eu trabalhava curtos períodos de tempo neles, e com um equipamento relativamente básico. Naquela época, quando eu perguntava a meu amigo, o artista plástico Fahrettin Orenli, como ele tinha conseguido o efeito X ou Y em suas pinturas, ele costumava me responder: ‘just like ’a that’. Essa resposta me parecia muito oportuna. O que parecia complexo se resolvia naturalmente. 

Os filmes que eu fazia naquela época se opunham aos formalismos do cinema e da videoarte. As narrativas estavam sempre abertas à improvisação e às circunstâncias. Se tinha vontade e sentia a necessidade de fazer algo, achava que o fato de não contar com os meios convencionais para realizar um filme não deveria ser um impedimento. Meu lema se assemelhava muito àquele do Cinema Novo: uma câmera na mão e uma ideia na cabeça. Continuo acreditando nele, mas minhas obras recentes se encaixam menos nessa concepção. Têm outro procedimento, são talvez menos impulsivas, menos just like that. 

Qual era/é a maior exigência da obra Oracle, em que você usa obrigatoriamente duas telas para projeções idênticas? 

Há já algum tempo eu vinha dando voltas em torno da ideia de fazer algo com meus registros de vários anos. Esse material é uma espécie de memória, tanto pessoal como do meu entorno, dos anos 1990 até agora. Sempre quis fazer um filme com isso. Usar imagens ilhadas umas das outras no tempo e no espaço, condensando-as em um mesmo ponto. Trabalhar com a ideia de que todos esses tempos e espaços sincronizam-se em um mesmo momento e lugar. Queria falar tanto do presente como do futuro, e Oracle simplificou minha vida. O vídeo faz uma síntese das imagens que acredito serem as mais simples e simbólicas entre as muitas que registrei, com câmeras diversas, em diferentes países da América do Sul, América Central, Europa, Ásia e África do Sul. São imagens que retratam um momento, um presente convulsivo e imprescindível. 

A obra funciona como uma instalação, com duas telas em ângulo. Em frente a elas, um banco. As imagens se repetem nas telas; às vezes adquirem formas, às vezes estendem uma paisagem ou um movimento. A simplicidade das imagens se potencializa não apenas por seu conteúdo simbólico, mas também pela dualidade. 

A obra é flexível. Funciona, também, como monocanal. Muitas vezes me interessa trabalhar com ideias de forma maleável. Que, mesmo terminadas, ainda conservem essa elasticidade. Assim, também meu longa-metragem El camino entre dos puntos se converte em uma instalação de duas telas com o mesmo título. E, de Oracle, provém uma série de desenhos em caixas de luz (Light Boxes from Oracle) e um objeto que trabalha a mesma ideia (Oracle [prototypes]). 

Além de qualquer narrativa investigativa possível, a paisagem natural ou urbana como protagonista surge com força em alguns dos seus trabalhos. As imagens produzidas em algumas de suas obras são mais reconhecidamente originárias de locações na América e na Ásia. Você acharia propício se interessar por contextos culturais sociogeográficos diferentes da Europa, região onde mora há muito tempo? Estou equivocado ou essa observação faz sentido?

Você tem razão, e acontece naturalmente. Acho que meu trabalho, em geral, reflete necessidades do lugar onde é produzido. Encontro fendas pelas quais posso criar pontes, pela ficção, pelo simbolismo ou pela mera representação. Os choques, as contradições e as relações são mais fortes em locais onde as sociedades e também a natureza continuam sua busca. Não me interessa a imagem de uma paisagem de bosque prístino, do ecossistema em equilíbrio. Interessa-me a imagem do deserto, do choque das forças da natureza. O mesmo com as sociedades ou paisagens urbanas. A corda arrebenta do lado mais fraco; é desse lado que gosto de estar. Isso cria sempre mais emoção, mais narrativa, mais sentido, mais absurdo. Esse lugar me interessa. Tendo a reduzir os binômios a sua forma mais simples, mas sempre conservando os elementos essenciais que os formam. 

As fendas são menos radicais na Europa, mais formais e, ainda que presentes, menos visíveis. Essa neutralidade faz com que a realidade pareça menos real. Lamentavelmente a neutralidade na forma e nos rituais diários se transformou em denominador comum para a maioria dos países europeus. Há uma pobreza nessa realidade da qual o meu trabalho não pode se alimentar.

Em quais projetos você anda envolvido?   

Interessa-me talvez mais do que tudo, hoje, voltar à linha de trabalho de pesquisa in situ. Explorar e reconstruir ideias e paisagens. Um tipo de intervenção que me permita deambular livremente e encontrar elementos para poder construir alternativas, novas narrativas. Encontrar equipes de trabalho me parece também fundamental. Reunir forças para ir à deriva pela mesma corrente.  

Agora trabalho em projetos de sets mais armados, baseados no conceito de representação da realidade. Eles tomam como ponto de partida a própria realidade; ela se torna a representação, a ficção. O ator principal é um espelho. Ele reflete o método de representação humano. O espelho se estilhaça em pedaços, e eu continuo procurando respostas em seus infinitos reflexos.

Biografia comentada Marcio Harum, 2011

IT’S TODAY OR TOMORROW IN THIS CITY

Cada instalação ou projeção em vídeo dos trabalhos de Sebastian Diaz Morales (Comodoro Rivadavia, Argentina, 1975) faz ressurgir a presente dúvida, que parte do mesmo ponto desconhecido: se aquilo a que estamos assistindo é uma pesquisa documental, narrativa biográfica em tons fantásticos, jornalismo ficcional ou ode à paisagem (natural e urbana, em seu espontâneo papel de protagonista de um road movie interior). Ver a construção do seu pensamento sobre cinema nos conduz a perceber o que está adiante do espaço e tempo circunscritos nos vídeos e filmes do artista: o aperfeiçoamento de uma imaginação visual potente (sonora ou silenciosa). O movimento das imagens que capta e edita aproxima-se ora da atmosfera de um sombrio thriller psicológico, ora da leveza de cenas de um agradável diário de bordo, ora de um intenso field trip baseado em um contexto geopoliticossocial verídico e alheio. Comenta o passado ou o futuro como uma extensão clara do presente, sem frias análises interpretativas, mas deslocado para um mundo distante. 

Rever o conjunto de suas obras significa perceber genuínas transformações estruturais fílmicas, experimentadas além do que supomos ser apenas material bruto semidocumental. É como receber a própria confirmação das várias e insuspeitadas qualidades de um ensaio ou até mesmo de uma bem-sucedida adaptação literária. O que gera movimento, em seu trabalho, é o desejo de desvendar e reencenar situações originárias de um mundo invisível. 

Resampled

A vida e o trânsito desordenado de Jacarta, a capital da Indonésia, servem de pano de fundo para 15.000.000 Parachutes (2001). Sucessões consecutivas de imagens do monumento nacional ilustram o drama coletivo da megalópole do Índico, com altíssimas taxas de desemprego. Por entre planos urbanos, num mar de antenas, reflexos dos viadutos nas fachadas espelhadas e lixo amontoado a esmo, dublês de paraquedistas saltam de arranha-céus em construção, e edifícios ermos servem de tocante metáfora para quem é obrigado a recomeçar a cada dia, e sempre novamente, a luta pela sobrevivência cotidiana. Segundo Diaz Morales, “then it’s the illusion the second motor of things” (então a ilusão se torna o segundo motor das coisas).

“Casas, mais casas, rostos diferentes e corações iguais”

The Apocalyptic Man (2002) é baseado em Los Siete Locos (Ed. Rosso, Buenos Aires, 1929), de Roberto Arlt – obra-chave para a compreensão a respeito de como e quando a implantação do frenético tempo mecânico das redações jornalísticas começa a influenciar de maneira marcante a criação literária de todo o mundo. Na obra, signos encontrados em uma obscura viagem interior do artista enigmaticamente vão se materializando em meio a uma procissão do Dia dos Mortos, em uma província da região central mexicana. No ponto máximo de tensão elástica da obra, desaparece a personagem principal, e surge um duplo, que é o resultante do encontro dessa parada religiosa com a loucura santa da pequena cidade. “Indubitavelmente, na vida, os rostos significam pouca coisa”, diz Arlt em Los Siete Locos. Como aparições, fragmentos do livro em lettering entram na projeção, cadenciando, pelas imagens em lento movimento e o áudio misterioso, aquele culto de todos à morte. A respiração ofegante dos apostadores de uma rinha de galos traduz o poder de catarse. A desesperada fuga da realidade de um mochileiro, que corre da própria consciência inimiga, enquanto um efeito sonoro parece criar uma bomba-relógio batendo sem parar no subterrâneo coração da sociedade. Está posta ali a essência do que, em Los Siete Locos, aterroriza o leitor: o “vir a ser” através de um crime. Ao dialogar com a obra de Arlt, Diaz Morales reposiciona a construção do pensamento do escritor no presente, e circunscreve seu próprio trabalho de acordo com a passagem cruzada que se dá através dos tempos.  

O momento e o lugar do bárbaro com o estilingue

O contorno branco, pálido, desmaiado, quase sem forma, define o fundo cinzento da realidade crua. Câmeras de imprensa e cenas impressionantes dos noticiários televisivos internacionais. O poder e suas armas. As imagens iniciais de Lucharemos hasta anular la ley (2005) são desde o princípio vertiginosamente densas; avista-se o vulto de um padre de batina que atravessa o campo da batalha popular, instaurado justo em frente à sede parlamentar do governo federal em Buenos Aires. Um ciclista passa incólume ao tiroteio de pedras e à chuva de xingamentos contra o prédio estatal. As trevas de uma atmosfera medieval instalada em praça pública, bem ali no centro político e nevrálgico da vida argentina em dia de protesto civil. Longe de atrair qualquer noção idealista, a partir de um tom crítico quanto à própria cultura visual midiática que nos cerca por todos os lados, são retrabalhadas em Lucharemos hasta anular la ley imagens canônicas associadas à forte crise econômica e social que incontrolavelmente marcou o país no começo da década. Ao contrastar tal broadcasting já evidentemente imortalizado, Diaz Morales levanta artisticamente a força comunitária contra a violência da política suja da Lei de Estado contra o cidadão e a cidadania.

Referências bibliográficas 2011

In a not so distant future 

Registro da mostra de filmes e vídeos In a not so distant future, na sala de projetos especiais do Stedelijk Museum, Amsterdã, em 2003. A mostra reunia os vídeos Water, Box, Handkerchief, Dress/Undress e Force, e a instalação The Enigmatic Visitor, todos de 2003, com acompanhamento curatorial de Wim Peeters.

tele-journeys no MIT 
Documentação da coletiva tele-journeys, realizada no List Visual Arts Center do MIT (Massachusetts Institute of Technology) em 2002. Diaz Morales participou com a obra 15.000.000 Parachutes. A curadoria é da artista Joan Jonas, de Jens Hoffmann e de Jane Farver, então diretora do centro de arte anfitrião.

15.000.000 Parachutes no Tate Modern 
Registro da videoinstalação 15.000.000 Parachutes, pertencente à Coleção da Tate Modern, em Londres. A obra foi apresentada pelo Comitê Latino-Americano de Aquisições da instituição em 2003.

Catálogo on-line do NIMk 
Diaz Morales no catálogo on-line do NIMk (Instituto Holandês de Arte Mídia), que cruza dados da midiateca e indica onde, quando e quantas vezes as obras de um artista foram exibidas em suas programações, tanto na sede quanto em parcerias exteriores.