Ensaio Vera Pallamin , 06/2008

Uma política do desentendimento

Não queremos ampliar a arte na realidade, talvez a realidade na arte e, se possível, a própria realidade na realidade.

BijaRi

 

NAS PRIMEIRAS CENAS VÊ-SE, EM SOBREVÔO, UMA EXTENSA AGLOMERAÇÃO URBANA, DENSAMENTE VERTICALIZADA, SEM QUE SEUS LIMITES APAREÇAM NO HORIZONTE. UM NARRADOR ENTUSIASMADO, EM ‘OFF’, TRANSFIGURA AS IMAGENS DA METRÓPOLE EM CENÁRIO DE UMA DISPUTA ESPORTIVA. NO MEIO DE SUAS RUAS, JOGADORES DE FUTEBOL CORREM VELOZMENTE EM DIREÇÃO A UM CAMPO: ‘VÁRZEA’. NUMA NOTÁVEL COREOGRAFIA, ESTES CORPOS SE MISTURAM À LAMA, EMPENHANDO-SE, ABSOLUTAMENTE, NO NADA. ACABAM PROSTRADOS, COMBALIDOS, COMPLETAMENTE EXAURIDOS, SEM EXCEÇÃO. UM SOM TACITURNO NOS RETIRA DE CENA E OS ESPAÇOS DO CAMPO DERIVAM-SE NAQUELES DA PRECARIEDADE URBANA...


A metrópole e a vida urbana, suas sociabilidades conflituosas e os modos com que (in)disponibilizam espaços de convivência são focos de interrogação constante do coletivo BijaRi. A paisagem urbana com que trabalha na arte não é esta prontamente acessível à percepção imediata. Interessa-lhe a (in)visibilidade das tensões culturais impregnadas em espaços públicos, a emersão de contrastes que dividem pessoas e recursos materiais, as lutas entre grupos sociais envolvendo o direito à cidade.

Formado há doze anos e integrado por artistas e arquitetos, o BijaRi nos reporta a intervenções estéticas em que a arte trata de pensar-se, pensando a cidade, sobretudo esta (não) cidade paulistana. Na compreensão urbanística que permeia incisivamente seus trabalhos, a cidade não é um fundo, um suporte, um aparato; é, ela mesma, protagonista, o cerne do que está em jogo. Processos urbanos são tomados como um campo sensível a ser reelaborado artisticamente, numa reflexão estética que inclui a tomada de posição crítica quanto aos seus valores sociopolíticos. Estes processos, sob o diapasão característico do grupo, são tratados não sob referências abstratas, mas nas suas relações diretas com a concretude urbana. Sua dimensão física é apreendida à luz das relações sociais que ali se inscrevem, repletas de aspectos polêmicos, via de regra fetichizados.
 

Estão vendendo nosso espaço aéreo (2004), trabalho que mobilizou várias linguagens como cartazes, atos celebrativos, apresentações multimídia, cartões-postais e balões, centrou-se no largo da Batata, região paulistana tradicionalmente popular, configurada como um importante entroncamento de linhas de ônibus. Remodelada sob novas demandas, inclusive pela inserção de uma estação de metrô, a área passou a ser incluída na venda de títulos de potencial construtivo (Cepacs), os quais figuram entre os procedimentos financeiros mais recentes de valorização imobiliária, implementados nos negócios urbanos entre estado e investidores. A estética da ‘modernização’ da paisagem envolvida nesta operação traz na sua esteira a gradual expulsão dos usuários habituais desses espaços, desestruturando convivências que ali têm se consolidado há décadas.
Esse fenômeno do ‘enobrecimento’ de certos perímetros urbanos, com a respectiva troca de seus usuários ou habitantes, em detrimento dos mais pobres, foi também o núcleo do trabalho intitulado Gentrificação (2005). Qualificado pelo grupo como uma “intervenção viral”, consistiu na colagem de 2 mil cartazes em distintos lugares da metrópole paulistana que são alvo, atualmente, desse tipo de transformação. Essa intervenção desdobrou-se em novas situações e conflitos, gerando 468 ocupação subjetiva (2006), ação crítica ao movimento de despejo de 468 famílias do edifício Prestes Maia, a maior ocupação vertical motivada por reivindicação de moradia, neste país. O campo aqui era vetorizado pela polêmica envolvida na manutenção de inúmeros edifícios fechados e abandonados na região central, associada à ausência de políticas habitacionais para a população de baixa renda (ambas mantidas até o presente).

A contraposição do BijaRi às iniciativas de “higiene social” efetivadas pela prefeitura de São Paulo é patente em Lave suas mãos (2005), João bobo (2005) e Combate (2005). Esta série de trabalhos, desenrolada nas principais praças do centro histórico, enfatizou o embate entre os modos de apropriação de espaços públicos que ali ocorrem, as contradições sociais que os fundamentam e a remoção forçada dos sem-teto daquela região, de modo a torná-la, aparentemente, isenta da pobreza que lhe é comum.
 

Várzea (2006), um vídeo premiado do grupo, realizado em conjunto com Ricardo Iazzetta, amplifica essa linha de ação. Nele, se por um lado nos deparamos com nossa cidade e referências culturais que lhe são típicas, por outro, desfere-se a própria condição urbana contemporânea: nos termos atuais, o modo de produção induz, para uma esmagadora maioria, a um jogo perdido de antemão – como ratificado no recente livro Planeta favela, de Mike Davis. A propriedade e concisão das suas cenas, sua articulação metafórica e o modo como a sua sonoridade conduz de um estado de profusão ao tom agônico perfazem a atmosfera deste assolamento.
Em suas formalizações estéticas ligadas a videoarte, performances, instalações e design, o BijaRi opera com meios analógicos e digitais. Na esfera multimídia da produção de imagens, uma das questões inescapáveis à arte diz respeito aos estiramentos pervasivos da cultura da imagem advindos de seu emprego como instrumento mercadológico privilegiado. Hoje, quando temos a impressão de que ‘tudo’ está exposto ou, vulgarmente, prestes a vir a sê-lo, os trabalhos de arte com a imagem digital constroem-se como que ‘num fio de navalha’.
As intervenções do grupo demonstram um estado de alerta ao desenrolar de situações e conflitos na cidade, e a escolha do momento propício à ação artística. Várias de suas formulações assentam-se numa urgência associada a certos acontecimentos, a exemplo da expulsão dos sem-teto do centro, da citada intervenção 468 ou de Porque Luchamos? (2007), sincronizado à vinda da presidência norte-americana à cidade.
Sua linhagem de trabalhos, que inclui uma série de ações críticas – das quais mencionamos apenas algumas –, põe em evidência a relação entre o estético e o político, tão discutida no estado atual da arte. Como sabemos, este campo polêmico diz respeito às mudanças ocorridas no plano da experiência, em que a perda da radicalidade crítica foi coetânea daquela da radicalidade política. Nos termos do filósofo Jean Baudrillard, em nossa situação contemporânea, vemo-nos imersos como que numa “realidade integral” que teria absorvido toda sua transcendência, desgastando as idéias de oposição e enfrentamento.

Certamente a idéia de resistência mudou e com ela os modos com que a cultura vai se repensando e se transmutando. O par resistência/engajamento não encontra agora ressonância alguma em nossas práticas culturais. Mas talvez possamos pensar em resistência como desacordo, discórdia. E pensar sua política não como aquela da grande recusa, e sim, de acordo com o filósofo Jacques Rancière, como uma política do desentendimento. Nesses termos, intervenções no sensível podem ser, simultaneamente, golpes de força, e atos poéticos podem ser, ao mesmo tempo, argumentativos, adversos, dissensuais. Abre-se, desta forma, um significativo campo compreensivo a movimentos da arte contemporânea, como estes voltados à relação arte/cidade. Contudo, é preciso atentar ao fato de que a ação dissensual não se efetiva num terreno de garantias, correndo sempre o risco de anular-se no âmbito dos consensos estabelecidos.

No campo da arte, esta articulação interna entre o estético e o político não deve ser tomada como equivalente à idéia de, no limite, eliminar-se a relação assíntota entre arte e vida, promulgando a dissolução por completo da arte no mundo, e assim, anulando-a. Trata-se, pelo contrário, do empenho em reafirmá-la. É neste sentido que podemos compreender os esforços envolvidos na assertiva do grupo em querer ampliar “...a realidade na arte ou, se possível, a própria realidade na realidade”.

Graduada em arquitetura e filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), Vera M. Pallamin é professora doutora na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Desenvolveu pesquisa de pós-doutorado sobre a relação entre arte e esfera pública na University of California, em Berkeley (EUA), e na Università degli Studi di Firenze (Itália), e é autora dos livros Arte urbana – São Paulo, região central (1945-1998), ed. Annablume, 2000, e Cidade e cultura, ed. Estação Liberdade, 2002, entre outros.

Entrevista Denise Mota, 2008

Todo artista tem de ir aonde o povo está?

Esta pergunta nos coloca de cara com uma questão importante para o grupo, a distinção entre povo, multidão e massas*. O povo tem sido tradicionalmente visto como uma concepção unitária, onde as diversidades são reduzidas a uma unidade. A multidão, em contrapartida, é múltipla, composta por inúmeras diferenças internas que nunca poderão ser reduzidas a uma unidade identitária única. A multidão é uma multiplicidade de todas as diferenças singulares. As massas são compostas por todos os tipos de espécies, mas sua essência é a indiferença: todas as diferenças são submersas e afogadas nas massas. Se a multidão não é uma identidade (como o povo), nem uniforme (como as massas), suas diferenças internas devem descobrir o comum que lhe permite se comunicar e agir em conjunto. Se pararmos então para refletir sobre a arte como sendo parte da produção do comum, e a multidão como singularidades que agem em comum, acreditamos que a arte participa da mesma proposta da multidão, criar e agir em prol do comum. É neste lugar que o BijaRi se coloca.

É obrigação do artista discutir a realidade?

De um jeito ou de outro, todo artista coloca sua própria realidade em discussão. Nossa formação em arquitetura nos impele a um constante embate com a cidade. O exercício de viver o cotidiano criticamente faz com que você seja atravessado por uma série de estímulos e tensões. As intervenções surgem de uma urgência que tenta abarcar a diferença entre como você enxerga uma possibilidade para a realidade e como ela é, ou seja, tentamos inscrever uma outra possibilidade de ver o mundo, de viver com ele, de dar sentido a ele. É nessa frágil trincheira que nos colocamos, tentando avançar a criação sobre a aridez que rege as relações e o imaginário urbano contemporâneo e buscando produtos imateriais, subjetividades e afetos que negam as formas comprometidas pela acumulação capitalista. 

Em doze anos, que trabalho se constituiu no maior desafio para o grupo, tanto em termos artísticos como logísticos?

O trabalho feito junto ao edifício Prestes Maia – que foi a maior ocupação vertical da América Latina, com mais de 3 mil pessoas. Esse projeto durou cerca de quatro anos e contou com dez ações do BijaRi e mais de cem de outros coletivos e movimentos artísticos. O mais engraçado é que em nenhum momento vimos essas ações como um projeto; elas resultavam de uma urgência que nos impelia a agir na realidade e a tentar transformá-la, com nossas ocupações subjetivas, com nosso corpo. Em 2003, houve a primeira exposição de artistas no edifício. Foi uma entrada extremamente discutível se pensarmos em termos de colaboração real. Demorou muito até que se pudesse compreender o papel de cada um nesse processo de troca entre artistas e movimento social. Os artistas entenderam que a melhor arma que possuem são as “artísticas”, onde estratégias, formas e subjetividades tornam-se poderosas. Compreendemos também que o aprendizado político e de organização de um grande número de pessoas em rede foi o grande ponto de troca oferecido pelo movimento. 

O BijaRi cria sobre as relações entre indivíduos e com a cidade, e tem São Paulo como lugar central de investigação. Em que outra cidade gostariam de construir um trabalho?

É muito difícil para um artista que trabalha com intervenções urbanas fazer outras intervenções em estados e países que não os seus. Nossa maneira de desenvolver projetos de arte pública sempre buscou uma ligação íntima com o contexto onde ela intervirá (seja ele social, político, arquitetônico, etc.). Por isso atualmente acreditamos em projetos que nos possibilitem uma vivência longa. Não é impossível fazer trabalhos fora, mas se necessita de tempo, pesquisa e sensibilidade. Acreditamos que as cidades latino-americanas têm mais a nos oferecer, tanto pela proximidade sociológica e estética como pela URGÊNCIA que sentimos de fazer perceber essas fissuras, de reforçar outras relações comuns à cultura latino-americana. 

Além do tropicalismo, quais são suas influências?

Inicialmente o coletivo se chamava Fábrica da Bijari, em referência à Factory de Andy Warhol (multiplicidade de linguagens e iconografia pop), e à brasilidade indígena (Bijari é um nome tupi). Uma atitude já fruto da antropofagia e do tropicalismo brasileiros, em que as diversas referências culturais estrangeiras são transformadas sob a ótica da cultura local, tornando-se matéria-prima. Com a formação arquitetônica, o legado situacionista se tornou imprescindível, e processos como a deriva e psicogeografias cada vez mais fizeram parte dos procedimentos do grupo, diluindo as fronteiras entre arte, política e realidade para criar estratégias de intervenção. Em política e filosofia, transitamos pelo legado Nietzsche-Espinosa-Deleuze e por fim na trupe da multidão, como Negri e Hardt. Alguns críticos como Brian Holmes, Marcelo Expósito e Suely Rolnik (que colaboram para as revistas Multitud e Brumaria) são interlocuções importantes. No mundo pop e do entretenimento, diretores de clipes como Michel Gondry, Spike Jonze, Chris Cunningham e Lars Von Trier, designers como David Carson, Neville Brody e Saul Bass, e xilogravuras de cordel. Demos a volta e chegamos ao tropicalismo de novo!!!

Vocês já disseram que movimentos sociais são mais importantes em sua interlocução do que críticos e curadores. O circuito de arte brasileiro não consegue apreender manifestações artísticas de conteúdo político?

Quando o BijaRi começou, nossos trabalhos pretendiam a independência institucional, sem nenhuma relação com o “mundo da arte”. Nosso esforço se concentrava em produzir transformações reais na esfera pública. Quando começamos a descobrir (principalmente fora do Brasil) artistas e críticos com os quais tínhamos afinidades, ficou claro que não estávamos contra o mundo da arte, e sim com uma dificuldade de interlocução dentro do sistema de arte brasileiro. Movimentos sociais, psicólogos e arquitetos começaram a ser mais importantes na nossa interlocução do que os críticos e os curadores locais, que normalmente olhavam nosso trabalho pelo viés formal, não tinham tanto interesse por sua real intenção e potência. A questão que se colocou para nós foi: como e por que se relacionar com curadores e instituições? O diálogo é necessário para construir um saber compartilhado. É nesse espaço que a arte política e a crítica brasileira se encontram: sem um bom diálogo. Hoje em dia sabemos que essas perguntas sobre participar ou não do “mundo da arte” são um falso problema. A questão é como dialogar criticamente com as instituições e com o capital. A chave está em como manter a integridade do projeto e continuar intervindo nesse contexto. Muitos museus e galerias fora do Brasil contribuem de forma positiva para o desenvolvimento de processos artístico-políticos. Aqui, os contornos entre capital e arte são menos definidos, e é mais difícil conseguir obter apoios. É preciso ter muito claro o projeto e as maneiras de viabilizá-lo, sem perdê-lo nem vendê-lo. É como andar sobre um fio de navalha.

Um cliente comercial do coletivo apoiou a ação de protesto contra a visita de Bush. Vocês já perderam trabalhos comerciais por causa do conteúdo político de sua arte?

Esta é uma questão bem interessante. O BijaRi adota uma postura simples – e ao mesmo tempo radical, aqui no Brasil – em relação à divisão entre trabalhos comerciais e autorais. Assumimos claramente a contradição de fazer ao mesmo tempo trabalhos artístico-políticos e corporativos. Para alguns artistas, somos uns vendidos, extremamente comerciais; para o mundo comercial, somos artistas demais. Nesse pequeno espaço nos estabelecemos, acreditando que é possível fazer arte de qualidade e independente, pagando a pesquisa das mesmas com o dinheiro de trabalhos comerciais. Algumas vezes percebemos um incômodo em algum cliente comercial, como, por exemplo, a censura que nos foi imposta pelo Skol Beats em 2005. Fomos chamados para fazer a apresentação de live images no palco principal e recebemos um comunicado que nos impedia de passar imagens políticas, de religião, futebol e sexo. Na maioria dos casos de relação com clientes comerciais, acontece o contrário: uma admiração pelo trabalho artístico, mesmo ele sendo muitas vezes ácido.

Em que trabalho(s) o BijaRi está envolvido?

Em julho, faremos a performance Multidão zero, com trinta pessoas, na Galeria Vermelho, dentro do evento Verbo. O trabalho discute a temática dos protestos, quarenta anos depois de maio de 68. Outros projetos são:
Natureza urbana: parceria com o arquiteto José Subero (da República Dominicana). Na mostra Galerias Subterrâneas, em Curitiba, ocupamos galerias em terminais de ônibus e transformamos um outdoor publicitário em jardim vertical. A obra foi concebida para São Paulo, que atravessa uma mudança de paradigmas visuais com a retirada da publicidade. 
Disk mobilidade: continuando a proposta de intervenções que discutam a natureza urbana, criamos para o Motomix 2008 um projeto de jardins móveis em caçambas usualmente utilizadas para carregar entulho na cidade. As caçambas foram transformadas em jardins com imagens. 
Entropicália: remixada e amplificada: apresentaremos um audiovisual inédito que remixa o movimento tropicalista, aproximando o experimentalismo e a política de nossa contemporaneidade, no Itaú Cultural.
Visionários: com curadoria de Arlindo Machado, entre outros, setenta artistas latino-americanos experimentais foram selecionados para a mostra, que tem início em agosto aqui no Brasil e viaja dois anos pelo mundo.

* O conceito de multidão do qual estamos fazendo uso foi desenvolvido por Michel Hardt e Antonio Negri, publicado no livro Multidão, guerra e democracia na era do império, Editora Record, 2005.

Biografia comentada Denise Mota, 06/2008

Há doze anos, um artista plástico e nove estudantes de arquitetura (oito vindos da Universidade de São Paulo e um da Fundação Armando Alvares Penteado) criaram um espaço comum para fazer trabalhos de faculdade e festas, desenvolver projetos artísticos e debater questões pertinentes ao momento que atravessavam. Dessa multiplicidade de identidades em busca dos mesmos objetivos nasceu o BijaRi, coletivo que, desde os primeiros tempos, ostenta como marca distintiva a idéia da unidade na diversidade.

A característica impregna os muitos projetos artísticos e comerciais que o grupo realiza, em web arte, vídeo, performance, instalação, apresentações ao vivo com manipulação de som e imagem, design gráfico, videoclipe, videodança, intervenção e ativismo. Homenagem ao primeiro endereço, nas proximidades do Instituto Butantã, a palavra Bijari tem origem tupi e significa “casca que solta é a pele que se renova”, o que remete a fontes inspiradoras como a antropofagia cultural e o tropicalismo. O “b” e o “r”, em maiúsculas, facilitam a leitura do nome em qualquer tipografia e, segundo Rodrigo Araújo, do coletivo, “reforçam o BR, de brasileiro”.

Juntos, Araújo, Eduardo Loureiro Fernandes, Flávio Araújo, Frederico Ming Azevedo, Geandre Tomazoni, Gustavo Godoy, Luis Maurício Brandão, Olavo Ekman e Sandro Akel empreendem uma permanente discussão sobre onde estão, quais são e por que se constituem limites e fronteiras – físicos ou psicológicos, explícitos ou camuflados na paisagem urbana. Assim como se propõe a romper com esquemas normalmente aceitos – as divisões tácitas entre ricos e pobres, proprietários e proletários, primeiro e terceiro mundos –, o grupo se afasta dos parâmetros tradicionais da produção de arte ao desenvolver projetos empresariais com a mesma linguagem e o máximo criticismo possível.

A audácia de trazer à tona conflitos latentes no tecido social pôde ser constatada, por exemplo, com Antipop galinha, de 2002. Utilizando um elemento tão simples quanto potencialmente ofensivo – como posteriormente se pôde constatar –, o grupo tornou palpável a intocabilidade de mundos separados por apenas um quilômetro: o dos freqüentadores do Shopping Iguatemi e o dos ambulantes do largo da Batata. A empreitada radiografou reações diametralmente opostas diante da aparição da ave: um estranhamento que se vestia de rechaço e medo na região endinheirada, e de bom humor e cobiça entre os populares.

Em 2004, o largo da Batata seria cenário e protagonista de outra intervenção emblemática do grupo: em Estão vendendo nosso espaço aéreo, balões, placas e folhetos informavam comerciantes e pedestres sobre as implicações de um projeto de “revitalização” da área e denunciavam a especulação praticada por “jacarés imobiliários”. A ação, que integra um projeto do SESC São Paulo envolvendo vários coletivos paulistanos, foi construída em torno do conceito arquitetônico de gentrificação – reforma de propriedade urbana que resulta na remoção da população pobre. Registros do trabalho foram exibidos em 2005 em Kassel, na Alemanha.

A mesma luta contra a gentrificação adquiriu novos rostos e estratégias quando o BijaRi se alinhou, entre 2004 e 2006, às famílias que resistiam ao despejo na ocupação do edifício Prestes Maia, centro de São Paulo. Embrenhados na problemática dos moradores, os artistas se juntaram a integrantes de organizações não-governamentais e outros grupos em uma série de manifestações e ações artísticas e políticas. Em uma delas, criou com outros doze coletivos, como Contrafilé e Frente 3 de Fevereiro, o Território São Paulo, sala especial da 9ª Bienal de Havana. Em meio a ordens judiciais, força policial, helicópteros e câmeras de TV, usou milhares de folhetos para grafar no asfalto o número 468, quantidade de famílias que ficariam na rua com a reintegração de posse do Prestes Maia.

O desafio de criar em outras circunstâncias urbanas se impõe para o grupo, que cria ações para a 3ª Bienal do Mercosul, em Porto Alegre (2001), e faz intervenções nas ruas de Havana durante a 8ª Bienal de Havana (2003). O vídeo Ocupação (2006) documenta a transformação de um edifício abandonado no centro de Pelotas (RS) em suporte para palavras de ordem e frases anônimas pinçadas da cena urbana, numa obra que soma à idéia de intervenção um componente instalativo em grande escala. A temática do uso da cidade de forma eqüitativa e em prol de todos – e não dos que contam com mais cifrões – é a tônica do trabalho.

São Paulo serve de matriz à maior parte das ações de intervenção do grupo, de Poesia dos problemas nada concretos (2002) a João bobo (2005) e Cubo (2005), em que uma estrutura pública de 7 m x 7 m x 7 m recebia projeções de imagens manipuladas ao vivo pelo grupo e outros coletivos. Em 2007, durante a passagem do presidente norte-americano George W. Bush por São Paulo, o grupo usou outdoors espalhados pelas principais vias para questionar o acordo Brasil/EUA de produção de etanol. O trabalho se desdobra em Porque Luchamos?, instalação exibida na 1ª Bienal do Fim do Mundo, em Ushuaia, Argentina, no mesmo ano.

Também em 2007, outro mundo se fez possível em Reconstrucidades, instalação interativa e itinerante em que o grupo oferecia ao espectador, com o auxílio de fichas coloridas, a chance de rearmar sua cidade ideal, visual e sonoramente, de acordo com novos valores e necessidades. De 2006, Várzea, parceria com o coreógrafo Ricardo Iazzetta premiada no 16º Videobrasil, leva para a videodança a reflexão sobre os papéis pré-determinados que se destinam a indivíduos e países no concerto mundial contemporâneo. Na obra, São Paulo – musa, laboratório e enigma que os artistas se empenham incansavelmente em decifrar – faz as vezes de um imenso e simples campo de futebol, em que distintos sonhos e “camisetas” se cruzam em um balé de conflitos, superações e táticas de sobrevivência.

As reflexões sobre natureza e cidade são temas presentes do grupo. Seus projetos incluem a intervenção Disk mobilidade, que transforma caçambas em jardins. Os quarenta anos de Maio de 68 – e a própria idéia de manifestação – são o tema de uma nova performance, que envolve trinta participantes.

Referências bibliográficas 06/2008

BijaRi
Um compêndio tanto das intervenções, exposições e apresentações ao vivo dos artistas quanto de trabalhos comerciais feitos em design, vídeo e outros múltiplos suportes compõe a página oficial do coletivo. 

“Permanente construção” 
No blog mantido pela curadora Régine Debatty, pelo designer Sascha Pohflepp e pelo pesquisador Shin´ichi Konomi, o BijaRi fala sobre sua trajetória, projetos e a compreensão da arquitetura como um “espaço em permanente construção”.

Prestes Maia
Blog de artistas, jornalistas, integrantes de movimentos populares e intelectuais que, como o BijaRi, entre 2005 e 2007 participaram de várias manifestações e projetos culturais em protesto à reintegração de posse do edifício Prestes Maia, no centro de São Paulo, ocupado por 468 famílias