Ensaio Eduardo de Jesus, 11/2008

O arquivo do tempo

A análise do arquivo comporta, pois, uma região privilegiada: ao mesmo tempo próxima de nós, mas diferente de nossa atualidade, trata-se da orla do tempo que cerca nosso presente, que o domina e que o indica em sua alteridade; é aquilo que, fora de nós, nos delimita. Michel Foucault (A arqueologia do saber)

As formas de arquivar, o papel desempenhado pelo arquivo, assim como as potentes relações entre os arquivos e as imagens, são alguns pontos de partida para tratarmos dos trabalhos do argentino Nicolás Testoni. A princípio nosso foco era o vídeo Canto de aves pampeanas (2006), premiado na última edição do Festival Internacional de Arte Eletrônica SESC_Videobrasil. No entanto, observando outros trabalhos de Testoni, ficam nítidos procedimentos similares e as mesmas confrontações com o campo do documentário, com os discursos da memória e suas possíveis fabulações.

Aquilo que, fora de nós, nos delimita, como diria Foucault, dá forma ao arquivo e revela uma complexa relação de alteridade construída com essas fagulhas de tempo que conseguiram ser retidas e acumuladas. Testoni em seus vídeos faz essa operação no tempo da memória. Acaba por recolocá-lo no tempo presente, mas deixando uma série de lacunas que vão ganhando sentido ao longo do vídeo e que vão revelando, aos poucos, essa forma de organização típica dos arquivos. No entanto, ao mesmo tempo mostra sua imponderável atualização, pelas fagulhas de real que afetam e reconfiguram os sentidos das imagens.

Estamos cercados pelo presente daquelas imagens, mas envolvidos numa situação de arquivamento que tanto a locução quando os intertítulos, dividindo as partes de cada canto, nos mostram. Vamos do passado do filme perdido – do qual só resta o registro sonoro do canto das aves pampeanas – à invasão da indústria petroquímica. Testoni associa as imagens, longos planos abertos com nenhum acontecimento aparente, ao som. Somos guiados pelo canto das aves.

(Do canto das aves, confesso que ele próprio me remete às minhas memórias. Meu pai cria pássaros como hobby até hoje. Passei grande parte da minha infância e adolescência vendo meu pai sentado, ouvindo e contando os cantos, as chamadas “flautas” de cada um deles. A sensação, ao ver esse vídeo pela primeira vez, foi de retomar essas situações de memória, não pela imagem, mas sim pelo som. Ouvindo os cantos, lembrei-me de tudo. Madeleine proustiana, mas sonora.)

Os supostos locais onde as gravações sonoras do filme perdido teriam sido feitas são as locações que Testoni escolhe para emoldurar um outro tempo, temporalidade típica desse arquivo que, ao mesmo tempo em que é próximo de nós, é diferente de nossa atualidade. Talvez aquele tempo em que as aves pampeanas pudessem cantar sem precisar dividir a paisagem com a indústria petroquímica.

As imagens de Testoni estão longe da máquina de Morel a que Casares deu forma em seu livro. A invenção de Morel guardava as imagens como se fossem uma forma de vida acumulada no passado, distante de possíveis atualizações. Na ilha, distante de tudo, o fugitivo, ao se apaixonar pela mulher que contempla diariamente o pôr-do-sol, nem de longe imagina se tratar de uma imagem vinda do passado, de alguém que não está ali e nunca mais estará. Uma espécie de projeção do tempo e do espaço, estranhamente incrustada naquele espaço-tempo da ilha. Ao contrário, em Canto de aves pampeanas não temos somente as imagens do passado a compor o arquivo. Convivem junto em um mesmo registro, sempre oscilante, o tempo das aves, do suposto filme perdido, com as imagens atuais desses possíveis lugares. Tudo é estranhamente real e atual, mesmo porque o movimento proposto é uma forma de atualização, paradoxalmente construída como arquivo, misturando de forma dinâmica passado e presente. Testoni nos mostra que a estabilidade do arquivo é atualizada pela natureza das imagens, pelo que elas revelam tornando-se instável em nossa percepção.

O dispositivo construído por Testoni para seu vídeo fala do arquivo, mas também da impotência dele. Estrutura-se como um audiovisual didático, nitidamente inspirado em filmes de observação, em catálogos indexados e organizados por tipos de pássaro. No entanto, o canto das aves, que a princípio emoldura o campo com as imagens, acaba por nos arremessar para fora dele quando, aos poucos, nas três divisões que estruturam o vídeo, vemos cada vez mais indústrias ocuparem o espaço. No fim, junto à descrição do canto de cada ave, aparecem os nomes das indústrias, tudo conduzido pela voz imposta do locutor que os enumera. Aquilo que vem de fora do campo, o canto das aves (já que elas não são mostradas em primeiros planos como nos documentários didáticos), acaba delimitando-o, para logo em seguida ser rompido. Falha no arquivo. O suposto didatismo dos procedimentos usados por Testoni ganha outros contornos, refaz outro trajeto entre passado e presente. Guarda um tempo que parece vazar das imagens, especialmente pelo rigor com que o diretor conduz a construção desse “falso” arquivo.

Não há qualquer texto que funcione como legenda junto às imagens. Somente ao final do vídeo são associados os cantos, os locais e o que se passava neles, que com isso ganham a mesma dimensão com os habitantes do local e suas vidas cotidianas. O arquivo nessa instabilidade ganha novo sentidos, acaba mesmo por nos delimitar, por conformar uma certa atualidade, um certo tempo que passa diferente entre presente e passado.

Ainda podemos perceber nessa obra uma potente tensão em torno do campo do documentário, especialmente no sentido de ampliá-lo para áreas de passagem e de contaminação entre outros domínios. Talvez isso seja um dos traços distintivos da experiência do documentário mais contemporâneo que tenta fugir do espetáculo (no sentido debordiano do termo), das singularidades dos personagens e das situações preestabelecidas. Alguns desses documentários buscam, por sua vez, aquilo que é mais ordinário, mais comum, para que a voz do “Outro” apareça diferente. Menos espetaculares e mais abertas, essas experiências apontam para lugares menos padronizados pelos estereótipos recorrentes e mais propícios à invenção dos sujeitos que vêem e daqueles que se deixam mostrar, inclusive os próprios diretores, como, por exemplo, em Passaporte húngaro (2003), de Sandra Kogut, e 33 (2004), de Kiko Goifman, entre outros.

Testoni, em seus outros trabalhos, também deixa transparecer essa filiação ao documentário contemporâneo, nítido na série de cinco curtos episódios de El puerto (2003-2006). Trata-se de personagens locais, quase sem qualquer “singularidade espetacular”, que relatam as suas experiências cotidianas no porto da cidade de Bahía Blanca (Argentina), onde Testoni vive e trabalha. Os planos fixos e as imagens pouco ilustrativas revelam a situação de imprevisibilidade daquelas vidas. Segundo Testoni, esse projeto se estrutura como uma série, dentro de um conceito televisivo, mas para passar de mão em mão, e não nos canais configurados. Um registro aberto de memórias, sem formato final ou conclusivo em torno das imagens.

Os aspectos da memória também aparecem no vídeo S/T (White Noise, 2007), de Testoni e Ricardo De Armas. Com uma sofisticada edição de imagens retiradas de velhos filmes domésticos em super-8 e elaboradas interrupções no fluxo das imagens, o vídeo explicita o ritmo e a freqüência da memória. O que vemos parece ser uma materialização dos modos de funcionamento da memória, das suas falhas e defeitos constitutivos encadeados em situações fugazes de lembrança e esquecimento, como oscilações. As possíveis recordações que esse vídeo parece suscitar, também no contexto de Bahía Blanca e do porto de Ingeniero White, são sempre lacunares e reiterativas, estruturando-se tanto na imagem quanto em sua ausência para a construção dos sentidos.

Os trabalhos de Nicolás Testoni traduzem de forma contemporânea algumas das tensões da memória, das formas de arquivamento, das diluições entre formatos e gêneros audiovisuais, nos mostrando alguns dos caminhos pelos quais trilha a imagem eletrônica na atualidade, em seus enfrentamentos com a vida social.

Entrevista Denise Mota, 11/2008

Sua obra tem como cenário e temas a vida nos arredores do porto de Bahía Blanca. Como percebeu que esse era o universo que te interessava tratar?

Não tenho certeza que esse universo tenha limites tão definidos, mas, se se trata de tentar traçá-los, teria que começar dizendo que uma coisa é Bahía Blanca, e outra, o seu porto, Ingeniero White. Bahía é uma cidade mediterrânea junto ao mar. O porto lhe pertence, mas ela dá um jeito para que isso permaneça fora do imaginário e da rotina da maioria de seus habitantes. Encontrar o mar em Bahía Blanca é difícil. Você pode passar a vida inteira sem conseguir achá-lo. Quando eu era pequeno, a expressão “ir ao mar” equivalia a visitar praias mais longínquas. Atravessar alguns poucos quarteirões para encontrar o porto de Ingeniero White terminou por ser, anos depois, uma operação consideravelmente mais complexa, da qual esses vídeos, sem dúvida, fazem parte. 
O que a relação, tão particular, entre Bahía e seu porto nega ou obscurece não é somente a possibilidade de contemplar uma paisagem, mas também a de compreender uma história através dela. Bahía Blanca é uma peça-chave dentro da imagem mítica da Argentina como “celeiro do mundo”. Estabelecida em 1828 como um forte militar, Bahía se desenvolveu em estreita relação com a constituição, no país, do que conhecemos hoje como o “modelo agroexportador”. Esse processo incluiu a expulsão e o extermínio dos povos originários dessa terra, por parte do Estado, a instalação de ferrovias, portos e usinas de propriedade de empresas européias (inglesas, em particular), e a chegada de uma imensa massa de migrantes pobres provenientes da Itália, da Espanha ou dos Bálcãs. 
Poderíamos dizer, então, que, através de seu porto, Bahía Blanca se conecta com a história do país e, também, do mundo, e que esse não é um fenômeno próprio da mais ou menos recente “globalização”, mas um processo que se dá há muito tempo. Meu trabalho, como o de outros artistas da cidade, se propõe a rastrear as pegadas dessa história. Como você vê, cada coisa desse pequeno universo possui, ao que parece, uma secreta conexão com lugares distantes e épocas remotas.

Você estudou e trabalhou em Buenos Aires, e depois voltou a Bahía Blanca. De que maneira a experiência portenha mudou ou aprofundou seu olhar sobre a realidade de sua cidade? 

Suponho que viver em Buenos Aires tenha sido o preâmbulo necessário para começar a me interessar por meu próprio lugar de origem. Como você sabe, a relação, muitas vezes conflituosa, entre Buenos Aires e as demais regiões do país – isso que os portenhos chamam de “o interior” – está na vértebra de grande parte da nossa história como nação. Buenos Aires é, ou se apresenta, como a grande cidade e o grande porto do país. Ou seja, por um lado é o centro de referência obrigatório para as outras cidades e, por outro, monopoliza nossa relação com o exterior. É por isso que muitos bahienses se sentem imaginariamente mais próximos desse porto (Buenos Aires) do que do seu próprio. Em suas cabeças, ser “poeta”, “pintor”, “artista” pressupõe abandonar Bahía Blanca para ir à “capital”. Eu tentei a mesma coisa, com o resultado contrário. 

Seus vídeos tratam sempre da relação entre preservação ambiental, desenvolvimento econômico e avanços sociais. Em um deles, um entrevistado diz algo como: “Gostaria que existissem os dois (avanços industriais e a praia), mas isso não seria possível”. É incompatível harmonizar a preservação da riqueza natural e suas possibilidades econômicas?

A pessoa que você menciona é Atilio Miglianelli, que trabalhou a vida inteira como escafandrista na ex-usina General San Martín e faleceu no ano passado. Ele foi testemunha de uma época em que trabalho e a vida podiam andar juntos em Ingeniero White. Era um trabalhador do porto e, ao mesmo tempo, um Mr. Costa Azul; passava horas e horas sob o sol dos balneários da região. Lugares aonde, como ele diz, se podia ir com um lanche ou a garrafa térmica e o chimarrão debaixo do braço, para passar o dia. Por motivos que tomariam muito tempo para explicar, hoje as coisas mudaram, a ponto de ser ridículo, quase impossível, pensar em um trabalhador ferroviário, portuário ou do pólo petroquímico veraneando com a família a poucos metros do lugar onde trabalha.
Talvez Atilio respondesse sua pergunta dizendo que a riqueza nunca é “natural”, que sempre pressupõe a existência de trabalhadores como ele; e que, nesse contexto, não é somente a relação entre produção econômica e ambiente que mudou, e não para melhor, mas também a relação entre capital e trabalho, e, com ela, os recursos de uma comunidade para habitar seu lugar sem destruí-lo. Atilio sente falta dos velhos balneários, mas sente muito mais saudade do tempo livre e da relativa folga econômica que permitia a todo um povo passar o dia nesses lugares. Cada novo empreendimento que se instala hoje em Ingeniero White emprega menos pessoas do que o anterior. No contexto de um futuro trabalhista precário, incerto, as pessoas têm que trabalhar mais. 
Por outro lado, um aspecto desse empobrecimento que não é menor tem a ver com a capacidade dos habitantes de organizar a vida comunitária, que foi dizimada. Atilio trabalhava na usina, mas, ao mesmo tempo, administrava, sem cobrar por isso, a piscina do Club Puerto Comercial, que era enchida semanalmente com água da foz de Bahía Blanca. Ou seja: a relação entre produção econômica e preservação ambiental se dá aqui a partir da relação não resolvida entre produção e distribuição da riqueza, ou entre desenvolvimento econômico e desenvolvimento social, termos que – apesar do que pretende nos convencer o discurso de políticos e empresários – não são necessariamente sinônimos. 

A série El puerto mostra, de maneira muito dinâmica, breve e contundente, a realidade de distintos personagens relacionados com a atividade industrial de Bahía Blanca. Como você chegou a essas pessoas?
El puerto tem muito a ver com meu trabalho em Ferrowhite, um museu dedicado a registrar e difundir a memória dos trabalhadores desse lugar. Esses vídeos fazem parte de um processo extenso; a entrevista costuma ser o ponto de partida para uma relação que às vezes perdura no tempo. Pessoas como Atilio ou Pedro Marto passaram de entrevistados a parte da vida diária de nosso museu. Entrevistamos Pedro há três ou quatro anos. Hoje ele é protagonista de Marto concejal [Marto vereador], obra de teatro documental em que conta sua vida. O que começou como vídeo terminou teatro. O teatro resultou para mim em uma forma radical de documentário colaborativo, em que o trabalho de edição é realizado com o entrevistado, sobre sua própria memória e corpo.
Ferrowhite é um espaço bastante singular, em que a história, como disciplina, se cruza com práticas e reflexões que vêm do campo das artes. Nesse contexto, acredito que a série El puerto explora o vínculo improvável entre museu e televisão, ou seja, entre uma instituição que procura ampliar nossa experiência do tempo e um meio que, com sua instantaneidade, reduz essa experiência até quase anulá-la. Cada episódio da série El puerto brinca de ser televisão – e a retórica televisiva é útil, na medida em que permite atrair para o museu um público mais amplo, não especializado; mas trata-se de uma televisão lenta, uma televisão sem canais ou transmissora, que se propaga de mão em mão, e tem por trás de cada minuto editado dezenas de horas de registro.

Há uma forte carga documental nesses trabalhos, que destacam pessoas em condições sociais precárias, mas que solucionam seus problemas com ânimo e, às vezes, bom humor. Documentário, retrato social e videoarte: essa mistura está na essência de sua obra?

É verdade, as coisas se misturam. Ainda que não ache que a mistura resulte em algum tipo de essência. Pelo menos não é essa a intenção. Se a mistura se estabiliza, ela se converte em receita, um modo de impor uma justa proporção por sobre a heterogeneidade dos elementos que estão em jogo. A idéia, pelo contrário, é inquietar, ao menos um pouco, as previsibilidades próprias de um gênero ou disciplina ao transpô-los ou cruzá-los com outros.
Um vídeo como Canto de aves pampeanas pode ser entendido como uma espécie de discurso ecológico, próprio de certa tradição documental, mas pode ser visto, também, do ponto de vista da especificidade do vídeo como arte, se prestarmos atenção, por exemplo, na convivência de distintas temporalidades dentro de um mesmo plano. Em Canto de aves... cada imagem é composta por fragmentos de cenas distintas, fragmentos espacialmente contíguos entre si, mas descontínuos em termos temporais. Esses olhares têm para mim seu ponto de contato em um gênero aparentemente distante, a pintura de paisagens. É na paisagem pictórica que a crônica da transformação da natureza pelo capitalismo e a busca de novas formas de representar o tempo e o espaço se enlaçam. Talvez Canto de aves pampeanas possa ser pensado como uma tentativa modesta de propor novamente, e por outros meios, tarefas e preocupações que já foram próprias do pintor.
Esses vídeos não são mais do que tentativas de tornar um lugar habitável. Portanto, o que eles gostariam de aprender dos “sobreviventes” que retratam é algo mais que um tema: é uma lógica, uma maneira de fazer. Diz-se que nas construções mais velhas do porto de Ingeniero White é possível encontrar ainda os materiais que o Ferrocarril del Sud trouxe. Chapas supranumerárias e madeiras de embalagem utilizadas para improvisar casas que durariam mais de um século. O dado é menos pitoresco do que parece. Do ponto de vista dos atuais engenheiros da indústria, Ingeniero White seria um resíduo que o presente desenvolvimento da ciência logística estaria em condições de suprimir. Apesar disso, é difícil precisar quanto, na vida dos habitantes do porto, continua a depender dessa mesma habilidade furtiva, da faculdade de operar com restos para estabelecer com eles combinações inesperadas.

Biografia comentada Denise Mota, 11/2008

Aos 34 anos, Nicolás Testoni não pára de pensar em uma história que o antecede em quase dois séculos: a da cidade de Bahía Blanca. Porto e balneário no passado, hoje pólo petroquímico e um dos maiores escoadouros da produção argentina, o município foi fundado em 1828 como um forte e, duas décadas mais tarde, cortado por uma ferrovia que o conectava ao interior, num prenúncio do futuro industrial que lhe estava destinado. O progresso forjado a ferro, petróleo e fumaça deixa uma marca agridoce na memória dos habitantes das imediações do porto de Ingeniero White, epicentro da atividade econômica e das rápidas mudanças ocorridas no lugar. 

Criado em meio a narrativas diretamente ligadas a essa realidade, de pessoas que construíram a vida ao sabor da maré – num lugar onde, hoje, segundo o artista, “a expressão ‘ir ao mar’ equivale a visitar praias mais longínquas” –, Testoni escolheu como material de investigação a capacidade dos bahienses de reelaborar a existência a partir dos efeitos do avanço acelerado e desordenado. 

Após morar na capital argentina, onde cursou comunicação na Faculdade de Ciências Sociais da Universidad de Buenos Aires e trabalhou como estagiário no Departamento de Cinema e Áudio do Arquivo Geral da Nação, em 1997, e professor ajudante da Oficina de Expressão em vídeo na UBA, em 1999, decidiu retornar à terra natal para criar e viver. Para muitos artistas de sua cidade, “ser poeta, pintor, artista pressupõe abandonar Bahía Blanca para ir a Buenos Aires”, conta. “Eu tentei a mesma coisa, com o resultado contrário.” 

Em casa, desenvolveu vídeos para o Museo del Puerto de Ingeniero White até 2004. O desembarque no museu e ateliê Ferrowhite parecia tão natural quanto obrigatório: as linhas-mestras da instituição, que tem como objetivo resgatar a história da população local e transformá-la em arte, iam ao encontro do que buscava com suas obras, ao incorporar elementos do documentário à videoarte. 

Um dos primeiros registros de Testoni é um bom exemplo dessa prática. Rodolfo René Boiardini carga un bidón con agua (1999) flagra um homem de meia-idade em um momento trivial de sua rotina. Enquanto carrega um galão de água, Boiardini comenta episódios entre fantásticos e, suspeita-se, fantasiosos que presenciou do pós-Segunda Guerra à ditadura argentina, descreve de que forma viu um cometa cruzar o céu, como sobreviveu a epidemias e o dia em que conheceu pessoalmente cantores que o fascinavam. 

O mesmo contato vivo, guiado pela espontaneidade do entrevistado, está na série El puerto, iniciada em 2003. A coletânea de retratos audiovisuais deixa transparecer o dia-a-dia de quem forma a mão-de-obra das companhias do porto, um cotidiano pontuado de percalços advindos de condições de trabalho geralmente insatisfatórias. 

Canto de aves pampeanas, um dos mais recentes trabalhos de Testoni, foi premiado no 16º Festival Internacional de Arte Eletrônica SESC_ Videobrasil, no ano passado, ao apresentar uma reflexão melancólica e crítica sobre a intervenção humana no ritmo da natureza. 

O vídeo une o áudio de um velho documentário, que reproduz sons emitidos por pássaros da fauna argentina, a registros atuais da paisagem de Bahía Blanca, captados por Testoni. O prêmio pela obra lhe rendeu uma residência artística do Programa Videobrasil de Residências, no Instituto Sacatar, na Ilha de Itaparica, Bahia, em 2008.

Referências bibliográficas

Ferrowhite no dia-a-dia

No blog, uma agenda comentada de atividades relacionadas com o museu e com eventos que formam o cotidiano de Bahía Blanca. 

Porto no palco
Em outro blog, os integrantes do museu Ferrowhite detalham o projeto de teatro documental desenvolvido pela instituição, em que trabalhadores ferroviários e portuários falam sobre suas vidas no palco sob orientação de diretores de teatro tradicional.

Bahía Blanca
Página oficial da cidade, fundada em 1828, no sul da Província de Buenos Aires. Com cerca de 290 mil habitantes, é uma das localidades portuárias mais importantes da Argentina e o 14º maior município do país. Encontra-se a dez quilômetros do Mar Argentino, território com extensão de um milhão de quilômetros quadrados.

Universidade de Buenos Aires
Site da universidade, estabelecida em 1821, onde Testoni cursou ciências da comunicação. Com mais de 250 mil estudantes e cerca de 20 mil docentes (segundo dados do censo de 2000), distribuídos em 67 carreiras, a UBA é um dos principais centros de formação e pesquisa da Argentina