O 13º Videobrasil acontece num momento em que as fusões, os híbridos e a experimentação parecem viver um momento único. Com a disseminação de novas tecnologias, as possibilidades se multiplicam, os meios se influenciam, e torna-se cada vez mais difícil delimitar fronteiras entre plataformas como vídeo, internet e CD-ROM.

Nesta edição, a comissão de seleção analisou 644 trabalhos (488 vídeos, 98 CD-ROMs e 58 de webart), número recorde que representa também um aumento de 61% em relação ao anterior. O número e a variedade de autores e obras permite construir um vasto panorama do que vem sendo pesquisado e feito hoje na arte eletrônica.

O Festival dividiu-os em duas categorias – vídeos e novas mídias – e, para a mostra competitiva, escolheu 99 vídeos de 13 países (num total de 98 horas), além de 18 obras em CD e 17 feitas para a internet originárias de 15 países. Na nova organização, a competição de vídeos foi aberta aos países em desenvolvimento e aos de língua portuguesa, enquanto a de novas mídias não teve restrições.

O videoartista Eduardo de Jesus, coordenador do curso de comunicação integrada na PUC-MG, e a curadora Solange Farkas selecionaram os vídeos em competição. A escolha das obras em CD-ROM e webart coube a Rafael Lain, Angela Detanico – eles já fizeram parte do grupo Burritos do Brasil e, atualmente, mantêm o estúdio de design Fêmur – e ao artista multimídia Gilbertto Prado.

Os trabalhos selecionados foram julgados por um grupo de curadores e artistas que vêm propulsionando a arte eletrônica: José-Carlos Mariátegui, do grupo Alta Tecnología Andina, do Peru, Priamo Lozada, curador do Laboratorio de Arte Alameda, do México e do artista Gilbertto Prado.

Comissão de seleção |

Artistas selecionados

Obras selecionadas

Prêmios e menções

Membros do Júri

Projeto de troféu

Este ano, o troféu Videobrasil foi criado por Carmela Gross, uma das mais importantes artistas de uma geração que começou a ganhar força nos anos 70 no Brasil. A obra de Carmela Gross destaca-se por uma contínua investigação e experimentação de suportes e materiais, características que a tornam coerente com o momento de encontros e fusões que caracteriza o 13º Videobrasil.

As obras de Carmela Gross podem ser feitas de pedras, usar dobradiças como elementos para composição, ter tecido como suporte. Nascida em São Paulo em 1946, oriunda de uma geração que desempenhou papel artístico e político fundamental a partir dos anos 60, ativa na luta pela liberdade de expressão durante os anos de regime militar no Brasil, ela é também uma incansável pesquisadora de materiais e de processos de criação. Experimental, serial – trafega com desenvoltura por um universo que inclui a repetição do gesto, o que resulta em obras de impressionante impacto visual –, é a artista convidada para criar o Troféu Videobrasil. Um encontro natural em uma edição em que a ruptura parece ser a palavra-chave. Afinal, Carmela Gross, que já incorporou buracos no asfalto em uma de suas instalações, é autora também de trabalhos interativos, como no caso de "Hélice", do início dos anos 90, em que a participação do visitante transforma a obra. Neles, a própria construção das peças – móveis, às vezes dobráveis – parece convidar ao toque e, assim, deflagrar a experiência artística.

Statement do Júri

Na cidade de São Paulo, a 23 de setembro de 2001, o Júri da Mostra Competitiva do 13.o Videobrasil - Festival Internacional de Arte Eletrônica, composto por PRIAMO LOZADA (curador do Laboratorio Arte Alameda - México), JOSÉ-CARLOS MARIÁTEGUI (Presidente da Alta Tecnología Andina - Peru) e GILBERTTO PRADO (artista multimídia e professor da Universidade de São Paulo), decidiu conceder 6 (seis) prêmios e 6 (seis) menções honrosas, selecionando 12 (doze) trabalhos de um total de 135 (cento e trinta e cinco) obras inscritas. O Júri selecionou os trabalhos de acordo com os seguintes critérios: originalidade, uso inovador do meio, proposta conceitual e diversidade cultural. A natureza colaborativa da maior parte das seleções foi uma característica dominante, definindo um novo modelo para o trabalho coletivo. Na Mostra Competitiva de Vídeo, uma vasta gama de trabalhos produzidos na América Latina, África, Europa Oriental, Sudeste Asiático e Oceania, assim como em países de língua portuguesa, foram apresentados. A diversidade e a riqueza destas propostas apontam para a vitalidade do vídeo em contextos em que existem poucos recursos para a produção ou poucos incentivos à criação. Sob este ângulo, o Videobrasil é um importante fórum para a troca de idéias, assim como uma plataforma para a apresentação desta diversidade. Na Mostra Competitiva de Novas Mídias, que foi aberta a artistas de todo o mundo, a seleção gerou uma discussão aberta sobre o papel das novas tecnologias de mídia na prática artística. Por essa razão, a seleção foi orientada para trabalhos que criassem experiências únicas e individuais para os espectadores, assim como novas formas de narrativa não-linear e uso inovador de interfaces que formulassem conceitos híbridos e experimentais. PRIAMO LOZADA JOSÉ-CARLOS MARIÁTEGUI GILBERTTO PRADO

Texto da comissão de seleção 2001

Tempo de dúvidas e novas fronteiras

"Certezas o vento leva, Só as dúvidas ficam de pé" - Paulo Leminski 

A produção audiovisual nos últimos anos vem passando por profundas e intensas modificações que nos levam a pensar em uma imagem: o mapa de um território em constante movimento. Cada um dos traços que compõem este mapa, na verdade, está sobreposto a outros milhares de traços em muitas direções. Como se o papel ou a superfície tivessem profundidade e permitissem aos traços se desenvolver em múltiplas perspectivas. Longe de traçar um horizonte único e uma só perspectiva, a seleção dos trabalhos da mostra competitiva teve essa característica: a dúvida. Temos de, sobre o movimento e o incontrolável tempo, traçar um mapa, tentar, mesmo que parcamente, definir um território. Sabemos que as mudanças tecnológicas na forma de produção audiovisual nos últimos anos arremessaram-nos num abismo de possibilidades criativas, vindas essencialmente de fusões, hibridações e trocas entre os ambientes do vídeo e das mídias interativas. A democratização do computador, a introdução de softwares mais velozes e menos complexos, o acesso à informação desenham uma paisagem livre, confusa e fluida, à espera de ser ocupada por novas linguagens ainda em definição.

As plataformas de edição e captação de imagens digitais alteraram a maneira de produzir vídeos e aproximaram de forma intensa as características de cada um dos produtos; assim temos CD-ROMs que usam das estruturas mais típicas do vídeo e, de outro lado, temos trabalhos em vídeo que parecem incorporar as inúmeras possibilidades geradas pelas tecnologias interativas. As fronteiras tornaram-se tão tênues que os trabalhos são inclassificáveis. O texto escrito, por exemplo, que sempre teve um lugar na produção audiovisual, mantém-se, mas vem agora também das páginas da web, dos e-mails e das interfaces interativas da internet. Mais que mero recurso de produção, as novas mídias realmente produziram uma alteração na nossa forma de percepção das imagens e geraram novas fontes e formas de exibição. No entanto, essas alterações transcendem as previsões e geram de modo muito intenso reposicionamentos, movimentos, e com isso trabalhos absolutamente inquietos. Nesta diversidade vinda das fusões com as mídias interativas, e mais a inquietude que sempre caracterizou a produção audiovisual contemporânea, traçar um mapa e definir um território podem ser atitudes arriscadas. Sabemos que é entre as imagens, entre os suportes e as possibilidades técnicas e subjetivas que se desenvolvem esses trabalhos. Não há estabilidade que resista à velocidade com que os artistas se apropriam e subvertem a utilização dos meios na produção audiovisual. A web cam, com seu registro pouco preciso e quase rudimentar, torna-se o instrumento que revela a inquietude dos realizadores em busca de novas possibilidades e soluções imagéticas.

O corpo, consagrado como lugar e suporte da experimentação desde os trabalhos de Nam Jum Paik e Morman, por exemplo, conecta-se à tecnologia e abre inúmeras outras possibilidades. A memória rearticula-se nos registros fílmicos retomados pelo ambiente eletrônico, as imagens, quase lapidadas, buscam uma atualização do passado. As fusões e hibridações vindas das inúmeras sobreposições de suportes e técnicas fazem da imagem eletrônica e das produções interativas um campo aberto, conflituoso e dinâmico, na medida em que revelam as inquietações de uma geração de artistas diante dos problemas contemporâneos.

Raymound Bellour nos lembra que é entre as imagens que podemos perceber esses processos: “É entre as imagens que se efetuam, cada vez mais, as passagens, as contaminações, de seres e de regimes: por vezes muito nítidas, por vezes difíceis de serem circunscritas e, sobretudo, de serem nomeadas. Mas se passam, assim, entre as imagens, tantas coisas novas e indecisas, é porque nós passamos também, cada vez mais, diante das imagens, e porque elas se passam igualmente em nós [...]”. Ora, se estamos entre as imagens é natural que elas revelem as experiências pelas quais passamos: as alterações na vida social, as questões suscitadas pelo domínio do biotecnológico na sua relação com um “novo corpo”, a memória como fator de construção da identidade e a velocidade das interações e das trocas simbólicas típicas dos nossos dias. Tudo isso se revela, de alguma forma, no intenso movimento da produção audiovisual contemporânea.

Essa grande dúvida, esse mapa pouco preciso que tentamos fazer na mostra competitiva, nos colocou questões fundamentais. Não há fronteiras e não há formatos privilegiados - o CD-ROm e a internet, bem como o vídeo, se misturaram de tal forma que não se justifica mais, pelo menos depois de termos visto todos os trabalhos, criar separações, o que nos faz repensar a própria estrutura de organização do festival na próxima edição. O que há é a produção audiovisual que se serve de todas as mídias e processos de produção imagética para revelar a complexidade do mundo atual.

A produção é vigorosa e diversificada, além disso é inquieta e subverte, com muita força, os caminhos mais bem definidos e se lança em territórios movediços que parecem estar mais aptos a mostrar a complexidade deste novo século. A experimentação com a imagem e com as questões mais centrais das mídias interativas, como a própria interatividade, a convergência dos meios e a exploração das fronteiras dissolutas revelam que o Videobrasil sempre apontou na direção correta, ao privilegiar trabalhos mais centrados na ousadia e na subversão das possibilidades mais corriqueiras dos meios para atingir caminhos mais contemporâneos e experimentais no uso dos meios técnicos para a produção artística.

Pouco importa se é VHS ou digital, se é CD-ROM interativo ou DVD; o que importa é como articular uma voz, uma autoria na construção desses trabalhos.

A seleção de trabalhos desta 13.ª edição do Videobrasil tenta apontar, de alguma forma, para o que há de mais inquieto e mais híbrido na produção contemporânea. Os formatos se misturam, as técnicas se reciclam em novas configurações, e o que era típico de uma experiência se renova ao mudar de curso. Assim vemos artistas que parecem retomar os precursores da imagem eletrônica produzindo trabalhos abstratos e completamente afastados da realidade objetiva que enfatizam as questões mais estéticas ligadas ao processamento e à elaboração das imagens. Outros se articulam em torno de questões pessoais, voltadas para a construção da identidade, a exteriorização de sentimentos, e com isso geram trabalhos fortes e com intenso apelo poético. Temas sociais e políticos aparecem com muita força em obras que mostram as questões ligadas à discriminação sexual, ao acesso aos medicamentos para os soropositivos e à militância político-sexual. Os documentários estabelecem novas conexões com os outros gêneros audiovisuais e reelaboram a imagem, acentuando, cortando e mesmo refazendo em efeitos e sobreposições, anteriormente comuns somente aos trabalhos de videoarte, novas possibilidades criativas. O mesmo acontece com outros gêneros que parecem se deixar contaminar e com isso reposicionam os limites e fronteiras da produção.

Alguns trabalhos não utilizam quase nenhum recurso técnico de pós-produção - a imagem aparece quase como um registro direto e nem por isso são menos intensos. As animações ganharam novo fôlego com os softwares para internet, revelando jovens e promissores artistas da animação, com trabalhos divertidos, mas também sérios e engajados. Enfim, estamos passando por um daqueles ricos períodos de rearticulações e rearranjos, e certamente isso não se deve apenas à tecnologia. Existem muitos outros fatores envolvidos neste redirecionamento, que apontam para os novos circuitos de exibição, as inúmeras publicações, mostras e festivais no Brasil e no mundo, entre outros.

Passamos por um período no qual mais do que definir caminhos precisos é necessário estabelecer conexões, abrir-se para as fusões. Não podemos mais nos deter em uma única direção - é importante nos lançarmos nessa arquitetura móvel que é a produção audiovisual contemporânea. A comissão de seleção perseguiu esta idéia e a mostra competitiva é fruto de um intenso trabalho de discussão e de busca pelos trabalhos mais significativos do nosso tempo.

Angela DetanicoEduardo de JesusGilbertto PradoRafael LainSolange Farkas

ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL, "13º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasill": de 19 de setembro de 2001 a 23 de setembro de 2001, p.20 a 22, São Paulo, SP, 2001.