No 3º Videobrasil, o performer Otavio Donasci fez diversas apresentações. Na abertura, foi apresentada Videotauro, uma videoperformance em que um cavalo, com um monitor de TV de 20 polegadas no lugar da cabeça, circulou pelas ruas do bairro do Bixiga, onde fica o Teatro Sérgio Cardoso.

Em outros três momentos do Festival, apareceu A Máscara Eletrônica, um projeto de videoteatro de Donasci, que funde uma linguagem bidimensional luminosa (vídeo) com uma linguagem tridimensional viva e iluminada (teatro). A expressão facial do ator era visualizada no "videorrosto".

Ainda foram apresentadas as Videocriaturas, uma delas passeava de bicicleta e outras duas apareciam com rostos laboratorizados dos jornais de TV lutando com um kendô (Milton Tanaka, do grupo Ponkã). Eram as primeiras “videocriaturas” com o cassete acoplado ao corpo.

No encerramento do Festival, Donasci regeu uma "videossinfonia".

Artistas

Obras

Ensaio Otávio Donasci, 1985

O Projeto Videoteatro

A Máscara Eletrônica

A máscara sempre esteve presente na história da cultura: o ritual, as festas, o teatro, os bonecos, o carnaval. Presente até no cotidiano. Afinal o que significa a maquiagem?

E em todas as culturas, desde as épocas primitivas, o processo mágico de se "vestir" outro ser foi sendo renovado, aperfeiçoando nas suas técnicas, mas manteve a mesma incógnita da origem: por que o ser humano tem a necessidade de ser outro?

Os atores de teatro quando entrevistados no final de suas vidas costumam declarar que não ganharam nada, trabalharam muito mas viveram várias vidas diferentes no palco e "isso é maravilhoso...".

Quem sabe a máscara e o próprio teatro não sejam exercícios de reencarnação?

Com o advento das tecno-imagens (foto, cine, vídeo e outras grafias) o homem passa a ter um parceiro novo para criar suas imagens: "a caixa preta", (que tem imput, um botão e output) e se apaixona pelas realidades bidimensionais criadas por ela. 

O mundo passa a ser visto através dessas "caixas pretas". A foto me traz de volta a presença de meu pai, o cine me faz viajar sem sair da cadeira e o vídeo me traz o mundo pra dentro de casa instantaneamente... E todo o nosso universos cultural passa a ser ditado pelas tecno-imagens, inclusive a arte. Os quadros são fotografados, as esculturas filmadas, o teatro vira novela. 

Televisão. 

O vídeo vira síntese das outras tecno-imagens e, consequentemente, das realidades que elas mostram. 

Mas e o teatro? o que acontece com o teatro na era das tecno-imagens? Slides projetados substituem o cenário assim como filmes enriquecem a narrativa. Um dos maiores cenógrafos de teatro do mundo, Joseph Svoboda já projetava no cenário imagens-video de closes do ator que estava em cena. E isso em 1952. 

O teatro pra mim é o ator, o resto é apoio ao trabalho dele. Nestas condições, o ator no palco parecia para mim um ser estranho num planeta bidimensional. 

As tecno imagens são e fazem tudo ficar bidimensional. 

Como o teatro, que é por natureza tridimensional e ao vivo, poderia conviver com as tecno-imagens sem se descaracterizar?

O ator já tentou imitar a linguagem do cinema/TV, mostrando câmera lenta ou rápida, na maioria das vezes com intenções satíricas. 

Enfim, seria muito rico para o teatro se pudesse incorporar o vídeo como instrumento da linguagem dramática. 

Seria muito rico para a expressão humana se conseguíssemos incorporar o vídeo, que é a síntese das tecno-imagens com o teatro que tem no ator ao vivo seu foco principal de expressão. 

Foi querendo isso que nasceu o videoteatro. 

Frankenstein e a costura eletrônica

Reduzindo a linguagem teatral ao necessário cheguei ao ator. Estudando a função do ator me detive em dois focos de expressão: a facial e a corporal. E apesar de uma ser mais ampla que a outra em dimensões físicas, as duas se equivaliam em potencial cênico. A facial sempre prejudicada pela distância e disposição da platéia. 

Daí a maquiagem reforçada, a iluminação focada no rosto, a platéia ter desenho inclinado, enfim, todo o teatro adaptado à expressão facial. 

Reduzindo o vídeo ao necessário cheguei ao tubo (cinescópio) e descobri que sua proporção equivalia a um rosto deitado. 

Daí pra frente foi o trabalho de costurar um tubo "de pé" num ator como se fosse uma cabeça ortopédica e a primeira videocriatura estava pronta no bom estilo Frankenstein: que assusta porque é diferente. Que faz rir porque é diferente. 

Mais do que isso estava tentando uma linguagem nova, híbrida da linguagem vídeo e da linguagem teatral, com características próprias que não existiam nem em uma nem em outra. 

Nos anos 60/70 chegaram a colocar televisores passando programação normal no lugar da cabeça de manequins de loja numa exposição de arte. Mas sempre como crítica à TV e não como instrumento de expressão teatral. Assim como recentemente atores carregavam televisores em cena num espetáculo (Frankstern), mas não formavam uma unidade: eram atores carregando televisores. 

O videoteatro é único:

Funde uma linguagem bidimensional luminosa (vídeo) com uma linguagem tridimensional viva e iluminada (teatro). 

A expressão facial do ator foi trocada pelo vídeo-rosto. Basicamente o rosto é a parte mais característica do personagem, e se movimenta no espaço da cabeça. 

A cabeça trabalha sobre o corpo que por sua vez trabalha no espaço cênico. 

Logo, o espaço da face é o menor espaço de expressão teatral, daí ter sido ele o escolhido para receber o enxerto vídeo. 

A partir do momento em que essa fusão deu certo, tudo o que era colocado no vídeo era entendido no palco como rosto e tudo o que era colocado junto com o vídeo-rosto era entendido como corpo. As possibilidades de cruzamento entre as duas linguagens (a teatral e a do vídeo) são infinitas. Um rosto imenso pode ter dois corpos como se fossem pernas, assim como um ator pode ter vários rostos diferentes simultâneos. E isso pode se expandir para todas as possibilidades cênicas. 

Um rosto-vídeo pode ser acoplado à mão e gerar um fantoche de luva com todas as possibilidades de expressão facial de um ator ao vivo. Assim como um rosto deste ator pode ser acoplado à um cavalo ou outro animal de porte e gerar um número circense inédito. 

Com as possibilidades inerentes à televisão como a transmissão à distância é possível se fazer performances na rua, ao as livre sem cabos, e em vários lugares simultaneamente. Ao vivo ou pré-gravado. E via satélite apresentar um trabalho teatral simultâneo ao vivo e no mundo todo. 

Com as telas de cristal líquido, o videoteatro ganha a dimensão de uma verdadeira máscara eletrônica, podendo ser adaptada diretamente ao rosto do ator. 

No futuro, com a holografia digital, será possível reinventar completamente o ator com imagens tridimensionais que poderiam inclusive contracenar com atores reais. 

Os Laboratórios de Videoteatro

Primeiramente esboça-se a videocriatura e o contexto dramático em que ela vai se situar. Daí surge um texto ou roteiro.

O desenvolvimento do projeto é feito através de sucessivos laboratórios. No de expressão facial explora-se as múltiplas possibilidades da câmera, iluminação e edição em VT para a gravação de qualquer objeto ou até mesmo um rosto, que no fim do processo se transformará no rosto da videocriatura. A gravação é feita para uma tela vertical. A luz que este rosto vai ter no espetáculo é determinada nesse laboratório. Em videoteatro a luz do rosto-vídeo poder ser dissociada da luz do ator-corpo. 

Existe também a possibilidade de se fazer arquivo de rostos das mídias (TV, cinema, fotos), para posterior laboratorização para espetáculos, o que permite a presença em cena de personagens conhecidos pela informação cotidiana. (políticos, artistas, etc.).

No laboratório de protótipos são pesquisados e construídos monitores vídeo e seus encaixes no corpo dos atores, baseados em croquis artísticos e técnicos. É um verdadeiro laboratório do Dr. Pardal, onde conhecimentos de eletrônica, física, química, ortopedia e outros são necessários para o sucesso da "costura". 

No laboratório de expressão com protótipos, os atores improvisam usando aparelhos e criam as características das personagens gravadas anteriormente. Ensaiam com espelhos. São criados também os figurinos e os ajustes eletrônicos. 

Depois dessas fases preliminares é feito o laboratório de finalização do espetáculo, no qual é explorado o espaço cênico, são feitas as marcações, os ajustes de iluminação, adereços etc. 

Já foram realizados espetáculos de videoteatro em vários espaços: teatros, ruas, praias, galerias de arte, danceterias, lojas, etc., explorando possibilidades expressivas tais como a peça teatral, o evento performático, o show etc.

Acredito que ainda estamos na pré-história do videoteatro. Nossos métodos são sempre experimentais e variam conforme a evolução da tecnologia possível ou novas técnicas de interpretação cênica.

Um projeto brasileiro. (Quem diria!)

O videoteatro não nasceu na Alemanha nem nos Estados Unidos. Não utiliza pós-produção em ADO ou WAX da Califórnia. 

É em VHS (que horror!) e em preto e branco. O pai do criador do videoteatro não trabalha na Globo, nem ele. 

Não tem patrocinador ou mecenas. (ainda...) Não é para se assistir no televisor ("ué, mas não é vídeo?").

Não é erudito, nem hermético, nem chato. Pode ser feito no Brasil, com equipamento e mão-de-obra brasileiros (ou contrabando vá lá).

Não tem similar na França, USA, Alemanha, Inglaterra. Suas raízes são por uma lado o circo, o espetáculo de variedades, as performances de rua; por outro o cinema, os musicais, a programação de TV e rádio. 

Seu campo de atuação é o palco, o espaço cênico, a rua. O espaço de um ator. 

Não tem medo do marketing, não foge da publicidade (tem projeto nesse sentido). 

Não tem medo de enfrentar um público maior e menos iniciado. Tem bastante espaço para outros criadores trabalharem, além de atores, produtores, técnicos, etc...

Enfim é um projeto de videoperformance (um dos poucos que pode se chamar assim) que vem dando certo. E merece apoio. 

Inclusive mostrar pros outros lá fora. 

O Futuro: Um Teatro de imagens reais

O videoteatro é o começo de um teatro tão fluídico como um pensamento.

O sonho de todo artista é conseguir expressar suas ideias, colocar sua imaginação em cena, (imaginação vem de imagem, pensar por imagens) sem a necessidade de suportes físicos tão pesados como projetores, telas, filmes, livros, etc. 

A eletrônica permite ao homem criar imagens quase com a mesma eficiência que o seu cérebro. Só que os meios disponíveis geram imagens bidimensionais. 

Só agora com a holografia é que estamos conseguindo recuperar esse mundo tridimensional, esta expressão que nosso pensamento queria dizer e não sabia como. 

O teatro seria a expressão mais completa se não tivesse suportes físicos tão sólidos para se expressar (palco, cenário, atores). 

O sonho é conseguir um teatro onde tudo fluísse como num sonho e atores contracenassem com seres incorpóreos, sólidos apenas o bastante para nossas sensações, permitindo assim que um ator se dissolvesse em cena, voasse ou virasse um animal. Enfim pudesse o que pode nosso pensamento hoje. 

Ou fosse como nós realmente somos e não como parecemos no espelho. 

Catálogo do III Festival Fotoptica Videobrasil. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1985