Curadoria convidada |

O curador Michael Mazière selecionou obras da produção inglesa, organizando-as em três programas: “The Poetic Landscape”, “Beautiful Decadence”, e “Digital Dreams”. 

Do primeiro segmento, cujas obras trabalham com analogias entre ambientes geográficos e paisagens interiores, fizaram parte Sombra a Sombra, de Daniel Reeves; Geography, de Breda Beban e Hrvoje Horvatic; The Red Sea, de Michael Mazière; The Citadel, de Cordelia Swann; e A13, de William Raban.

Beautiful Decadence – que celebra a homossexualidade – foi composta por Imagining October, de Derek Jarman; Degrees of Blindness, de Cerith Wyn Evans; e Remembrance of Things Fast, de John Maybury.

Finalmente, abordando a influência das edições não-lineares e dos sistemas interativos no processo de criação, Digital Dreams compilou os vídeos Chaos, de Julie Kuzminska; The Assignation, de George Snow; The Indelible Depletion of The Secret Desires of a Private Eye, de Monika Oechsler; The Colour Trilogy Part Three - The Object of Desire, de Terry Flaxton; e Videovoid, de David Larcher.

Artistas

Obras

Texto de curadoria Michael Mazière, 1994

A Sensibilidade Poética

O produtor de filmes norte-americano Maya Deren definiu dois tipos de progressões em filme: o discurso narrativo, que se move em um eixo linear e horizontal, e o discurso poético, que se move no eixo vertical. Nesse sentido, o texto poético não move um evento a frente, ele explora as emoções e o momento para produzir novas conexões e prazeres. Pode-se afirmar que muito da arte avant-garde de filme e video é pertencente ao discurso poético, com ligações de estruturas não narrativas tais como música, pintura e escultura, estando menos vinculado a uma história ou a ficção. Dentro desse contexto há uma miríade de interpretações diferentes do que é verdadeiramente poético em filme e video, seja com relação a sensibilidade lírica ou a uma estrutura específica de molde ou forma. Neste programa de três partes compilei uma seleção dos mais fortes trabalhos contemporâneos britânicos que tanto envolvem a poesia em plena atividade como a tocam de modo mais súbito e híbrido.

A ênfase que coloquei neste programa está na voz subjetiva, íntima e singular, evitando deliberadamente limitar minha escolha a interpretação puramente modernista do poético. O primeiro programa, The Poetic Landscape , apresenta trabalhos que usam ambientes geográficos como um reflexo dos estados interiores da mente, como um território que pode traduzir uma emoção. São jornadas imaginárias através da terra, do mar e da cidade que narram juntas, com imagens líricas e evocativas, a visão subjetiva dos artistas. Sombra a Sombra, de Daniel Reeves, é uma linda interpretação da poesia do poeta peruano Cesar Vallejo, enquanto que Geografy, de Breda Beban e Hrvoje Horvatic, nos lembra do poder do silêncio e da extensão da imagem fora do comum. The Red Sea, inspirado no poema de Arthur Rirnbaud The Drunken Boat, explora um mundo privativo e atormentado através das profundidades do mar, enquanto Citadel usa a cidade de Londres como o lugar para uma jornada alegórica.

Desde o original Champ D'Amour, de Jean Genet, tem havido uma abundância de trabalhos que celebram a homossexualidade e o programa Beautiful Decadence apresenta algumas dessas peças contemporâneas. O trabalho de Derek Jarman tem sido de grande influência na Bretanha e Imagining October é um filme raramente visto, de extraordinária riqueza e profundidade. Esse curta poético é uma reflexão de October, de Eisenstein, uma nova visita à condição revolucionária que celebra tanto o corpo masculino como o radicalismo politico do período. Tanto Cerith Wyn Evans como John Maybury trabalharam com Jarman no começo da década de 80 mas, ainda que seus trabalhos carreguem um pouco da sua influência, são vozes distintas e originais. Degrees of Blindness é simplesmente uma celebração do visível, do prazer e da dor da visão, enquanto Remembrance of Things Fast oferece uma crítica de alta tecnologia às convenções de mídia. Ambos os trabalhos são peças ressonantes e surreais, testamentos visionários sobre a caótica e virtual percepção do mundo.

A tecnologia digital liberou o artista das algemas do pensamento linear, particularmente com a introdução dos modos de edição não lineares e sistemas interativos. O programa Digital Dreams apresenta um espectro do estado das peças de arte que reflete essa mudança num processo criativo, e nos dá uma visão geral do que poderia ser uma nova e radicalmente diferente poesia eletrônica. Chaos, de Julie Kusminska, é uma sensual queda em pecado, uma queda lírica através da morte, enquanto The Assignation, de George Snow, traduz o mundo sombrio de Edgar Allan Poe numa jornada mesmérica da alma.

O último, mas não o menos importante, Videovoid - do veterano produtor de filme e vídeo David Larcher - é simplesmente, sem dúvida, o mais forte trabalho de video que eu vi até hoje. Uma intensa incursão metafísica no meio eletrônico, empurrando os limites até o extremo e levando-nos ao coração do mundo eletrônico em urn alucinógeno vácuo poético.

ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL. "10º Videobrasil: Festival Internacional de Arte Eletrônica": de 20 a 25 de novembro de 1994, São Paulo-SP, 1994.