Curadoria convidada |

Na mostra LINK_AGE, com curadoria de Claudia Giannetti, as obras apresentadas utilizam diferentes meios ou suportes digitais não só como ferramentas ou recursos, mas também como fontes conceituais e matérias intrínsecas que permitem estabelecer, mediante a interface entre o usuário e a obra, os links estabelecidos pelo espectador no contexto do trabalho, num estreito vínculo entre o fenômeno virtual, a ação e a criatividade. Exibida na Internet Livre, a mostra trouxe nove obras de artistas de diversas nacionalidades.

Artistas

Obras

Texto de curadoria Claudia Giannetti, 2001

LINK_AGE

TEMPO_LÚDICO_GESTO CRÍTICO_ESPAÇO POÉTICO

Link.Enlace.Vínculo.Âncora. Essa é, em um sistema de informática, uma função dos programas de hipermídia que permite associar elementos de informação em diferentes partes para interrelacioná-los, de modo que um simples click do mouse ou outro comando apropriado leve o usuário de um ponto a outro. Link_age sugere um jogo de palavras entre o significado de linkage, “por enlace”, e o da era do link, com as diversas conotações que se podem apontar para o termo “link”. A “era do link”, sem dúvida a época que estamos vivendo na atualidade, é a era digital das interconexões, do acesso livre a qualquer bit de informação mediante os meios informáticos e telemáticos. A “era do link” aponta à atual cultura digital, caracterizada pela idéia de hiperespaço, no qual se estabelece uma nova relação espácio-temporal inerente à virtualidade; à temporalidade e à ubiqüidade de dados; à substituição da relação distância-tempo pela instantaneidade; e ao vínculo entre o usuário e o universo técnico.

Entre as diversas características dessa cultura digital, podemos salientar um aspecto da comunicação que utiliza os novos recursos interativos: as interfaces humano-máquina. A interface humano-máquina - que de maneira metafórica poderíamos chamar o “link” entre sujeito e aparelho - propicia mudanças qualitativas radicais quanto às formas de comunicação baseadas nos meios digitais, entre os quais podemos destacar uma reavaliação do fator temporal (tempo real, tempo simulado, tempo híbrido, simultaneidade); a ênfase na participação intuitiva mediante a visualização e a percepção sensorial da informação digital; a geração de efeitos de translocalidade (como no caso da internet) e a imersão (como no caso de sistemas de Realidade Virtual); e o acesso à informação mediante sistemas de conexão ramificada, de nexos e associações pluridimensionais. Por outro lado, a interface dá testemunho da transformação da cultura baseada na escrita, nas estruturas narrativas logocêntricas e nos contextos "reais" da cultura digital orientada ao visual, ao sensorial, ao retroativo, ao não-linear e ao virtual.

No caso da mostra LINK_AGE, as obras apresentadas utilizam diferentes meios ou suportes digitais não só como ferramentas ou recursos, mas também como fontes conceituais e matérias intrínsecas que permitem estabelecer, mediante a interface entre o usuário e a obra, ou os “links” estabelecidos pelo espectador no contexto do trabalho, um estreito vínculo entre o fenômeno virtual, a ação e a criatividade. O espectador é convidado a assumir um papel preponderante na consumação da interação.

TEMPO_LÚDICO

O fato anteriormente apontado se manifesta de forma tangível nos trabalhos de Natalie Bookchin, “The Intruder” e de Zush-MUBImedia, “Tecura-Itheals”. Ambas propõem estabelecer relações dialógicas diretas entre o público e a obra. Enquanto o conceito de “Tecura-Itheals” consiste em oferecer as mais diversas ferramentas e materiais digitais para que o público possa gerar suas próprias obras, “The Intruder” procura estabelecer um vínculo entre a linguagem interativa e iconográfica própria dos videogames e a reconstrução hipertextual da obra literária de Jorge Luis Borges ("A Intrusa"). Em ambos os casos, o jogo é o elo estratégico que une a ação e a interface. No jogo não há outra finalidade que não a sua própria. O fato de atuar no terreno virtual ("se...") produz uma cisão com a realidade à volta e, além disso, permite criar uma realidade própria (permite manipular). O conjunto de regras criado para cada jogo determina esta (pseudo)realidade simbólica, ou seja, seu contexto virtual. Através da ação e da relação direta mediante a interface, os participantes sentem-se identificados com a (pseudo)realidade do jogo, sentem-se integrados ao seu universo. As imagens que compõem este universo passam a formar parte do “vocabulário” visual do usuário. O observador encontra-se, então, imerso no visual lúdico.

“O.V.E.R.F.L.O.W.”, de Brian Mackern e Alcides Martinez Portillo, nos transmite uma sensação semelhante. Em um labirinto de possibilidades, jogos visuais e sonoros, o usuário se confronta com múltiplas percepções, que podem produzir sensações tanto de desorientação e extravio como de descontrole e sobrecarga do sistema e de informações. A obra questiona o lado ilógico da navegação no incalculável espaço de dados (o “go with the flow” dos surfistas), no qual predomina a intuição sobre o conhecimento.

GESTO_CRÍTICO

“Os gestos são movimentos corporais, nos quais se manifesta a existência”, (1) afirma Vilém Flusser em seu estudo fenomenológico sobre as ações e as expressões de comunicação do ser humano. “Não é, pois, a eficácia que distingue os gestos de outros movimentos, senão o fato de que neles se expressa uma decisão; são fenômenos do plano ético da realidade e manifestações da existência. Em uma palavra, o fato de que estão 'motivados'.” (2)

Como exemplo deste gesto motivado podemos mencionar o gesto crítico, que busca não só compreender e interpretar, mas, sobretudo, advertir, expor e revelar o discurso que corresponde aos gestos. O gesto crítico é o gesto de “tirar a máscara” e examinar a parte interna, sem esquecer que os aspectos políticos, culturais e estéticos da máscara se encontram todos na sua face externa, que, com esse gesto, se tornam invisíveis. Esse lado interno é considerado “falso”, negativo e ilegítimo. O ato de “tirar a máscara” significa, também, entender o lado falso como autêntico, aquele que manifesta o engano e nos faz refletir sobre os distintos papéis que costumamos desempenhar, ou sobre as diferentes estratégias de discurso modeladas na face externa da máscara. O gesto de “tirar a máscara” permite reconhecer, embaixo, o gesto de dar um sentido.

As três obras que integram o “gesto crítico” propõem, de diferentes pontos de vista, esta possibilidade de “tirar a máscara". “Wartwar”, de Francesc Abad, utiliza a planta de um campo de concentração nazista e os mínimos espaços das celas para povoá-los com discursos orais (originais) de diferentes filósofos, escritores e pensadores do século XX. As celas - espaços projetados para a privação da liberdade e a prática do poder - se transformam em ambientes de reflexão (livre-pensamento). Em cada uma das três alas, e de maneiras diferentes, podem ser ouvidas, respectivamente, as vozes da cultura, do social e da ideologia.

“Jacks in Slow Motion”, de Kiko Goifman, analisa o espaço das prisões atuais como centros nos quais o jogo e as disputas de poder se dão em diferentes níveis: entre instituição e população; entre dominadores e dominados; entre opressores e oprimidos; entre carcereiros (sujeitos) e prisioneiros (objetos); entre prisioneiros e prisioneiros; entre sistema (pan-óptico) e objeto de vigilância (preso) etc. O chamado delinqüente assume, na sociedade atual, a categoria de indivíduo que, por definição, deve ser excluído. A exclusão pode se dar através da pena de morte, nos países em que é permitida, ou através da reclusão em prisões, nas quais as torturas física e mental se justificam com o argumento da aplicação de disciplina. O "Panoptican" de Jeremy Bentham, com seu sistema de vigilância invisível, está sutilmente presente em todo o contexto da obra.

O projeto “Marea Negra”, de Gabriel Corchero, trata igualmente da invisibilidade das catástrofes, uma invisibilidade proveniente da incapacidade de ver (ser consciente) a dimensão dos desastres em nosso ambiente, provocados pelo próprio ser humano. Em um primeiro momento, o ser humano empreendeu uma luta contra a natureza como forma de preservar sua existência, e, com isso, provocou uma catálise não só no seu ambiente como também para si mesmo. O sujeito se transformou em objeto, os territórios, em propriedades, e a natureza, em mera fonte de matéria-prima. As atuais catástrofes ecológicas, fruto do fanatismo neoliberal e da irresponsabilidade sociocultural, não só estão destruindo a essência vital terrestre como estão transformando as pessoas em reféns das conseqüências que se estão produzindo e que se produzirão em nosso meio. Corchero nos induz a uma imersão poética nesta vasta (e metafórica) marea negra, que discorre de forma sonora e visual pelo espaço hipertextual de interação, e nos propõe uma navegação submersa que, não obstante, inclui momentos de respiração (imagens e conceitos), de maneira que sejamos capazes de emergir à superfície de nossa consciência.

ESPAÇO_POÉTICO

A construção virtual do corpo na obra “Epithelia”, de Mariela Yeregui; a experimentação geográfica de um espaço artificial na web, em “Desertesejo", de Gilbertto Prado; e a (re)construção da linguagem no projeto de Agnés de Cayeux, “Douze Notes”, são amostras das diferentes maneiras de integrar os processos aleatórios de navegação e participação do usuário no espaço de dados das obras. É comum a crença de que a criatividade ou o pensamento criativo é, por natureza, imprescindível, aleatório. Os sistemas digitais multimídia ou telemáticos parecem ser, nesses momentos, o campo par excellence de experimentação aleatória. No caso das obras aqui apresentadas, os links ou enlaces ao acaso cumprem esta função.

A vivência intuitiva dos espaços virtuais, sua progressiva exploração e sua formação são aspectos essenciais e comuns aos três projetos de net art. O recurso às diferentes metáforas - a pele em “Epithelia”; a percepção do território do ponto de vista da pantera, da serpente ou da águia em “Desertesejo”; a composição sinestésica em “Douze Notes” - transforma as propostas em momentos poéticos baseados na participação, nas mediações (links) e nos hibridismos que os usuários possam produzir.

O princípio de navegação no espaço potencial pretende proporcionar ao observador o conhecimento do possível. Para expressar com palavras de Flusser, o “gesto da busca” ou o tatear, em que não se sabe de antemão o que se busca ou o destino final, é o paradigma de todos os nossos gestos. E é o traço comum de todas as obras que fazem parte de LINK_AGE. (3)

Notas:

(1). Vilém Flusser. Los gestos. Fenomenología y comunicación. Barcelona, Herder, 1994, p. 77.

(2). Ibidem, p. 78.

(3). Link_Age - Mostra Internacional de Arte Participativa On-line e Off-line, com curadoria de Claudia Giannetti, foi produzida e apresentada pelo Centro Cultural CajAstur durante o 48.º Salão Internacional de Fotografia, no Palacio Revillagigedo, em Gijón, na Espanha, de 15 de março a 20 de maio de 2001.

ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL, "13º Vide obrasil": de 19 a 23 de setembro de 2001, p. 144 a 147, São Paulo, SP, 2001.