O artista relê a obra Marca Registrada, de Letícia Parente (1930-1991), pioneira da videoarte no Brasil. Realizado em 1974, o vídeo mostra a artista baiana bordando as palavras “Made in Brazil” na planta dos próprios pés, que ocupam a tela num grande close. Para Luiz Duva, realizador de vídeos, documentários, videoinstalações e performances – as live images –, o foco de interesse é criar um contraponto entre a histórica performance de Letícia e a desconstrução da narrativa do vídeo que resulta de sua manipulação. Trabalhando com uma cópia precária do vídeo de Letícia, Duva escolheu reforçar a ação do tempo, sampleando um dos drop-frames (frames danificados que provocam um risco horizontal) e reinserindo-o centenas de vezes no vídeo. O foco de interesse é criar um contraponto entre a histórica performance de Letícia e a desconstrução da narrativa do vídeo que resulta de sua manipulação.

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Texto de curadoria 2003

Desconstruindo Letícia Parente: "Marca Registrada"

Manipulando ao vivo imagens pré-alteradas sobre exercícios musicais de improvido eletrônico, o artista relê a obra “Marca Registrada”, de Letícia Parente (1930-1991), pioneira da videoarte no Brasil. Realizado em 1974, o vídeo mostra a artista baiana bordando as palavras “Made in Brazil” na planta dos próprios pés, que ocupam a tela num grande close. Para Luiz Duva, realizador de vídeos, documentários, videoinstalações e performances – as Live Images -, o foco de interesse é criar um contraponto entre a histórica performance de Letícia e a desconstrução da narrativa do vídeo que resulta se sua manipulação.

Letícia Parente formou-se e doutorou-se em química antes de enveredar pela arte. Discípula de Pedro Dominguez, Hilo Krugli e Annabela Geiger, participou das mostras mais importantes de videoarte brasileira dos anos 1970, no Brasil e no exterior. “Marca Registrada” faz eco com artistas norte-americanos do mesmo período, como Vito Acconci, Joan Jonas e Peter Campus, cuja obra consistiu, como observou na época a especialista em arte do século 20 Rosalind Krauss, em colocar o corpo do artista entre duas máquinas (a câmera e o monitor) de modo a produzir uma imagem instantânea, como de um Narciso mirando-se no espelho.

“De cara a sensação, que gela a espinha, de ver um pé sendo costurado. Depois a aflição de um olho que decodifica a ação, mas não entende a razão. (...) foi assim que vi ‘Marca Registrada’ anos atrás. Foi assim que ele me veio meses atrás quando procurava uma pequena ação para incorporar a um novo trabalho. O acaso me fez entrar no terreno da manipulação de imagens ao vivo. O acaso colocou ‘Marca Registrada’ no meu laptop. Só precisei estender a mão e juntar os pedaços, conectar coisas que circulavam a minha volta há tempos. Minha curiosidade inicial era a desconstrução da narrativa que se dava na edição ao vivo. Por mais que me abstraísse dela, ela, a narrativa, sempre voltava. Impunha-se, se não aos meus olhos, aos do público que experimentava a imersão. Outras indagações surgiam: como a ambientação de uma imagem contribuía para seu entendimento? Como poderíamos ter esse tipo de narrativa que fosse espacial, relacionada ao posicionamento das telas? Desejava investigar imagens e sons para criar uma terceira linguagem, não a soma das duas. Isso, para mim, era vital”, diz Duva.

O artista trabalhou com uma cópia precária do vídeo de Letícia. Escolheu reforçar a ação do tempo, sampleando um dos drop-frames (frames danificados que provocam um risco horizontal na real) e reinserindo-o centenas de vezes no vídeo. “Dessa forma poderia ‘tocar’ esses drop-frames como se fossem partes de uma partitura da desconstrução”, explica. Para servir de base às manipulações ao vivo da performance, usou jams do LCD, grupo de improvisação eletrônica conhecido do circuito paulistano com incursões por festivais de música experimental na Espanha. “Seria meu improviso em cima de uma base improvisada”, diz. Formado por Paulo Beto, Eloi Silvestre e Miguel Barella, o LCD faz jams semanais de criação espontânea, sem ensaio. São exercícios de equilíbrio e busca de espaço para o acaso, que se transformam em CDs sem edição.

ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL, "14º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil": de 22 de setembro de 2003 a 19 de outubro de 2003, p. 194 a 195, São Paulo, SP, 2003.