Curadoria convidada |

Resultado de um longo e intenso intercâmbio entre a Associação Cultural Videobrasil e os curadores Akram Zaatari e Christine Tohme, ambos figuras-chave na articulação da nova arte eletrônica libanesa, “Narrativas Possíveis” é, de certa forma, o lugar onde todos os anseios curatoriais desta edição histórica do Festival se encontram. Com pouco menos de dez anos, a produção que ela revela é um paradigma de consistência e de contemporaneidade em meio ao surpreendente panorama da arte eletrônica do circuito sul — e, nesse sentido, o complemento ideal para o mapa que a Mostra Competitiva quer traçar. Some-se a forma muito específica com que esses artistas usam a imagem para resgatar a identidade e a memória de um país despedaçado por quase duas décadas de sangrentos conflitos religiosos e políticos, de modo a revelar e, ao mesmo tempo, transcender a “amnésia pós-traumática coletiva” descrita pelo ensaísta Jalal Toufic, um dos nomes da mostra. Recorrente nas obras selecionadas para a Competitiva, nunca esse uso político da imagem eletrônica e de sua apropriação, manipulação e sobreposição foi tão contundente quanto no gesto dos artistas reunidos em “Narrativas Possíveis”.

O processo de formatação da mostra, que envolveu o poeta brasileiro Waly Salomão, contou com a colaboração decisiva da curadora Christine Tohme, que, à frente da Lebanese Association for Plastic Arts, responde por boa parte do estímulo recente à produção de arte contemporânea no país. Para o Brasil, trata-se de uma chance única de conhecer uma das maiores riquezas do país: a inteligência de uma arte que usa imagens para sanar sua dolorosa imemória.

Artistas

Obras

Texto de curadoria Akram Zaatari, 09/2003

Além das Evidências

O surgimento de uma geração de videomakers independentes no Líbano nos anos 1990 se deve em parte ao desenvolvimento de uma nova infra-estrutura para a produção de vídeo no país e ao surgimento recente de departamentos de comunicação e de artes audiovisuais em universidades libanesas. Também reforçaram o fenômeno a criação do festival Ayloul em 1997 e a expansão da Ashkal Alwan (The Lebanese Association for Plastic Arts) para a área de vídeo em 1999.

Dois fatores importantes afetaram essa produção. Em primeiro lugar, a ausência de qualquer tradição cinematográfica anterior no país deu aos artistas certa liberdade para trabalharem com a forma, explorando o vídeo não como substituto do filme, mas como meio específico. Em segundo lugar, o domínio da linguagem narrativa convencional de TV (especialmente no contexto de guerra) indiretamente estimulou a exploração de novas formas de narrativa, que vão além do uso do vídeo para exibir evidências.

Akram Zaatari e Christine Tohme

ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL, "Deslocamentos - 14º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil": de 22 de setembro de 2003 a 19 de outubro de 2003, p. 100, São Paulo, SP.