“Futebol” parte do episódio ocorrido em abril de 2005 entre os jogadores Leandro Desábato, do time argentino Quilmes, e Grafite, do São Paulo. Autuado por racismo por ter chamado Grafite de “macaco” e “negro”, o atleta argentino ficou dois dias preso. O caso migrou das páginas esportivas para os relatórios policiais e levou o grupo a uma rodada de investigações sobre racismo, tema já trabalhado anteriormente. Para coletar material para a performance, fizeram intervenções em jogos do Brasil e da Argentina, em colaboração com o Grupo de Arte Callejero, coletivo argentino de fotógrafos, artistas plásticos e designers que praticam ações de rua. Percussionistas e DJs acompanham as projeções na encenação .
Artistas
Obras
Texto de curadoria 2005
Futebol
Arenas de pretensa igualdade social e racial e, ao mesmo tempo, palco onde se revelam preconceitos arraigados, o campo de futebol inspira a performance da Frente 3 de Fevereiro, grupo que pesquisa o racismo em busca de rumos para ações artísticas e políticas. O nome é uma alusão à data da morte do jovem negro Flávio Ferreira Sant`Ana, assassinado no ano passado por seis policiais de São Paulo, após ser confundido com um ladrão; o manifesto fundacional, de 2004, declara que o objetivo é “trazer à tona o que a Justiça e a grande mídia tentam esquecer: o racismo à frente da cidadania”. Um dos integrantes, Daniel Lima, criou uma ponte laser, sugerindo união entre Salvador e África, na Moistra Pan-Africana de Arte Contemporânea, em Salvador, em março de 2005. E tratou de racismo em criações anteriores, como na série de fotos “Blitz” (2002), em que sorri ao lado de policiais.
“Futebol” parte do episódio ocorrido em abril de 2005 entre os jogadores Leandro Desábato, do time argentino Quilmes, e Grafite, do São Paulo. Autuado por racismo por ter chamado Grafite de “macaco” e “negro”, o atleta argentino ficou dois dias preso. O caso migrou das páginas esportivas para os relatórios policiais e levou o grupo a uma nova rodada de investigações sobre racismo. Para coletar material para a performance, fizeram intervenções em jogos do Brasil e da Argentina, em colaboração com o Grupo de Arte Callejero, coletivo argentino de fotógrafos, artistas plásticos e designers que praticam ações de rua. Percussionistas e DJs acompanham as projeções na encenação de “Futebol”.
Acompanhadas por multidões e transmitidas em rede nacional, as partidas de futebol são uma situação de potente exposição do racismo, diz Daniel Lima. Em “Futebol”, a Frente 3 de Fevereiro quer tratar também do racismo herdado, reproduzido e autoaplicado. “O que me interessa é pensar como esse passado se manifesta no cotidiano. Como podemos, através de elementos disparadores, evidenciar seus mecanismos”, diz Lima, também um dos fundadores do grupo A Revolução Não Será Televisionada, que associa videoarte e ativismo. “Trabalho com intervenções porque o espaço público de São Paulo sempre me chamou a atenção; com racismo, porque isso me atinge e transforma minha identidade; com mídia, porque me interessa pensar como ressignificar a carga gigantesca de informação que recebemos todos os dias e que, afinal, nos desinforma”, completa a artista.
ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL, "15º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil": de 06 a 25 de setembro de 2005, p. 132 a 133, São Paulo, SP, 2005.
Texto de curadoria 2005
Performances
Centrada no corpo, efêmera, imprevisível, a performance é um gênero de arte que envolve confrontamento e risco. Política, subverte a relação entre obra e público, que é convidado não a suspender sua descrença para acreditar em uma ficção, mas a testemunhar um acontecimento. Tanto ao transitar entre disciplinas quanto ao esquivar-se delas, torna-se a expressão de uma arte em que as fronteiras entre gêneros deixam de fazer sentido. Talvez por isso seja apontada como manifestação artística contemporânea por excelência.
Foi a observação desse fenômeno, sobretudo na maneira evidente como ele reverbera na arte eletrônica – cada vez mais politizada e vinculada à presença do artista –, que motivou a reunião desse expressivo grupo de performers dentro do Festival. Brasileiros, norte-americanos, asiáticos, africanos, eles representam vertentes diversas de um gênero de hibridismos infinitos, que se presta ora a dissolver os limites entre as expressões artísticas, ora a apontar questões sociais para compartilhar cicatrizes universais.
Uma das mais marcadas entre essas vertentes, a performance que se constitui abertamente em gesto político é representada, entre outros, pela artista nova-iorquina de origem cubana Coco Fusco. Ela comanda uma intervenção urbana que encena um ritual de sujeição comum nas prisões militares norte-americanas, vista aqui como uma espécie de performance compulsória em que o corpo é violentamente usado contra o próprio homem. Também é da observação de situações refletidas na mídia e na sociedade que vêm os registros reunidos em “Futebol”, trabalho da Frente 3 de Fevereiro que repercute um episódio de racismo; e a angustiante sensação de tragédia iminente eleita como objeto pelo grupo feitoamãos/F.A.Q.
Não menos políticas na essência, as obras da queniana Ingrid Mwangi e da indonésia Melati Suryodarmo são fruto de uma concepção de performance para a qual o corpo é o campo onde se projetam inquietações nascidas no âmbito da experiência estritamente pessoal. Mwangi, que criou para o Festival “My Possession”, usa voz e movimento para falar de uma existência em deslocamento. Em sua “Exergie – Butter Dance”, Melati, que estudou performance com Marina Abramovic, vale-se da iminência do acidente – e, não raro, do acidente em si – para produzir um nível concentrado de intensidade sem usar qualquer estrutura narrativa.
De formas muito diversas, Marco Paulo Rolla e Detanico Lain representam a performance que nasce das artes plásticas. Ao invés de abandonar o cubo branco, paradigma do espaço expositivo contemporâneo, Marco Paulo se apropria de seu rigor formal em performances que falam do irromper desconcertante do acaso num mundo de placidez e equilíbrio. Angela Detanico e Rafael Lain ambientalizam suas paisagens pixelizadas e se incluem na cena para manipulá-las ao vivo, no intuito de acentuar seu teor de representação digital – e, em última instância, de entender como a representação constrói as imagens do mundo.
Plástica, música e vídeo são os elementos fundadores de um gênero de performance particularmente vigoroso no Brasil. Os trabalhos inéditos do grupo Chelpa Ferro e do artista Eder Santos que o Festival exibe são exemplares. No Chelpa Ferro, Barrão, Luiz Zerbini e Sergio Mekler ampliam seu espectro de ação ao produzir música e objetos ruidosos, que posicionam no palco como peças de uma instalação. “Engrenagem”, que reúne Eder Santos, os músicos Stephen Vitiello e Paulo Santos e a performer Ana Gastelois, é uma releitura que reafirma o talento do artista para multiplicar, com o vídeo, o efeito visual de atos performáticos de dança, música, drama e poesia.
Tanto Eder Santos quanto o Chelpa Ferro passaram antes pelo Festival, como atestam as obras incluídas na mostra Antologia Videobrasil de Perfomances. Eder criou para o Videobrasil uma série histórica de trabalhos performáticos; Zerbini, Barrão e Mekler usaram o nome Chelpa Ferro pela primeira vez no 12º Festival, em 1998. Não deixa de ser simbólico, portanto, que seus novos trabalhos fechem a programação do 15º Videobrasil. Em meio a este amplo panorama do mais contemporâneo dos gêneros, eles representam uma vertente de performance que foi pioneira no cenário brasileiro – e que o Festival se orgulha de ter acolhido desde o nascimento.
ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL. "15º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil - 'Performance.'": de 6 a 25 de setembro de 2005, p.96-97, São Paulo-SP, 2005.