A performance-concerto relê as obras mais importantes realizadas por Eder Santos nos últimos 20 anos, com a participação, ao vivo, dos convidados Paulo Santos e Stephen Vitiello, músicos, e da performer Ana Gastelois. Entre as cenas, surgem fragmentos de trabalhos recentes de Eder, como a performance em que os atores Monica Ribeiro e Rodolfo Vaz latem para a câmera. Engrenagem culmina com a apresentação do trabalho homônimo de Ana Gastelois, que cria, ao vivo, uma fusão de desenho, grafismo, gesto e dança.

Artistas

Obras

Texto de curadoria 2005

Engrenagem

Com um percurso de suas décadas na arte e no vídeo, o artista Eder Santos construiu uma obra em que a imagem eletrônica é frequentemente usada para cruzar a potencializar as possibilidades cênicas e visuais de atos performáticos – de música, de canto, de dança, de poesia, de algo próximo do teatro. Nas performances que pontuam sua trajetória, ao lado de uma importante obra em vídeo, o artista cria cena e cenário com as imagens que capta, ao vivo, delimitando o espaço onde transcorrem espetáculos híbridos, carregados de simultaneidade, som, formas e movimento. Com seu uso peculiar da imagem, ao mesmo tempo ironiza e celebra a multiplicidade febril de ângulos e olhares à qual nos acostumou a TV.

A ideia de fazer arte ao vivo rege obras como “Passagem de Mariana” (1996). “Pincélulas” (1998) e “Concerto para Pirâmide e Orquestra” (2001), que criou com Paulo Santos e apresentou em edições anteriores do Videobrasil. Em “Engrenagem”, o mesmo princípio se aplica, agora resultando em uma performance-concerto que relê as obras mais importantes realizadas pelo artista nos 20 últimos anos, com a participação, ao vivo, de convidados como o próprio Paulo Santo, Stephen Vitiello e Ana Gastelois. Entre as cenas, surgem fragmentos de trabalhos recentes de Eder, como a performance em que os atores Monica Ribeiro e Rodolfo Vaz latem para a câmara, numa alusão aos sistemas de vigilância que guardam as casas e às placas que nos ameaçam com “cães bravos”.

O trabalho marca o reencontro de Eder Santos e Vitiello, um de seus parceiros mais importantes. Músico eletrônico, “artista sonoro” e curador, Vitiello já comp6os para projetos experimentais em vídeo – incluindo trabalhos do próprio Eder – e instalações, e colaborou com artistas como o coreano Nam June Paik. Com um interesse particular pelos aspecto físico do som “e seu potencial para definir a forma e a atmosfera de uma ambiente”, ele cria a música da performance.

“Engrenagem” culmina com a apresentação do trabalho homônimo de Ana Gastelois: a partir de um movimento repetitivo e familiar que imita o girar das pás de uma batedeira, a artista cria ao vivo algo que é ao mesmo tempo desenho, grafismo, gesto e dança. “No desenho conceitual da batedeira de bolo, a dança emrge e o corpo se transforma em batedeira. Desenho torna-se partitura e gera uma perspectiva cinética”, explica. “A performance se materializa no desenho, enquanto visualidade do processo criativo .”

ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL, "15º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil": de 06 a 25 de setembro de 2005, p. 120 a 121, São Paulo, SP, 2005.

Texto de curadoria 2005

Performance

Centrada no corpo, efêmera, imprevisível, a performance é um gênero de arte que envolve confrontamento e risco. Política, subverte a relação entre obra e público, que é convidado não a suspender sua descrença para acreditar em uma ficção, mas a testemunhar um acontecimento. Tanto ao transitar entre disciplinas quanto ao esquivar-se delas, torna-se a expressão de uma arte em que as fronteiras entre gêneros deixam de fazer sentido. Talvez por isso seja apontada como manifestação artística contemporânea por excelência.

Foi a observação desse fenômeno, sobretudo na maneira evidente como ele reverbera na arte eletrônica – cada vez mais politizada e vinculada à presença do artista –, que motivou a reunião desse expressivo grupo de performers dentro do Festival. Brasileiros, norte-americanos, asiáticos, africanos, eles representam vertentes diversas de um gênero de hibridismos infinitos, que se presta ora a dissolver os limites entre as expressões artísticas, ora a apontar questões sociais para compartilhar cicatrizes universais.

Uma das mais marcadas entre essas vertentes, a performance que se constitui abertamente em gesto político é representada, entre outros, pela artista nova-iorquina de origem cubana Coco Fusco. Ela comanda uma intervenção urbana que encena um ritual de sujeição comum nas prisões militares norte-americanas, vista aqui como uma espécie de performance compulsória em que o corpo é violentamente usado contra o próprio homem. Também é da observação de situações refletidas na mídia e na sociedade que vêm os registros reunidos em “Futebol”, trabalho da Frente 3 de Fevereiro que repercute um episódio de racismo; e a angustiante sensação de tragédia iminente eleita como objeto pelo grupo feitoamãos/F.A.Q.

Não menos políticas na essência, as obras da queniana Ingrid Mwangi e da indonésia Melati Suryodarmo são fruto de uma concepção de performance para a qual o corpo é o campo onde se projetam inquietações nascidas no âmbito da experiência estritamente pessoal. Mwangi, que criou para o Festival “My Possession”, usa voz e movimento para falar de uma existência em deslocamento. Em sua “Exergie – Butter Dance”, Melati, que estudou performance com Marina Abramovic, vale-se da iminência do acidente – e, não raro, do acidente em si – para produzir um nível concentrado de intensidade sem usar qualquer estrutura narrativa.

De formas muito diversas, Marco Paulo Rolla e Detanico Lain representam a performance que nasce das artes plásticas. Ao invés de abandonar o cubo branco, paradigma do espaço expositivo contemporâneo, Marco Paulo se apropria de seu rigor formal em performances que falam do irromper desconcertante do acaso num mundo de placidez e equilíbrio. Angela Detanico e Rafael Lain ambientalizam suas paisagens pixelizadas e se incluem na cena para manipulá-las ao vivo, no intuito de acentuar seu teor de representação digital – e, em última instância, de entender como a representação constrói as imagens do mundo.

Plástica, música e vídeo são os elementos fundadores de um gênero de performance particularmente vigoroso no Brasil. Os trabalhos inéditos do grupo Chelpa Ferro e do artista Eder Santos que o Festival exibe são exemplares. No Chelpa Ferro, Barrão, Luiz Zerbini e Sergio Mekler ampliam seu espectro de ação ao produzir música e objetos ruidosos, que posicionam no palco como peças de uma instalação. “Engrenagem”, que reúne Eder Santos, os músicos Stephen Vitiello e Paulo Santos e a performer Ana Gastelois, é uma releitura que reafirma o talento do artista para multiplicar, com o vídeo, o efeito visual de atos performáticos de dança, música, drama e poesia.

Tanto Eder Santos quanto o Chelpa Ferro passaram antes pelo Festival, como atestam as obras incluídas na mostra Antologia Videobrasil de Perfomances. Eder criou para o Videobrasil uma série histórica de trabalhos performáticos; Zerbini, Barrão e Mekler usaram o nome Chelpa Ferro pela primeira vez no 12º Festival, em 1998. Não deixa de ser simbólico, portanto, que seus novos trabalhos fechem a programação do 15º Videobrasil. Em meio a este amplo panorama do mais contemporâneo dos gêneros, eles representam uma vertente de performance que foi pioneira no cenário brasileiro – e que o Festival se orgulha de ter acolhido desde o nascimento.

ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL. "15º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil - 'Performance.'": de 6 a 25 de setembro de 2005, p.96-97, São Paulo-SP, 2005.