Curadoria convidada |

Considerem-se dois rios, chamados Arte e Cinema. Para que Oceano eles confluem hoje? Isso está muito claro, mas não costuma ser dito: o oceano onde arte e cinema misturam suas águas é a Televisão. Entretanto, esse mar funciona ao contrário dos mares de nosso planeta: não é ele que recebe o fluxo dos rios, é ele que os alimenta subindo seu curso. Jean-Paul Fargier

A elegância mostra várias faces na seleção de obras de artistas franceses que o artista, crítico e professor de cinema e TV Jean-Paul Fargier traz ao 16º Videobrasil. Autor de ensaios sobre Jean-Luc Godard, Nam June Paik e Bill Viola, ele a encontra na sutileza e simplicidade que marcam as obras dos artistas Caroline Bobek, Chris Quanta, Chrystel Egal, Frédéric Lecomte, Jean-Claude Gallotta, Laurent Millet, Lydie Jean-Dit-Pannel. O programa será exibido no Auditório.

Artistas

Obras

Texto de curadoria Jean-Paul Fargier, 2007

Questão

Onde, ou como, você situaria a confluência entre arte e cinema hoje?

Considerem-se dois rios, chamados Arte e Cinema. Para que Oceano eles confluem hoje? Isso está muito claro, mas não costuma ser dito: o oceano onde arte e cinema misturam suas águas é a Televisão. Entretanto, esse mar funciona ao contrário dos mares de nosso planeta: não é ele que recebe o fluxo dos rios, é ele que os alimenta subindo seu curso. A influência da arte e do cinema sobre a televisão é nula. Em contrapartida, o impacto da televisão sobre a arte e o cinema é imenso. A televisão, na forma do Vídeo, invadiu os espaços da arte: os ateliês, as galerias, os museus. Nenhum filme realmente moderno é composto sem importar efeitos da TV: efeitos de Direct, simultaneísmos, mistura de gêneros.

Conceito

Ainda ouço Paik enaltecendo tal efeito, tal obra, com uma sentença definitiva: “very elegant”. Eu mesmo utilizei muito esse critério depois. E hoje a única qualidade que une os vídeos que me seduzem é exatamente a elegância. Eis sete exemplos tirados da França. Em Frédéric Lecomte, das danças de traços contornando os corpos e os objetos, incessantemente esvaziados de sua substância realista e revestidos por camadas de cores numéricas, surge uma forma original, que é mais que um procedimento da moda. É a própria elegância – desnuda. Pois a pulsão sexual, que projeta as metamorfoses em um enorme buraco branco, aberto como uma vagina convidando ao coito, palpita como o redobramento incessante de seu próprio sujeito: por que imagens ao invés de nada? A primeira vez que assisti a vídeos de Laurent Millet, pronunciei o nome de Viola. Seu sentido das imagens moldadas pelo tempo impunha a comparação. Entretanto, o olhar de Millet capta mais do real que o do americano. Sem recorrer a efeitos especiais, seus filmes nos imergem nos arcanos do tempo múltiplo. Com uma rara sutileza. A pessoa pode estar na escola ainda, e achar que falta descobrir algo que não foi descoberto. Para satisfazer essa ambição, base de todo o desejo de ser artista, é preciso conhecer bem seus predecessores. Em Mise en Ordre, Caroline Bobek (estudante austríaca da Universidade Paris 8) diz adeus a Gary Hill (How do things…) e a Viola (The Reflecting Pool). Esse cruzamento numérico de duas inversões experimentadas em analógico por dois mestres é uma perfeição, sim, elegância. A elegância é apanágio também de Jean-Claude Gallotta. Tanto em suas coreografias quanto em seus filmes. Há uma naturalidade deslumbrante no jeito simples como ele dispõe, passo a passo, plano após plano, os signos mais sofisticados, mais incongruentes, mais defasados. Ele domina a arte de dissimular as costuras. Chris Quanta, por sua vez, pode ser qualificado de “smart”. Seu gosto pelo preto e branco confirma isso. Assim como seu rigor gestual e seu humor perfeccionista, que persegue os fios que escapam. O swing permanente de Chrystel Egal é uma questão de postura. A cada filme, em função do tema, ela muda as formas, mas nunca se afasta do Estilo, o grande organizador. Ela faz estilo como respira. Existe algo mais elegante que tatuar borboletas por todo o corpo para uma artista da arte performática, como Lydie Jean-Dit-Pannel? Nua e vestida simultaneamente, obra e pessoa ao mesmo tempo: o sonho! Sobretudo, quando o signo estampado remete ao batimento primordial das semitramas entrelaçadas de qualquer imagem de vídeo. Tacada dupla: retorno às origens. Em Paik e em Vostell. O círculo se fecha. Magia da elegância, que se mostra sete vezes: a elegância é sempre um estilo reencontrado.

ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL. "16º Festival Internacional de Arte Eletrônica SESC_Videobrasil": de 30 de setembro a 25 de outubro de 2007, p.16-17, Edições SESC SP, São Paulo-SP, 2007, p. 153 - 154.