Um dos inventores do cinema underground norte-americano, Kenneth Anger foi um dos artistas convidados do 16º Festival Internacional de Arte Eletrônica SESC Videobrasil. Nessa edição, sua obra ganhou uma retrospectiva inédita no país, com nove curtas realizados entre 1947 e 1972, quatro deles em versões recuperadas em 35 mm.

Tenho orgulho de ser solitário. Trabalho sozinho por opção. Que fique claro que Hollywood nunca veio bater à minha porta; por isso, tive que me virar com o que tinha em mãos, liberdade e independência, guiado pelo meu espírito e pelo meu cérebro. Kenneth Anger 

Aos vinte anos, Kenneth Anger fez o curta Fireworks (exibido no Festival), um pesadelo poético e sexual que chamou a atenção de Jean Cocteau e da vanguarda européia. Nas décadas seguintes, suas experiências em película, povoadas por fetiches gay, referências ao ocultismo e rock-’n’-roll, lançariam sementes em muitas direções.

Influência declarada de Martin Scorsese e dos Rolling Stones, Anger foi pioneiro no uso de imagens editadas a partir de música pop e criou os cortes que se tornaram os fundamentos do videoclipe. Aos oitenta anos, ainda cultiva uma velha relação com o escândalo: é autor da trilogia de livros Hollywood Babylon, que escancara os bastidores do cinema americano.

Ao lado de obras de Jean Genet, Luther Price, Derek Jarman, Andy Warhol, Jack Smith, James Bidgood e Isaac Julien, os curtas de Anger integram a curadoria Um punhado de prazeres sublimes, de Rodrigo Novaes, dedicada a artistas que exploraram os limiares do filme e foram marginalizados pela indústria do cinema.

Artistas

Obras

Entrevista Rodrigo Maltez Novaes, 2007

Entrevista

Rodrigo Novaes: Neste ano se comemora o 60º aniversário da produção de Fireworks. Em sua opinião, qual a importância desse filme na sua carreira? 

Kenneth Anger: Fireworks é importante porque iluminou meu caminho. Não defino como carreira o trabalho que desenvolvi durante toda a minha vida fazendo filmes de arte porque sou um outsider, estou fora do cinema comercial. 

Como a sua experiência na Europa no pós-guerra influenciou e/ou ajudou o seu trabalho?

Paris – por intermédio de Henri Langlois e Mary Meerson, da Cinémathèque Française – me abrigou durante doze anos, a partir da primavera de 1950. Eles foram extremamente importantes para a execução de Rabbit’s Moon. Langlois me convidou para montar as sequências inacabadas de Que Viva Mexico, de Eisenstein, para o Antibes Film Festival. 

Aleister Crowley tem um papel muito importante no seu trabalho. Que influência tiveram as ideias dele sobre as suas?

Aleister Crowley entrou na minha vida na minha adolescência, quando seus seguidores me emprestaram seus livros. Desde então, Crowley tem sido meu guru. 

A estrutura dos seus filmes mostra uma preocupação diferente, se comparada aos filmes tradicionais do cinema dominante. No lugar de se concentrar em um enredo e seguir uma linha narrativa, os personagens de seus filmes transcendem essa dimensão e penetram o terreno dos sonhos, mitos e rituais. Que papel desempenham os sonhos, os mitos e os rituais na sua vida, e, na verdade, nas ideias por trás do seu trabalho? 

Desde a infância, os sonhos têm sido meu norte na trajetória da minha vida. Tomo nota dos meus sonhos, e me lembro deles. Meus filmes registram alguns dos meus sonhos. Os mitos e os rituais reforçam minha arte. 

Por que você sempre preferiu trabalhar sozinho na produção, na filmagem e na edição dos seus filmes? 

Tenho orgulho de ser solitário. Trabalho sozinho por opção. Que fique claro que Hollywood nunca veio bater à minha porta; por isso, tive que me virar com o que tinha em mãos, liberdade e independência, guiado pelo meu espírito e pelo meu cérebro. A ideia de ter uma equipe trabalhando em conjunto para criar um produto comercial pode ser criativamente divertida, mas nunca me foi oferecida. 

Os símbolos que seus filmes contêm, a maneira como você constrói as imagens, sua estrutura, as cores, suas técnicas de edição – todos estes elementos tiveram influência duradoura na cultura visual do cinema dominante. E, ainda assim, você só fez curtas. 

Vamos cair na real. Nunca tive apoio financeiro para fazer longas-metragens. A necessidade gerou a virtude. A indústria cinematográfica foi em geral exultante ao elogiar meu trabalho. Nunca me ofereceram um emprego. 

Você também escreveu a série de livros Hollywood Babylon, mostrando um bocado da roupa suja de Hollywood. Os livros expressam um desejo pessoal de trazer a “cidade artificial ” para o mundo real, descrevendo cada detalhe por trás das fachadas do show business. Qual sua relação pessoal com Hollywood? 

Cresci em Hollywood. Nasci em Santa Monica e terminei o colegial em Beverly Hills. Sou afilhado de Edmund Goulding, diretor de O beco das ilusões perdidas [Nightmare Alley]. Desde minha adolescência, fui amigo de Robert Florey e James Whale, diretores de natureza maverick [independentes]. Mais tarde, fui amigo de Nicolas Ray. Eu sabia muitas histórias de Hollywood – diretamente da fonte, a começar pela minha avó – sobre a época que hoje é qualificada como “de ouro”. A única razão de ter escrito os livros Hollywood Babylon foi para ganhar dinheiro e poder continuar na Europa. Para mim, Hollywood sempre foi uma relação de amor e ódio – em partes iguais de ambos. 

Você teria feito alguma coisa diferentemente do que fez? 

Poderia ter tido atitudes um pouco mais diplomáticas. É divertido brigar com as pessoas, mas em geral a briga acaba. E, aí, lamento que aquelas pessoas tenham sido riscadas da minha vida. Mas sigo em frente. 

Como você vê a cultura visual hoje? O que você acha dessa cultura? 

Caos visual é a expressão que uso para o excesso de imagens e de ruído que leva ao colapso mental. Eu me isolo disso tudo. Para início de conversa, não tenho televisão nem assisto à televisão. 

Você gostaria de dar algum conselho aos que estão começando no campo das artes visuais hoje? 

Não façam isso, a menos que sejam ricos ou malucos. 

Você teria dito certa vez: “Lúcifer é o padroeiro das artes visuais. Cor, forma - tudo isso é obra de Lúcifer”. Você poderia falar um pouco sobre Lúcifer e as artes? 

Lúcifer é meu padroeiro. O rebelde original. Todo artista deve encontrar seu próprio Lúcifer.

ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL. "16º Festival Internacional de Arte Eletrônica SESC_Videobrasil": de 30 de setembro a 25 de outubro de 2007, p.16-17, Edições SESC SP, São Paulo-SP, 2007, p. 74 a p. 77.