Especializado em arte e mídia e criador do World Wide Video Festival, o curador holandês Tom van Vliet fala do panorama de projeção em 360º que desenvolveu em parceira com arquitetos e técnicos e que usa dez projetores para obter um ambiente imersivo com 360º de imagem em movimento sincrônico, onde artistas são convidados a trabalhar.
Ensaio Tom van Vliet, 2007
Panorama em 360 Graus
O primeiro panorama em 360 graus foi desenvolvido em torno de 1790 pelo artista inglês Robert Baker (1739-1806) – que foi o inventor do panorama clássico. Baker concebeu a pintura sem fronteiras, a pintura cujo ângulo de visão não permitiria apreciar o seu todo de uma só vez. De certa forma, ela tem muito em comum com as pinturas de abóbadas de igrejas. A inigualável cena Milagro de San Antonio de Padua, no domo da capela de San Antonio de la Florida, em Madri, foi pintada pelo famoso artista espanhol Goya, e é um exemplo de pintura que não pode ser vista por completo, de uma só vez. Nosso olhar explora o espaço, navega por esse espaço para visualizar todos os aspectos da pintura e para descobrir como as figuras pintadas se interrelacionam. Robert Baker desenvolveu “regras” a serem seguidas para a pintura do panorama e sua representação. Um panorama encerra um círculo completo – nem a parte superior nem a inferior da tela são visíveis. O panorama é colocado em um edifício circular. O visitante, vindo de um espaço escuro, entra por uma escada em espiral que termina no centro do panorama. O panorama, em si, é mostrado à luz do dia. Um domo de vidro no teto do edifício – protegido por um véu para que os visitantes não entrem em contato com o mundo exterior – difunde uma luz indireta sobre a pintura. Em frente à tela, o chamado “faux terrain”, com objetos e figuras. Este “terreno falso” intensifica tanto a ilusão de óptica quanto a perspectiva. E também impede a visualização da parte inferior da pin- tura. O espectador se sente no centro do panorama, circundado pela pintura e isolado do mundo exterior.
Os panoramas pintados eram, em geral, uma representação bastante precisa da realidade – afinal, nem a fotografia nem o filme haviam sido inventados – e mostravam vistas de cidades, como, por exemplo, a vista de Edimburgo, o panorama de Constantinopla ou a famosa tela retratando Cairo e as margens do Nilo. Às vezes, os panoramas representavam temas religiosos; porém, guerras e cenas de batalhas sempre foram temas mais populares. O panorama Siège de Paris, de Henri Félix Emmanuel Philippoteaux, o Sedan Panorama, o Bourbaki em Lucerna, o Battle at Waterloo. Os artistas visitavam a área imediatamente após o fim da batalha; a partir da observação pessoal e de entrevistas com pessoas envolvidas, pintavam o cenário da matança da forma mais precisa possível. Os panoramas eram atrações itinerantes que atraíam grandes multidões. Centenas foram pintados no século 19; mas, com o advento da cinematografia, o interesse pelos panoramas pintados diminuiu. Afinal de contas, a câmera retratava a realidade de maneira muito mais rápida e até mesmo mais objetivamente. A grande maioria dos panoramas se perdeu. Hoje, apenas cerca de vinte sobrevivem em sua forma original. Um destes é o Panorama Mesdag, em Haia, na Holanda. Pouquíssimos panoramas foram pintados no século 20. Em 1986, foi inaugurado o de Al-Mada, no Iraque, que retrata a batalha histórica de Al-Quaddisyah, em 637: árabes a cavalo contra o exército persa em elefantes. Muito provavelmente este panorama simboliza a guerra mais recente entre Irã e Iraque. Foram inaugurados, há pouco tempo, panoramas em Jinzhou e Dandong, na China.
Quase que simultaneamente ao desenvolvimento dos cinemas OMNIMAx/IMAx Dome, com a chegada da câmera de vídeo, começam os experimentos com imagens em movimento no formato de panorama. Os artistas começam a experimentar com constelações espaciais de monitores e projetores. O artista norte- americano Ira Schneider foi um dos primeiros a colocar monitores em um círculo. Sua instalação Time Zones mostra os 24 fusos horários no mundo ao utilizar 24 monitores colocados em um círculo no espaço escuro. E, assim como os artistas que pintavam panoramas, Schneider tinha uma equipe de assistentes, alguns deles artistas bastante conhecidos. Bill Viola e Juan Downey, por exemplo, fizeram algumas das gravações em vídeo que podem ser vistas no panorama de Schneider. Uma nova geração de artistas apressa- se em abandonar a representação da realidade e começa a manipular imagem, tempo e espaço. Marie-Jo Lafontaine, George Snow, Gary Hill e Jeffrey Shaw, Kurt d’Haeseleer – todos desenvolvem novas formas de panoramas, com uma característica comum: o espectador é envolvido por imagem, e em geral som, em um ambiente de 360 graus; busca o espaço, explora o espaço e descobre imagens diversas que são coerentes, mas que não podem ser vistas todas de uma só vez. O panorama se transforma em sonho. Fragmentos de imagens, som, memórias, destruição, manipulação, música, conexões, vistas. Interpretação.
Esses pontos de partida me levaram a desenvolver um panorama de projeção em 360 graus. Projetei um panorama em vídeo – em parceria com o arquiteto Tom Postma e Jozef Hey, do BeamSystems – com imagem circular de 25 metros para obter a imagem de 360 graus em movimento sincrônico usando dez projetores. Artistas são convidados a trabalhar neste ambiente de 360 graus e criar um panorama em movimento, com som. Este panorama está no momento em um laboratório, mas foi projetado para ser itinerante.
ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL. "16º Festival Internacional de Arte Eletrônica SESC_Videobrasil": de 30 de setembro a 25 de outubro de 2007, p.16-17, Edições SESC SP, São Paulo-SP, 2007, p. 232 - 233.
Texto institucional 2007
A proposta deste seminário, uma parceria entre a Associação Cultural Videobrasil, o Departamento de Cinema, Rádio e Televisão e o Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicações e Artes da USP, é trazer para o debate temas que, vistos em conjunto, apontam para os diversos caminhos que a arte eletrônica percorre no mundo todo, inclusive no Brasil, em sua mistura de procedimentos artísticos, rearranjos das tradições e rupturas de linguagem.
Dessa forma, realizadores e pesquisadores convidados são instados a discutir temas como: os caminhos que a arte da imagem toma no século 21 em suas intersecções entre as diversas mídias, configurando (Des)limites e hibridizações; ou a tensão que se estabelece entre obra, artista e público, em que se aponta uma nova fruição marcada pelo jogo de contemplações e intervenções. E, ainda, os procedimentos e interfaces de mediação que reconfiguram a arte dos tempos atuais, sobretudo através da incorporação de dispositivos de mídias móveis e de redes digitais, além das opções de múltiplas narrativas que geram significações específicas nesta arte da atualidade.
Para efeito de organização, distribuímos este seminário não exatamente por tendências atuais, pois estas seriam pouco precisas, mas em função de conceitos. Esses conceitos procuram dar conta de alguns dos
desafios propostos pelas poéticas tecnológicas em torno das quais se aglutinam artistas e pesquisadores. Eles não encerram o assunto, mas incitam o debate sobre a relação entre cinema, vídeo e arte, proposta curatorial do 16o Videobrasil.
Esses conceitos são: hibridizações, mídias e experimentações, ações e contemplações, narrativas múltiplas. Cada mesa foi pensada a partir de um deles, e esperamos que os debates avancem o entendimento sobre os efeitos destas imbricações contemporâneas.
O eixo Zona de Reflexão propõe também uma atividade voltada para a prática televisiva: a transmissão ao vivo, via internet, de todos os debates.
Em edições anteriores, o Festival dialogou com diversas modalidades de mídia, tendo colocado suas atividades em plataformas que vão de inserções nas redes de televisão aberta às transmissões via Videowall e TV de Rua, passando por conexões via videofone além de “mini-TV”, videojornal ou videojornow.
Neste momento em que a TV digital está prestes a ser implantada no país, e diante do crescente uso de tecnologia de IPTV e de conteúdos gerados pelos usuários na Web 2.0, o 16° Videobrasil se aventura a experimentar em WebTV/Streaming, ao mesmo tempo em que se discutem os novos rumos da arte eletrônica.
ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL. "16º Festival Internacional de Arte Eletrônica SESC_Videobrasil": de 30 de setembro a 25 de outubro de 2007, p.16-17, Edições SESC SP, São Paulo-SP, 2007, p. 230 - 231.