Sete países, inúmeras poéticas

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postado em 10/11/2013
Dezesseis nomes de América Latina e Caribe revelam uma diversidade artística proporcionalmente inversa à variedade de idiomas

São oito países – Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, Jamaica, México e Peru – e que, à exceção de Jamaica, falam um mesmo idioma. A representação da América Latina e do Caribe no 18º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil, porém, revela uma riqueza de temas, poéticas, procedimentos e estratégias que excede em muito qualquer tentativa de redução. E há alguns pontos de contato, que tanto ressaltam debates comuns quanto associações muito diversas entre ideias.

Um forte diálogo com a linguagem do cinema, por exemplo, surge em uma série de trabalhos. Essa relação pode ser dar de maneira explícita, como no vídeo do colombiano Carlos Guzmán, Sitiado (acima), em que 41 segundos do filme État de siège, de Costra-Gravas, são usados para abordar as ditaduras militares na América do Sul, ou em The night of the moon has many hours, de seu conterrâneo Mauricio Arango, que reencena histórias de famílias de desaparecidos políticos.

Ainda dentro do universo que funde cinema e crítica sócio-política, Brisas, de Enrique Ramirez e a obra de Claudia Joskowicz (foto) trazem aportes de sua memória familiar: ao passo que o chileno, no plano-sequência em que cruza o palácio do governo, cita indiretamente o assassinato do presidente Salvador Allende, a boliviana realiza uma videoinstalação em que fala de como sua família, de judeus poloneses, convivia com um nazista quando se instalaram em La Paz. Assim como o nome da cidade, o título da obra não poupa ironia: Sympathy for the devil (a famosa canção dos Rolling Stones ambienta o trabalho).

As relações com o cinema continuam, e de diferentes maneiras, em obras em vídeo da colombiana Laura Huertas Millan e do argentino Sebastián Diaz Morales. Por um lado, em Journey to a Land Otherwise Known a artista funde ficção e documentário para explorar a ideia de exotismo a partir da arquitetura da Estufa Tropical de Lille, na França, e, assim reinventar o estatuto do personagem no produto audiovisual – embora haja um narrador, é o próprio espaço que protagoniza o percurso. Por outro lado, Morales questiona a dimensão de simulacro que têm o cinema e o vídeo: em seu Insight, ele utiliza um espelho que se estilhaça em câmera lentíssima para indagar os limites da ficção e da representação.

Laura Huertas Millan

Como no trabalho de Laura Millan, o vídeo do argentino Charly Nijensohn (El êxodo de los olvidados, videostill abaixo) dá ênfase ao caráter simbólico da paisagem, no caso, os imponentes campos de gelo da Patagônia. Mas, embora seus matizes de azul e branco se imponham ao olhar, existe um certo caráter coreográfico na movimentação das figuras humanas que por ali circulam. A jamaicana Olivia McGilchrist também incorpora a dança como elemento poético e, de maneira sutil, sua videoinstalação Elation a apresenta como forma de romper o solipsismo; a dança no night club é uma gênese da alteridade.

Uma coreografia surge também em El contorno, videoinstalação de Maya Watanabe, do Peru. Nessa videoinstalação, cinco pessoas executam uma coreografia que, juntamente com o cenário urbano, surpreendentemente fazem pensar no teatro clássico. Utilizando um tríptico, a artista tensiona a relação entre uniformidade e diversidade, neutralidade e expressão. Já a argentina Gabriela Golder utiliza também um tríptico, mas de maneira muito diversa: sua Conversation piece remete visualmente aos retratos pintados no século 18 e propõe, na conversa entre duas garotinhas e sua avó, uma revisão histórica crítica.

Outros trabalhos também propõem a releitura histórico-social, seja pela via do humor – como Drive-thru, do costa-riquenho Christian Bermudez, em que uma visita a um pastor norueguês imortalizado por fotos tiradas por turistas, problematiza sobre o olhar estrangeiro sobre culturas consideradas pitorescas –, seja pelo viés da memória afetiva, como em Cuculí, do peruano Daniel Jacoby, em que uma narrativa em primeira pessoa da estada do artista em Tóquio cria metáforas sobre pertencimento e diápora cultural. A relação do afeto com o entorno físico, com a paisagem, é também presente em Fluxus, de Gianfranco Foschino. No vídeo, o chileno parece criar uma dessas engenhocas decorativas mas, na verdade, trata-se de um registro de corredeiras do Parque Nacional Queulat, feito na época em que o governo chileno pretendia condenar a área próxima ao rio Biobio.

Christian Bermudez

Daniel Jacoby

Artistas não raro transportam para seu trabalho fatos importantes de sua vida. A dupla formada pela israelense Aya Eliav com o argentino Iván Marino explora o nascimento da relação dos dois, que se conheceram durante uma edição do Festival. Organizados fora da ordem cronológica, registros em vídeo de cenas domésticas e conversas compõem The day you arrived in Buenos Aires e retratam a intimidade do casal enquanto aguardam o nascimento de seu primeiro filho.

Em contraste com esse eros delicadamente construído no âmbito afetivo, o erotismo artificial da pornografia revela um viés cômico, que o argentino Federico Lamas explora em Censorship Universal Language Organization. Em seu C.U.L.O., a imagem de genitais censurados em fotonovelas dos anos 60 são ao mesmo tempo uma ausência (da naturalidade do desejo) e uma presença (da castração socialmente engendrada). A artificialização da realidade surge também, em viés totalmente diverso, em um trabalho cujo autor se situa num Estado limítrofe entre Norte e Sul – o México. Jacinto Astiazarán aborda, em Lago Onega N.82012, o urbanismo para falar do pastiche arquitetônico pós-moderno. No estágio final de construção de um prédio residencial na Cidade do México, as duvidosas aspirações de beleza e ordem ali presentes criam um chocante contraste com o ambiente do entorno – contraste que têm muito o que dizer sobre o modo como enxergamos as relação entre Norte e Sul.

Jacinto Astiazarán

Saiba mais sobre as obras em exposição em Panoramas do Sul.

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