Observatório do Sul 2 | Documentos e Manifestos

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postado em 26/06/2015
Segunda sessão do projeto que aquece as discussões dos Programas Públicos do 19º Festival reúne artistas e pesquisadores que propõem uma afronta radical ao status quo e uma visão mais ampliada do mundo

A partir de perspectivas e contextos diversos, os convidados da segunda sessão do projeto Observatório do Sul, realizada no mês de junho no Goethe-Institut de São Paulo, apontaram lutas e afrontamentos políticos extremamente pertinentes às discussões sobre o Sul Global, questionando a própria relevância do tema central desse encontro. Intitulada Documentos e Manifestos, a sessão partiu dessas questões para estabelecer um diálogo com Neo Muyanga (África do Sul), Gabi Ngcobo (África do Sul) e Daniel Lima (Brasil) — artistas-pesquisadores cujos trabalhos sugerem um afrontamento radical ao status quo, bem como um alargamento das visões tradicionais de mundo.  

A segunda sessão do Observatório foi aberta por Sabrina Moura, mediadora dos encontros e curadora do seminário que integra os Programas Públicos do 19º Festival, apresentando como alguns autores abordaram o manifesto nas artes. De acordo com o pesquisador José Horta Nunes, o manifesto nasce entre os séculos XIX e XX, fruto de um posicionamento individual ou coletivo, como “uma forma textual característica dos movimentos de vanguarda europeus”. Basta lembrarmos do Manifesto Futurista, que celebrava, em 1909, a velocidade da máquina. "Nós queremos libertar [a Itália] dos inúmeros museus que a cobrem toda de inúmeros cemitérios", afirmava o poeta Filippo Marinetti. No Brasil, quando falamos em manifestos de artistas, um dos primeiros que vêm a mente é o Manifesto Antropófago (1928), relacionado ao modernismo paulista. "Só a Antropofagia nos Une", sentenciava Oswald de Andrade em sua tentativa de posicionar o Brasil face a um projeto de modernidade. Embora o mais citado, esse não era o único projeto de modernidade em curso no Brasil naquele momento. Em 1926, no Recife, Gilberto Freyre lia, no Primeiro Congresso Brasileiro de Regionalismo, o seu Manifesto Regionalista. Ali, Freyre propunha "um movimento de reabilitação dos valores tradicionais" a partir do nordeste brasileiro. Dez anos mais tarde, Joaquín Torres García criava no Uruguai sua Escuela del Sur (1935), invertendo o mapa da América Latina em uma imagem que se tornaria ícone de diversos projetos artísticos e acadêmicos baseados na noção de Sul Global. 

Se a modernidade foi o que Arthur Danto chama de a "Era dos Manifestos", qual seria a forma contemporânea desse gênero textual? Como o nosso tempo reclama suas utopias, mudanças e rupturas? Distante do modelo moderno em sua retórica categórica ou panfletária, o manifesto contemporâneo seria muito mais próximo a uma pergunta, um fazer artístico-político capaz de questionar práticas hegemônicas, antecipando ou iluminando as contradições de nossa sociedade.

Com uma pesquisa focada em canções de protesto e nas formas de ópera negra, Neo Muyanga começou sua fala no Goethe convocando o grupo a refletir sobre uma metodologia do precário, capaz de agenciar a falta de recursos que permeia a produção artística em países do Sul Global. Sua proposta artística e investigativa parte de olhar sobre a africanidade (africanness) como elaboração estética de uma prática contestatória absolutamente conectada às condições produtivas de seu contexto local. Ao integrar as considerações de Muyanga, a série de investigações-ação de Daniel Lima evidenciou eixos transversais que perpassam instrumentos de controle racial (e policial) na África do Sul, Brasil e Estados Unidos. Por fim, Gabi Ngcobo trouxe à mesa uma discussão sobre as questões de gênero e homofobia vivenciadas ao longo de sua experiência de residência no Raw Material Company (Dacar, Senegal), instituição parceira do Programa de Residências Videobrasil. Ngcobo lembrou ainda os atos de vandalismo que interromperam a exposição Precarious Imaging: Visibility and Media Surrounding African Queerness, parte da programação da Bienal de Dacar (Dak’art) em 2014, organizada por Koyo Kouoh e Ato Malinda. 

Observatório do Sul é uma plataforma de estudo e debate que integra o 19º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil | Panoramas do Sul e o projeto Episódios do Sul, realizado pelo Goethe-Institut. Ao todo, o Observatório vai promover quatro encontros na sede do Goethe São Paulo e no Sesc Pompeia, direcionados pelos eixos temáticos que compõem uma antologia de textos a ser lançada em outubro de 2015, como parte das publicações do 19º Festival, alimentando o Seminário que integrará os Programas Públicos do evento. A organização curatorial do projeto Seminários, e da publicação e condução dos encontros, está a cargo de Sabrina Moura, que conduz os encontros do Observatório, com a colaboração de artistas e pesquisadores convidados a cada sessão, além de quatro pesquisadores selecionados via convocatória — Alex Flynn, Cristina Bonfiglioli, Marina Guzzo e Nathalia Lavigne — e membros das equipes do Goethe-Institut, do Sesc São Paulo e do  Videobrasil — Katharina von Ruckteschell-Katte, Patrícia Quilici, Alcimar Frazão e Ruy Luduvice.

Confira aqui o relato da primeira sessão.


Referências

Neo Muyanga 
Center for Historical Reenactments 
Support Koyo Kouoh and the Raw Material Company