VIDEOBRASIL 40 | 7º Videobrasil

A+ a-
postado em 26/01/2023

Com um olho no Brasil e outro no mundo, festival recebe público recorde

A partir de sua 4ª edição, realizada em 1986, o Festival Videobrasil iniciou um processo rápido rumo à internacionalização: primeiro, com a exibição para o público brasileiro de trabalhos provindos da América do Norte e Europa; depois, com o convite para que realizadores estrangeiros viessem ao país apresentar seus trabalhos e debater sobre os rumos do vídeo no mundo. Era nítido que o desenvolvimento da produção nacional, em termos técnicos e de linguagem, dependia de um maior conhecimento do que se fazia no exterior e de trocas com profissionais de outros cantos do globo.

 

 

Neste trajeto, os vídeos estrangeiros só seriam incluídos na Mostra Competitiva do VB na edição de 1990 – quando também se fortalece um olhar direcionado ao Sul Global –, mas é possível afirmar que o evento de 1989 já foi genuinamente um festival internacional. Realizado entre os dias 26 de setembro e 1º de outubro daquele ano, há pouco menos de dois meses das primeiras eleições diretas para presidente após o fim da ditadura, o VII Festival Fotoptica Videobrasil* levou um público recorde de 10 mil pessoas ao Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo, sedento para ver e ouvir uma série de convidados estrangeiros. 

O principal salto em relação aos anos anteriores – quando o Videobrasil já havia dedicado mostras paralelas à exibição de produções dos EUA, Inglaterra, Alemanha, França e Canadá – se deu no plano dos debates, da troca efetiva de conhecimento e do fortalecimento de um mercado internacional para o vídeo. Deste modo, entre os dez participantes internacionais não estavam apenas videomakers, mas diretores de festivais e instituições, executivos de TV, críticos e produtores.

Boa parte deles esteve no encontro Meeting TV e Vídeo no Brasil - Uma Abordagem Sintética, realizado ao longo de três dias com a participação dos franceses Pierre Bongiovanni, curador do Centre International de Création Vidéo Pierre Schaeffer, e Jean-Paul Fargier, artista e produtor independente; do holandês Tom van Vliet, criador do renomado World Wide Video Festival; do belga Jean-Paul Tréfois, diretor de programação do canal RTBF; do crítico Rod Stoneman, coordenador da emissora inglesa Channel 4; da italiana Sandra Lischi, criadora do festival Ondavideo; além dos também europeus Dominique Thauvin e Christianne Philipe e dos brasileiros Julio Worcman, Isa Castro e Roberto Loeck. Com mediação de Marcelo Machado e Candido José Mendes de Almeida, os palestrantes falaram da aproximação entre a videoarte e as emissoras de TV, assim como das possibilidades de aproximação entre produtores estrangeiros e brasileiros.

Não era apenas o Brasil que aprendia com o mundo, como ressaltou Stoneman à época: “Os europeus têm uma visão de mundo terrivelmente limitada. Por isso é muito importante o contato direto com produtores em países distantes”. O grande destaque na vasta cobertura midiática sobre o festival também foi a internacionalização do evento. O Jornal da Tarde destacava em seu caderno de cultura: “Interesse estrangeiro agita o festival”; e, na sequência: “Fronteiras abertas, é hora de sair para o mercado internacional”. Curiosamente, essa busca por uma expansão do mercado tematizada nos encontros não deixou de gerar algumas críticas dos próprios participantes das mesas, entre eles Bongiovanni: “Vocês se preocupam demais com o negócio. Deviam buscar qualidade”, disse o francês aos brasileiros.

Para além do Meeting, teve grande destaque um workshop ministrado pelo produtor e crítico inglês John Wyver, que também tratava da relação entre o vídeo e a televisão. A partir de exemplos europeus, a constatação de Wyver era de que os realizadores da videoarte estavam perdendo sua visão hostil em relação ao conservadorismo dos canais de TV; e, ao mesmo, as emissoras estavam percebendo que a linguagem experimental trazia caminhos e ideias para sua programação, até mesmo nos anúncios e propagandas comerciais. Enquanto produtor de vídeo – próximo a artistas como Bill Viola, Laurie Anderson e David Byrne –, o inglês afirmou em entrevista ao Jornal da Tarde: “O mais estimulante é saber que podemos atingir uma audiência maior e que isso leva a uma evolução. As produções deixaram de ser obras herméticas e os profissionais do vídeo procuram achar novas linguagens, novas imagens e maneiras de pensar”.

 

 

Quanto às atividades paralelas dedicadas a outros países estiveram a mostra inglesa e a francesa. A primeira, com mais de 40 vídeos, teve curadoria de Gill Henderson (do British Council) e da jornalista Paula Dip e apresentou trabalhos vanguardistas realizados na segunda metade dos anos 1980 – com temas políticos, experimentos de linguagem e animações. A mostra francesa, por sua vez, teve curadoria de Jean-Marie Duhard e reuniu sete obras realizadas pela Ex-Nihilo, uma das mais premiadas produtoras do mundo do momento.

Ainda no caminho da internacionalização do Videobrasil, a Mostra de Vídeo Hors-Concours apresentou quatro trabalhos de importantes realizadores brasileiros – Flávia Moraes, Roberto Berliner, Wagner Garcia e a dupla Marcello Dantas e Maria Lucia Mattos –, mas todos eles realizados no exterior. Angola, por exemplo, é um documentário de Berliner sobre a história e a cultura do país africano, sua independência e a guerra contra a África do Sul. Processing The Signal, de Dantas e Mattos, trata da videoarte norte-americana através de entrevistas com Nan June Paik, Zbigniew Rybczynski, Ira Schneider e muitos outros. 

Nesse intercâmbio entre países, a carioca Sandra Kogut, que já havia se destacado em edições anteriores do VB especialmente com videoclipes, ganhou uma bolsa oferecida por Bongiovanni para residência artística no centro Pierre Schaeffer. A concessão de residências e bolsas se tornaria, a partir daí, política crucial e permanente no trabalho do Videobrasil.

 

A ficção na produção nacional

Se por um lado mirou para fora, o festival não deixou de olhar com intensidade para o Brasil, como sempre. Apesar de ser um ano marcante no cenário político nacional – no qual a Constituição de 1988 se firmava na prática e a disputa eleitoral colocava Lula, Collor, Brizola, Covas e Maluf frente a frente –, os vídeos selecionados para a Mostra Competitiva estiveram menos ligados a assuntos da política institucional do que em outros anos. Predominaram, nos 41 trabalhos selecionados, temas sociais e, principalmente, vídeos com ares ficcionais e poéticos, focados em desenvolver estéticas e linguagens em sintonia com o desenvolvimento técnico da época. “Este ano o Festival pretendeu retratar a profissionalização crescente da produção. Entre os vídeos há uma tendência ao deslumbramento diante de certos efeitos”, explicava Solange Oliveira Farkas à imprensa.

Entre os dez premiados da edição estavam Ficção ou fricção, de Guto Jordão, uma colagem de imagens de ícones culturais de vários países, criadas ou transformadas digitalmente e intercaladas à uma trilha sonora frenética; E o Zé Reinaldo, continua nadando?, de Adriano Goldman e Hugo Prata, um misto de ficção e realidade na qual uma telefonista pede ajuda ao dramaturgo Gianfrancesco Guarnieri para impedir um assassinato; Um Encontro na noite, vídeo que mostra o tédio no relacionamento de um casal em oposição à fantasia de outro casal que dança ao som de Cheeck to Cheeck, (trilha de Irving Berlin para o filme Top Hat); e A paixão segundo Bruce, de Luiz Duva, sátira de uma aventura com Batman ambientada no centro de São Paulo, na qual o super-herói acaba se apaixonando pelo inimigo Coringa.

Lucila Meirelles seguia se destacando, ano após ano, no Videobrasil. De linguagem mais documental, foi premiado seu filme Crianças Autistas, que reúne imagens de garotos e garotas realizando atividades cotidianas. Também saiu aclamado o vídeo O mundo de Aron Feldman, de Fabio Carvalho, dedicado ao cineasta gaúcho conhecido por sua produção underground, dita marginal. Por fim, a sétima edição do VB seguiu dando espaço aos videoclipes e trabalhos musicais. Estavam lá Araçá Azul, de Fernando Trevas, Marcus Villar e Vinícius Navarro, um pequeno documentário com Caetano Veloso em que o compositor fala sobre seu novo trabalho nos bastidores de um show em João Pessoa; e Manuel, de Sandra Kogut, clipe da música de Ed Motta com animações e a participação de atores vivendo personagens da cultura brasileira.

 

 

Em relação às videoinstalações, sempre presentes no MIS durante o festival, Kogut apresentou O caminho das vertigens, uma passarela com monitores que exibiam imagens de calçadas e ruas vistas do alto. Eder Santos, por sua vez, ganhou grande destaque com Oremos, instalação com uma série de monitores e telões que formavam uma espécie de “igreja eletrônica”. As imagens transmitidas eram uma versão multicanal de Rito e expressão, vídeo experimental de Santos que fazia uma leitura do barroco mineiro a partir de imagens da reconstrução de uma igreja em Ouro Preto. A terceira videoinstalação, de Marcelo Masagão, era ao mesmo tempo homenagem e sátira à televisão. Segundo descrição divulgada à época, era “um misto de instalação, happening e exposição de esculturas, que colocava o visitante diante de mais de uma dezena de pseudo-televisores ‘sintonizados’ em diferentes pseudo-canais”.

Tudo isso, mais uma vez, foi registrado no Videojornal, criado no ano anterior com direção de Hugo Prata e desta vez comandado por Pedro Vieira. Tratava-se de uma espécie de boletim do evento, um “making of” produzido diariamente durante os seis dias em um miniestúdio montado no MIS. O resultado era transmitido em telas espalhadas pelo museu.

Crítico de arte e especialista em linguagens audiovisuais, Arlindo Machado havia lançado no sexto Videobrasil o livro A arte do vídeo (Editora Brasiliense). Para o catálogo do festival de 1989, o pesquisador assinava um pequeno texto sobre a obra de Masagão, no qual uma breve passagem parece dizer muito sobre o contexto cultural do período. No último ano da década de 1980, após sete edições do VB que haviam captado o espírito de uma época, Machado escrevia: “O televisor doméstico é verdadeiramente o totem de nosso tempo, em torno do qual se reúnem diariamente todas as tribos do planeta para celebrar o ritual do consumo e da vida imaginária. Se, algum dia, alguém se propor elaborar uma antropologia do homem deste século, certamente colocará num lugar privilegiado da aldeia global essa caixa plástica cuja face frontal abre-se, como um buraco negro, para todas as mitologias do mundo contemporâneo”.

O Videobrasil não podia mais se furtar de olhar com mais atenção para esta “aldeia global”; assim, adotaria já no ano seguinte o nome de Festival Internacional, incluindo produções estrangeiras em sua Mostra Competitiva.

 

Por Marcos Grinspum Ferraz

*a nomenclatura utilizada para intitular a principal mostra organizada pelo Videobrasil, hoje chamada Bienal Sesc_Videobrasil, passou por adequações ao longo dos anos. As mudanças se deram a partir da percepção dos organizadores sobre as características de cada edição, especialmente no que se refere ao seu formato; duração; periodicidade; parcerias com outras empresas e instituições; e à expansão das linguagens artísticas apresentadas. Os principais reajustes no título das mostras foram: inserção do nome da empresa parceira Fotoptica entre a 2ª (1984) e a 8ª (1990) edições; a inclusão da palavra “internacional” entre a 8ª e a 17ª (2011) edições, a partir do momento em que o evento passa a receber de modo intensivo artistas e obras estrangeiros; o uso do termo “arte eletrônica” entre a 10ª (1994) e a 16ª (2007) edições, quando se percebe que a referência apenas ao vídeo não dava conta dos trabalhos apresentados; a inclusão do nome do Sesc, principal parceiro da mostra nas últimas três décadas, a partir da 16ª edição; e a substituição de “arte eletrônica” por “arte contemporânea” entre a 17ª edição e a 21ª (2019) edições, a partir do momento em que o foco se expande para as mais variadas linguagens artísticas. A mais recente mudança significativa se deu em 2019, na 21ª edição, quando o nome festival é substituído por bienal, termo mais adequado a um evento que já vinha sendo realizado bianualmente e com uma duração expositiva de meses, não mais semanas.

_______________________________________________________________________________________ 

 

Imagens: Acervo Histórico Videobrasil

1. Cartaz do sétimo Videobrasil, por Kiko Farkas.

Galeria 1
1. Jean-Paul Tréfois, Pierre Bongiovanni, Solange Oliveira Farkas, Rod Stoneman e Dominique Thauvin.
2. “A paixão segundo Bruce”, de Luiz Duva.
3. “Crianças Autistas”, de Lucila Meirelles.
4. John Wyver e Marcelo Tas.
5. “Oremos”, de Eder Santos.
6. “Oremos”, de Eder Santos.
7. “Um encontro na noite”, de Luiz Villaça.

Galeria 2
1. “E o Zé Reinaldo, continua nadando?”, de Adriano Goldman e Hugo Prata.
2. Leon Cakoff e Thomaz Farkas.
3. Tom van Vliet.
4. “O mundo de Aron Feldman”, de Fabio Carvalho.
5. Marcelo Machado, Ricardo Nauemberg e Rod Stoneman. 
6. Cena do Videojornal.