Exibidos em diversos festivais, mostras e exposições, os vídeos de Diego Lama se estruturam em torno de uma intensa mistura de significados, através de tensas relações entre som e imagem e entre montagem e ritmo. Em ensaio sobre a obra de Lama, Max Hernandez Calvo, professor da Corriente Alterna, Escola Superior de Belas-Artes em Lima, Peru, afirmou que sua obra se estrutura em torno de uma intrincada mistura de pessimismo e prazer.

A observação de Calvo nos mostra como se articulam suas obras, sobretudo quando pensamos na relação som e imagem  em seus vídeos. As conhecidas imagens vindas do cinema são rearticuladas e ganham novos sentidos quando colocadas em outro contexto e reeditadas com novo som. O ingrediente mais importante nessa mistura de pessimismo e prazer é uma potente dose de ironia.

Podemos perceber isso no irônico No-Latin party (2003). As imagens de um coquetel entre senhores em uma cobertura tipicamente burguesa, vindas de O Poderoso de chefão de Francis Ford Coppola, ganham novo sentido ao alterar a trilha com a destoante música South American way, cantada por Carmen Miranda, e ao sobrepor em um bolo que é elegantemente servido aos convidados o logotipo da Bienal de Veneza. Ora, a imagem do filme de Coppola parece ser destruída pela inclusão da logomarca e pela música de Miranda; no entanto, alguns resquícios permanecem. Sabemos que esse filme trata de organizações mafiosas  que reúnem criminosos e isso acaba por resistir às alterações feitas por Lama, mas elas são reposicionadas e rearticuladas em um tom absolutamente irônico em relação ao mundo da arte e suas estranhas relações como o mercado e a política, sobretudo nas grandes mostras internacionais como a Bienal de Veneza.

Esse procedimento de alterar a trilha sonora possibilita a abertura de sentidos em outros vídeos, como em I’ve got you under my skin (1999). Nesse vídeo, uma série de fotos de mulheres em situações de sadomasoquismo, como escravas amarradas, amordaçadas ou algemadas, é editada com efeito morph, que acaba por desconfigurar ainda mais seus corpos. Entre a dor e o prazer, entre a destruição dos corpos e a pele reconstruída pelo vídeo, a série de fotos é embalada por Frank Sinatra cantando  a canção que dá título ao vídeo. Talvez este trabalho seja o que melhor explicita a tensão apontada por Calvo na obra de Diego Lama.

Essa relação dissonante e provocativa entre som e imagem aparece em outros trabalhos como em Estereoscopia (2000). A tela do vídeo dividida em duas partes, recurso utilizado também em outras obras, nos mostra de um lado um peixe. Uma relação entre situações bastante diferentes, dois opostos. A solda típica da indústria de alguma forma domina a natureza e o peixe, ser vivo que  parece sintonizado e controlado pelos movimentos da solda. Parece que Lama quer nos mostrar como os opostos podem estar próximos e se relacionar.

Em outros trabalhos existe uma conjugação entre a apropriação das imagens do cinema e o recurso da divisão da tela, explicitando uma profunda preocupação formal. Podemos perceber isso sobretudo em Intercciones (2001), que nos mostra de um lado a imagem do olho sendo cortada de O cão andaluz (1929), Luís Bruñel e Salvador Dalí, e de outro o arco de um violoncelo que desliza sobre as cordas executando Bach. Uma bela aproximação. De um lado a agressiva e provocativa imagem do surrealismo, e de outro a clássica interpretação de Bach. Aproximações formais e afastamentos estilísticos em uma mesma obra. Um pouco de prazer e um pouco de dor.

Instigante e explosiva, a obra de Lama abre as edições internacionais do FF>> Dossier, mostrando a potência das produções latino-americanas que nos encorajam a, cada vez mais, ampliar nossos diálogos com o circuito sul.