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Texto de curadoria José-Carlos Mariátegui, 2001

Toti a América / América a Toti. Uma seleção de trabalhos de Gianni Toti relacionados à América

Como podemos falar de Coragem? Como podemos falar do assustador? Não com modismos, mas sim com gestos, com ações, o pensamento que re-evolve em cada neurônio, em cada sinapse. Do Canto ao Grito. Não cantaremos mais, gritaremos, do Castelo em Montbéliard aos castelos da LatinAmerIndia. Gianni Toti [1]

Considerado o "pai" da videopoesia, Gianni Toti é um dos mais interessantes e experimentais videoartistas da cena internacional contemporânea. É difícil considerá-lo um artista da mídia, pois sua experiência como poeta, cineasta, escritor de teatro, jornalista, dentre muitas participações intelectuais, levou-o além da estética da imagem para nela encontrar uma maneira de representar o mundo como ele é, confrontando o processo de criação com a sociedade.

Toti iniciou o trabalho de vídeo no começo dos anos 80, definindo-se como um "poetrônico", um criador que desafia o pensamento intelectual e a ação cultural em sua insaciável busca por novas linguagens na criação artística e científica, trazendo ao extremo a poesia visual e eletrônica, considerada por Toti como a soma de todas as artes em sua infatigável busca pela arte total. Seus interesses em arte o levaram a fazer uso das mais avançadas tecnologias para preparar, em 1986, uma série de videopoemas para o L'Imaginaire Scientifique of the Cité des Sciences et de l'Industrie of Paris. Em "Orden, Chaos y Phaos", por exemplo, ele se utiliza de programas sofisticados de fractais, que vão além da descoberta científica, nos quais formas coloridas e composições eletrônicas metamorfoseiam-se em um sistema complexo e sistêmico. Toti não analisa o mundo; ele tenta transformá-lo através de nossas mentes, entendendo que conhecimento não pode ser obtido apenas por meio de modos tradicionais (que chamamos de "cultura ocidental"), mas também por intermédio da reinvenção da história, das lendas, das tradições orais, das formas rítmicas e da cultura popular, tentando criar um "novo alfabeto" do visual. Por isso não é coincidência que os trabalhos mais recentes de Toti sejam relacionados à AmerIndia, interpretando-a como uma terra de esperança para a humanidade, de uma nova história em seu passado na busca de seu futuro por meio das tradições, mal interpretadas como "velhas" ou "primitivas", quando elas são de fato uma mistura de velha e da nova arte da mídia, uma fusão de culturas e linguagens.

Historicamente, a arte de mídia não pode ser representada da vanguarda em diante; precisamos considerar que a arte de mídia estava presente desde os tempos antigos. Dos rituais xamanísticos, que não poderiam ser comparados às imersões na realidade virtual de hoje, a desenvolvimentos musicais e artísticos. Ainda estamos analisando a arte de mídia como se ela fosse um novo meio de criação simplesmente porque ela tende a usar a tecnologia eletrônica e computadores digitais. Eu gostaria de enfatizar com Toti que existe uma variedade de "ecologias de novas mídias" que podem ser encontradas já na arte e nas técnicas pré-colombianas. Por exemplo, o quipu é uma tecnologia de rede. [2]

Quinhentos anos atrás, exploradores ocidentais voltaram de "áreas remotas" contando que haviam descoberto "tribos primitivas" com "tecnologias primitivas" e "línguas primitivas". Todas essas histórias foram cientificamente provadas falsas, pois muitas dessas linguagens são gramaticalmente mais complexas que o inglês ou mesmo que o chinês (línguas associadas, naquela época, à civilização ocidental). [3]

A linguagem é um dos temas primários do trabalho de Toti. Composto de uma mistura de expressões idiomáticas, em sua maioria em francês e em italiano, mas com uma profunda influência de todas as línguas do mundo, seu trabalho não requer tradução. Podemos compreendê-lo como uma nova língua, a língua "totiana", uma prosa mágica, uma construção poemática de palavras que interferem umas nas outras para a criação de novas. Assim ouvimos frases em Quíchua, Mic-Mac ou Aymara, que nos lembram da "experiência do outro". Com a linguagem podemos inventar, cada sentença é uma invenção, produzida pela combinação de elementos familiares; o aperfeiçoamento da inventividade humana está ligada ao aperfeiçoamento da linguagem humana. Em seus vídeos Toti tenta nos dizer que a linguagem deve ser renovada, e não a tecnologia.

Temos de pensar nas palavras lingüísticas e nos problemas da comunicação. O poder está no pensamento, não na linguagem, e assim temos que definir techné, não tecnologia. Não podemos mais falar sobre a ciência do pensamento se a acreditarmos baseada em tecnologia, temos antes que falar da linguagem da techné. Desconstruir a música em suas partes e misturar novas e velhas composições, como no caso das linguagens, também está presente na obra de Toti. Nos trabalhos escolhidos para esta homenagem, as composições são criadas com muitos ritmos e vozes tradicionais. A tela negra também é um símbolo emblemático do início de seus trabalhos: a voz de Toti no escuro nos faz lembrar de um sonho em que ouvimos mas não podemos ver, a voz nos conduz a um novo espaço metafórico. A voz de Toti é a abertura musical para a síntese de imagens vindas depois dela.

Gianni Toti se interessa por lições da história: revoluções, descobertas científicas, invenções tecnológicas, mas especialmente por pensamentos revolucionários quando estes excedem os fatos e fornecem signos. A arte dá a Toti um meio de aplicar o pensamento científico e filosófico a uma amplitude de dimensões para criar, encontrando modelos mentais para uma nova maneira de anti-descrever e re-evolucionar o mundo, uma metáfora gramsciateguiana, que se concretiza com o projeto "Tupac Amauta", como um ensaio vivo sobre a realidade da LatinAmerIndia, como Toti a chama, mas também planetopolitana, já que é necessária a continuação de "Planetópolis", [4] o ensaio poético sobre a utopia negativa da cidade planetária ininterrupta. Nos vídeos de Toti a voz do autor faz poesia e ressoa em um panorama onde o filme está constantemente presente. Toti tem usado filmes para re-elaborar imagens da história e re-criá-las hoje (em nosso futuro).

Quando vemos seus trabalhos, não somos os mesmos, nos sentimos diferentes, e pensamos diferentes, como Rosa Luxemburgo disse: "Pensar é pensar diferente". Esta é a diversidade de linguagens que tem sido a arma fundamental na luta de Toti para mudar o mundo. Todas as linguagens formam a diversidade e, por simples iteração, como na geometria fractal, cria complexidade, que é o que encontramos nessas imagens sintéticas em movimento.

Para Toti há sempre grandes dúvidas e questionamentos. Ele está sempre esperando que algo aconteça, mas nada acontece, e, se algo acontece, não é importante, pois, se é importante, não acontecerá.... Mas deveria...

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[1] Manifesto manuscrito de Gianni Toti para a apresentação do "Gramsciategui ou les poesimistes" (2000), na América Latina.

[2] O quipu era um aparato de contabilidade inca, constituído de uma corda na qual se amarravam cordas secundárias e várias cordas terciárias atadas às secundárias. Nós eram feitos nas cordas, para que representassem as unidades, as dezenas e as centenas.

[3] Diamond, Jared. "The evolution of Human Inventiveness" [A evolução da inventividade humana], in Murphy, Michael P. and O’Neill, Luke A. J. (editores), What is life?: the next fifty years: speculations on the future of biology [O que é a vida? Os próximos 50 anos: especulações sobre o futuro da biologia], Cambridge University Press, Cambridge, 1995, pp. 41-55.

[4] Para mais informações sobre "Planetopólis", veja: Heck, Georges. "Gianni Toti/autour de PLANETOPOLIS", Realisation: CICV Pierre Schaeffer Montbéliard-Belfort, França, dezembro de 1996. Lischi, Sandra. "PlaneToti notes" (Notes pour un voyage dans la "planète Toti", l'univers "poétronique" de l'artiste Gianni Toti: ses idées, ses rêves, Planetopolis, sa planète-maison, ses livres, le monde...), em co-produção com o CICV Pierre Schaeffer Montbéliard- Belfort, Itália/França, 1997. (Duração: 30min40)

ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL, "13º Videobrasil": de 19 de setembro de 2001 a 23 de setembro de 2001, p. 171 a 173, São Paulo, SP, 2001.