A sensação generalizada da iminência de um ataque é explorada pelo feitoamãos/F.A.Q. nesta performance, feita de fumaça, projeções, barulho e aglomeração. Formado por Lucas Bambozzi, André Amparo, André Melo, Claudio Santos, Marcelo Braga, Rodrigo Minelli e Ronaldo Gino, o grupo é um desdobramento do coletivo feitoamãos, que produz, desde 1999, projetos colaborativos de pesquisa em linguagens e possibilidades da arte. A performance, comissionada pelo Videobrasil, iria acontecer no deck do SESC Pompéia, mas devido a chuva, foi apresentada na Área de Convivência.

Artistas

Obras

Texto de curadoria 2005

Carro-Bomba

Há momentos em que tudo pode acontecer. Principalmente uma tragédia. Para o grupo feitoamãos/F.A.Q, a sensação generalizada da iminência de um ataque – seja numa rua do Oriente Médio, seja em um automóvel parado no trânsito paulistano – alcançou um grau inédito de palpabilidade depois de 11 de setembro de 2001. “Carro-Bomba” fala do instante em que a noção de perigo torna-se inquestionável, a ponto de nos fazer desejar que o pior aconteça logo, para que a vida possa seguir adiante. A preparação para um desenlace desagradável é a circunstância que o coletivo de artistas expõe na performance feita de fumaça, projeções, barulho e aglomeração.

A ideia não deriva apenas da meditação sobre atos terroristas. O dia-a-dia, em suas trivialidades, também apresenta situações de risco. “Objetos banais com uma bombinha de São João sabendo que ela vai explodir. É essa sensação de terror que é esperada e até desejada”, explica o artista Lucas Bambozzi, integrante do grupo. “Partimos do princípio de que não sabemos nos relacionar com todas as questões ligadas ao terror. Nós, brasileiros, convivemos cotidianamente com formas de violência igualmente trágicas.”

A suspensão na relação espaço-tempo causada por todas as formas de violência é o ponto da performance. “Tomando como metáfora a expectativa dramática que se impõe na iminência de um acontecimento dessa natureza, pretendemos traduzir os incômodos das várias violências que nos cercam.”

O F.A.Q. é um desdobramento do coletivo feitoamãos, que produz, desde 1999, projetos colaborativos de pesquisa em linguagens e possibilidades da arte eletrônica. Além de Bambozzi, é integrado por André Amparo, André Melo, Claudio Santos, Marcelo Braga, Rodrigo Minelli e Ronaldo Gino. “Nossas apresentações sempre tangenciaram temas relacionados à política, à violência e ao cotidiano urbano. Com ‘Carro-Bomba’, trata-se de buscar um questionamento sobre a política da violência e sobre a violência na política, ou sobre as formas de ação políticas que desconsideram as diferenças culturais, religiosas, de raça e gênero como elementos fundamentais à humanidade.”

ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL, "15º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil": de 06 a 25 de setembro de 2005, p. 126 a 127, São Paulo, SP, 2005.

Texto de curadoria 2005

Performances

Centrada no corpo, efêmera, imprevisível, a performance é um gênero de arte que envolve confrontamento e risco. Política, subverte a relação entre obra e público, que é convidado não a suspender sua descrença para acreditar em uma ficção, mas a testemunhar um acontecimento. Tanto ao transitar entre disciplinas quanto ao esquivar-se delas, torna-se a expressão de uma arte em que as fronteiras entre gêneros deixam de fazer sentido. Talvez por isso seja apontada como manifestação artística contemporânea por excelência.

Foi a observação desse fenômeno, sobretudo na maneira evidente como ele reverbera na arte eletrônica – cada vez mais politizada e vinculada à presença do artista –, que motivou a reunião desse expressivo grupo de performers dentro do Festival. Brasileiros, norte-americanos, asiáticos, africanos, eles representam vertentes diversas de um gênero de hibridismos infinitos, que se presta ora a dissolver os limites entre as expressões artísticas, ora a apontar questões sociais para compartilhar cicatrizes universais.

Uma das mais marcadas entre essas vertentes, a performance que se constitui abertamente em gesto político é representada, entre outros, pela artista nova-iorquina de origem cubana Coco Fusco. Ela comanda uma intervenção urbana que encena um ritual de sujeição comum nas prisões militares norte-americanas, vista aqui como uma espécie de performance compulsória em que o corpo é violentamente usado contra o próprio homem. Também é da observação de situações refletidas na mídia e na sociedade que vêm os registros reunidos em “Futebol”, trabalho da Frente 3 de Fevereiro que repercute um episódio de racismo; e a angustiante sensação de tragédia iminente eleita como objeto pelo grupo feitoamãos/F.A.Q.

Não menos políticas na essência, as obras da queniana Ingrid Mwangi e da indonésia Melati Suryodarmo são fruto de uma concepção de performance para a qual o corpo é o campo onde se projetam inquietações nascidas no âmbito da experiência estritamente pessoal. Mwangi, que criou para o Festival “My Possession”, usa voz e movimento para falar de uma existência em deslocamento. Em sua “Exergie – Butter Dance”, Melati, que estudou performance com Marina Abramovic, vale-se da iminência do acidente – e, não raro, do acidente em si – para produzir um nível concentrado de intensidade sem usar qualquer estrutura narrativa.

De formas muito diversas, Marco Paulo Rolla e Detanico Lain representam a performance que nasce das artes plásticas. Ao invés de abandonar o cubo branco, paradigma do espaço expositivo contemporâneo, Marco Paulo se apropria de seu rigor formal em performances que falam do irromper desconcertante do acaso num mundo de placidez e equilíbrio. Angela Detanico e Rafael Lain ambientalizam suas paisagens pixelizadas e se incluem na cena para manipulá-las ao vivo, no intuito de acentuar seu teor de representação digital – e, em última instância, de entender como a representação constrói as imagens do mundo.

Plástica, música e vídeo são os elementos fundadores de um gênero de performance particularmente vigoroso no Brasil. Os trabalhos inéditos do grupo Chelpa Ferro e do artista Eder Santos que o Festival exibe são exemplares. No Chelpa Ferro, Barrão, Luiz Zerbini e Sergio Mekler ampliam seu espectro de ação ao produzir música e objetos ruidosos, que posicionam no palco como peças de uma instalação. “Engrenagem”, que reúne Eder Santos, os músicos Stephen Vitiello e Paulo Santos e a performer Ana Gastelois, é uma releitura que reafirma o talento do artista para multiplicar, com o vídeo, o efeito visual de atos performáticos de dança, música, drama e poesia.

Tanto Eder Santos quanto o Chelpa Ferro passaram antes pelo Festival, como atestam as obras incluídas na mostra Antologia Videobrasil de Perfomances. Eder criou para o Videobrasil uma série histórica de trabalhos performáticos; Zerbini, Barrão e Mekler usaram o nome Chelpa Ferro pela primeira vez no 12º Festival, em 1998. Não deixa de ser simbólico, portanto, que seus novos trabalhos fechem a programação do 15º Videobrasil. Em meio a este amplo panorama do mais contemporâneo dos gêneros, eles representam uma vertente de performance que foi pioneira no cenário brasileiro – e que o Festival se orgulha de ter acolhido desde o nascimento.

ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL. "15º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil - 'Performance.'": de 6 a 25 de setembro de 2005, p.96-97, São Paulo-SP, 2005.