Memórias Inapagáveis > Curadoria


Atual diretor artístico do MALBA (Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires), o espanhol Agustín Pérez Rubio, que também foi diretor do MUSAC (Museo de Arte Contemporáneo de Castilla y León), na Espanha, é o curador convidado de Memórias Inapagáveis — um olhar histórico no acervo videobrasil.  Reconhecido por pesquisas a partir de acervos, Agustín, que também é historiador, se debruçou sobre a coleção de mais de 1.300 obras em vídeo do Videobrasil, selecionando obras que colocam em evidência fatos históricos e políticos normalmente interpretados a partir do ótica oficial, dominante e colonizadora, por meio do olhar sensível de artistas do Brasil e exterior.

"A construção de nossa memória é seletiva e, portanto, cultural. A memória seria, assim, como uma vasta coleção de lembranças de fatos ocorridos ao longo da história – individual ou coletiva –, de valor inestimável. O mais rico não é quem tem mais memórias, mas quem pode entesourá-las, torná-las vivas, vivê-las infinitamente.

A mesma ideia se aplica a uma coleção. Ela não é só o dispositivo que reúne, mantém e exibe artefatos ou objetos; é também as experiências às quais eles se referem. Uma coleção de arte será mais relevante se puder nos colocar em contato com as experiências únicas vividas e sentidas pelos artistas, ou de nos fazer recordar outros mundos possíveis.

O Acervo Videobrasil tem origem em um momento em que o vídeo era uma ferramenta, antes de tudo, política; e mantém esse caráter quando o Festival deixa de falar de um Sul para falar de muitos, ampliando nossas visões das realidades políticas da América Latina, África, Austrália, Europa do Leste, Oriente Médio, China, Sudeste Asiático. Este projeto levou muito em consideração essa origem. Por isso, história, memória e lembrança são importantes; elas formam uma grande parte da experiência que vivi por mais de um ano e meio, navegando pelas águas do Acervo Videobrasil, sob um olhar social e político. Ao traçar a ideia que estrutura esta exposição, me veio à memória o jogo de espelhos contrapostos: um fato se projeta em outro e o outro, por sua vez, projeta de volta o conteúdo da imagem que está dentro dele.

O Acervo Videobrasil projeta, na exposição e suas obras, temas de interesse histórico, iluminando acontecimentos reais e as ficções criadas a partir deles. Projetar, aqui, é reproduzir, trazer à luz, tirar da obscuridade e do esquecimento.

Memórias inapagáveis quer colocar em evidência os compromissos que derivam dos estudos pós-coloniais na criação contemporânea. Sua indagação inicial diz respeito aos conflitos que nascem, no Brasil e em outras terras, da ideia de “conquista” como ação em que o homem se impõe com violência para subjugar, governar e escravizar outros. A metáfora se estende ao mundo globalizado do século 20 e do começo do 21, no apagamento das culturas indígenas, na escravidão, no racismo, nas emigrações forçadas; assim como às micro-histórias sobre como afetam as vidas de quem os vive.

Onze obras compõem o eixo de leitura da exposição, organizadas na cronologia dos acontecimentos aos quais se referem; a elas, unem-se registros, ações e documentários que ecoam esses fatos. As obras se inter-relacionam por temas, cronologias, territórios. O que pretendem é manter viva a memória de um fato que o narrador vitorioso, aquele que escreve a história, quer nos fazer acreditar que já não nos pertence.

Não se pode avançar em um mundo amnésico e asséptico. O importante, aqui, é refletirmos sobre como lemos a história, como a guardarmos e a evocamos para aprender com ela. Precisamos falar da memória histórica e das diferentes formas de criá-la para não continuarmos abrindo os jornais e ficando impassíveis diante de fatos que também nos aconteceram e a nossos antepassados. Para que possamos seguir adiante sem apagar o que aconteceu."

Agustín Pérez Rubio