Depoimento 2019

Transcrição de depoimento para a 21ª Bienal

Em Nova York, eu morava em um espaço pequeno. Como pintor dedicado, eu fazia quase uma pintura por dia, meu estúdio estava lotado de telas. Por acaso, acabei trabalhando com animação, que se tornou meu principal interesse, quando tentava fazer uma ilustração baseada em uma história folclórica da Etiópia. Preguei uma tela na parede, pintei uma cena, tirei uma foto e pintei a cena seguinte por cima da primeira. Fiquei contente ao descobrir esse processo, pois só precisava de uma tela. Intuitivamente, o processo também foi relevante para mim. Como um etíope vivendo nos Estados Unidos, minha experiência passada é fisicamente distante, só existindo como memória ou em forma de história. Para mim, o tempo e o lugar já não são singulares. A Etiópia segue o calendário juliano, que está sete anos atrás em relação ao gregoriano. Quando vim para os EUA, esses anos foram pulados. O tempo e o espaço fixos da pintura já não eram verdadeiros para mim. Eu me via constantemente fazendo ajustes e dialogando, negociando entre aqui e lá, passado e presente, o tátil e o digital. Continuo encontrando inspiração nas animações, pois é um suporte adequado para eu navegar esses estados limítrofes.

Em 2004, passei quatro meses viajando pela Etiópia, coletando histórias folclóricas com uma câmera de vídeo. Fui à casa dos contadores de histórias, que generosamente compartilharam seu conhecimento comigo. Fiquei interessado no aspecto experiencial daquelas histórias. Às vezes, eu encontrava a mesma história contada em diferentes regiões, mas transformada ou adaptada. Acredito que, assim como o conhecimento coletivo de uma história folclórica, existe também a transformação ou personalização individual de cada contador de histórias. Atualmente, faço animações dessas histórias folclóricas, não para defini-las, mas para fazer parte de sua evolução contínua.

Para este projeto, fiz uma convocação por e-mail a respeito do folclore junto a uma comunidade diaspórica Habesha da cidade de Nova York. Os habeshas são etíopes e eritreus – este era o nome do povo da Etiópia antes da separação dos dois países. Dando continuidade à minha pesquisa anterior, e como artista de origem etíope vivendo nos EUA, pensei que seria muito interessante ver como os folclore dessas regiões atravessaram o oceano e como foram agora traduzidas.

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